_Ciência

[io9] Todos os mistérios das múmias revelados pela tecnologia

Não importa de onde elas venham, as múmias antigas sempre fascinam os vivos. Todos os seus antigos mistérios, todas aquelas lendas de maldições e mitos poderosos têm sido revelados e explicados, um a um, graças a tecnologias modernas. Veja como os cientistas fazem. As múmias são corpos bem preservados que foram congelados (às vezes literalmente) […]

Não importa de onde elas venham, as múmias antigas sempre fascinam os vivos. Todos os seus antigos mistérios, todas aquelas lendas de maldições e mitos poderosos têm sido revelados e explicados, um a um, graças a tecnologias modernas. Veja como os cientistas fazem.

As múmias são corpos bem preservados que foram congelados (às vezes literalmente) no tempo. Estudando essas reminiscências do passado, aprendemos muito sobre culturas antigas — e os bizarros rituais fúnebres ao longo da história. Mas como extraímos respostas das múmias? Há toda uma ciência em torno disso.

Embora as múmias do Egito sejam indiscutivelmente as mais famosas, elas não são as únicas que existem. Na realidade, arqueólogos e outros profissionais já descobriram múmias em várias partes do mundo, como Chile, Groenlândia, Itália, Irã e China.

As múmias diferem de cadáveres convencionais porque têm seus tecidos mortos preservados por séculos, às vezes milênios. As pessoas já usaram várias técnicas para criar múmias — mas as múmias também se formam, naturalmente, quando expostas prolongadamente a ambientes secos, como montanhas congeladas, pântanos privados de oxigênio ou desertos quentes e secos.

No passado, estudar múmias era uma viagem destrutiva — os cientistas desenrolavam as múmias egípcias ou as dissecavam para analisar os órgãos internos (ou o que restava deles). Hoje, várias técnicas não intrusivas podem ser aplicadas ao estudo das múmias. Nesta discussão, focaremos nesses métodos modernos e mais seguros.

Radiologia

Em 1895, o físico Willian Roentgen descobriu os raios-x enquanto trabalhava com um tubo de raios catódicos em seu laboratório. Um ano depois, em 1896, cientistas aplicaram a nova tecnologia a um grupo de múmias e as imagens de raio-x se transformaram na primeira técnica não destrutiva de análise desses antigos e bem preservados corpos, de acordo com o Museu Michael C. Carlos, da Universidade de Emory. Em poucas décadas, as imagens de raio-x se transformaram no método mais difundido de estudo de múmias. Elas permitem penetrar nos corpos enrolados das múmias egípcias sem ter que desenrolá-los de fato.

As imagens de raio-x podem revelar não só que artefatos foram selados embaixo das faixas ou junto às roupas (informações que ajudam a entender quão importante era a pessoa mumificada quando viva), mas também que problemas de saúde a pessoa teve, incluindo doenças, problemas dentários, fraturas e traumas.

Em 1928, por exemplo, o Museu Field fez um raio-x da múmia de um garotinho egípcio do século VII a.C. Baseados no desenvolvimento irregular de alguns de seus ossos, os pesquisadores presumiram que a criança tinha deficiência de cálcio e era mal nutrida. Recentemente, cientistas usaram imagens de raio-x para estudar dezenas de múmias egípcias encontradas em museus italianos e descobriram que a maioria dos espécimes tinha problemas nas juntas e dentários, como desgastes da arcada e dentes faltando, quando estavam vivos.

Nos anos 1970, os cientistas começaram a complementar a técnica de raio-x usando varreduras de tomografia computadorizada — que oferecem uma imagem em corte transversal de um corpo combinando várias imagens de raio-x tiradas em ângulos diversos. As varreduras oferecem imagens internas bem mais claras do que o raio-x simples, permitindo que os cientistas façam novas descobertas sobre as múmias em um ritmo alucinante.

Alguns anos atrás, pesquisadores revisitaram estudos sobre múmias egípcias em virtude do advento das varreduras de tomografia computadorizada. Os resultados aumentaram a noção de que problemas dentários, incluindo doenças periodontais, abscessos e cavidades, eram um problema crônico na sociedade do antigo Egito. A meta-análise também demonstrou evidências de um grande número de outras doenças, como problemas ósseos, infecções e traumas.

As tomografias computadorizadas de múmias levaram a outras descobertas interessantes: a aterosclerótica coronária existe na China há mais de dois milênios; Ötzi, o Homem de Gelo, sofreu um golpe fatal na cabeça; egípcios antigos sofriam de aterosclerose (doença que normalmente é considerada moderna e atribuída ao estilo de vida sedentário); e a menina inca de 13 anos tinha comida em seu sistema e não defecou momentos antes do seu ritual de morte, o que sugere que ela não estava em estado de aflição.

Na última década, os cientistas começaram a usar máquinas de ressonância magnética nas múmias. A técnica normalmente só funciona em tecidos hidratados, mas essa limitação aparentemente não limita seu uso em múmias. Ano passado, pesquisadores examinaram uma múmia egípcia seca usando uma nova técnica de ressonância magnética e descobriram evidências da rara doença Histiocitose X (síndrome de Hand-Schueller-Christian).

Espectometria de massa

A espectometria de massa é uma técnica de análise química bem comum que os cientistas usam para separar diferentes tipos de átomos e moléculas em uma amostra. Os arqueólogos têm utilizado a espectometria de massa há décadas para estudar múmias — a técnica diz a eles as moléculas e suas respectivas concentrações em um tecido corporal, roupa ou outras amostras.

A espectometria de massa produz informações especialmente úteis quand é aplicada em amostras de cabelo. Por quê? O cabelo oferece um registro de que substâncias, incluindo narcóticos e outras drogas, estão na corrente sanguinea quando novas células capilares se formam. Em 1991, por exemplo, pesquisadores descobriram que benzoilecgonina, um metabólito da cocaína, pode ser detectado com segurança no cabelo das múmias — uma descoberta que é usada em pesquisas até hoje.

Em um estudo publicado na revista PNAS semana passada, pesquisadores analisaram amostras de cabelos de três famosas crianças incas mumificadas — a Donzela, a Menina do Raio e o Menino — em busca de cocaína, benzoilecgonina e cocaetileno químico, que o fígado produz quando cocaína e álcool estão ao mesmo tempo no organismo. Sabendo que o cabelo cresce em um ritmo relativamente constante, eles foram capazes de criar uma linha do tempo mostrando os níveis de coca (da qual a cocaína deriva) e álcool que as crianças consumiram nos meses que precederam suas mortes.

E em um estudo anterior, a mesma equipe de pesquisadores revelou a última refeição que as múmias das crianças fizeram analisando amostras de cabelo (e a espectometria de massa) para diferentes isótopos de carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio. Os resultados mostraram que as crianças deixaram de lado a antiga dieta à base de batata e começaram a comer alimentos “elitizados”, incluindo carne seca de lhama e milho, depois que elas foram escolhidas para o ritual de sacrifício que acabou as matando.

Claro, a espectometria de massa tem sido usada para estudar outras múmias também. Recentemente, cientistas encontraram vestígios de nicotina no cabelo de múmias chilenas que datam de 100 a.C. e 1450 d.C. Contrariando crenças antigas, os resultados mostraram que as pessoas daquela região (San Pedro de Atacama) consumiram nicotina por mais de um milênio e por praticamente toda a sociedade. Em outro estudo, os pesquisadores usaram a técnica para analisar a resina nos invólucros das múmias egípcias.

Os cientistas usaram a espectometria de massa até mesmo para analisar as roupas do estudado Ötzi, o Homem de Gelo, para descobrir de que animais vieram as peles usadas em sua confecção. O estudo mostrou que seus mocassins eram feitos de gado, enquanto seu casaco e suas calças, de couro de carneiro. Você talvez esteja se perguntando por que os pesquisadores não fizeram uma análise de DNA nas peles, mas eles explicam que os indícios teriam sido eliminados através dos múltiplos processos de manufatura — as proteínas usadas na espectometria de massa, porém, são mais resilientes.

Análise de DNA

A análise do DNA de uma múmia oferece uma grande riqueza potencial de informações sobre ela, incluindo o sexo, relações familiares e doenças que teve em vida. O uso da análise de DNA em múmias antigas data de 1985, quando um estudante de doutorado alegou ter clonado o DNA de uma múmia egípcia de 2400 anos. Desde então, os cientistas publicaram inúmeros papers sobre análises de DNA de diferentes de múmias, o que só conseguiram fazendo, antes, uma ampliação dos fragmentos de DNA através de uma técnica chamada reação em cadeia de polimerase (PCR, na sigla em inglês).

Em 2002, pesquisadores usaram a técnica para determinar quais foram as últimas refeições de Ötzi. Outros cientistas usaram a análise de DNA e a PCR para descobrir que os egípcios tinham que lidar com a leishmaniose (uma doença parasitária que causa fortes dores estomacais e pode levar à morte). E, talvez no caso mais famoso, pesquisadores conduziram testes de DNA no Rei Tut e outras múmias da realeza alguns anos atrás, produzindo vários resultados interessantes, incluindo que a malária é a causa de morte mais provável do Faraó.

Embora a análise de DNA seja usada recorrentemente em múmias, o método é alvo de controvérsias. Cientistas têm reservas sobre o fato de que DNA antigo é facilmente avariado, se degrada rapidamente em climas mais quentes e é facilmente contaminado por DNA moderno (o que piora muito quando a PCR é envolvida), sugerindo que talvez haja problemas com todas as descobertas feitas ao longo dos anos — especialmente com as múmias egípcias.

Alguns meses atrás, um grupo de cientistas revelou uma solução em potencial para o problema da contaminação: a nova geração do sequenciamento de DNA (a NGS). A Scientist explica:

“A NGS permite uma abordagem metagenômica, o que significa que, antes do sequenciamento, os pesquisadores amplificam todos os fragmentos de DNA em uma amostra, incluindo pequenos pedaços do DNA antigo que não eram considerados pelos métodos tradicionais. Isso oferece uma visualização mais ampla do material genético da amostra e uma leitura mais precisa das proporções reais de DNA antigo e moderno. ‘Contaminadores ainda são uma fração pequena, porque você está olhando para o todo’, diz [o geneticista Tom Gilbert do Centro de GeoGenética na Dinamarca]. A velocidade das plataformas da nova geração também significa que os pesquisadores podem sequenciar uma amostra várias vezes, o que torna fácil verificar padrões de degradação que distinguem DNA antigo do moderno.”

E mais

Considerando que a análise de DNA pode não ser a melhor ferramenta para aprender sobre doenças e problemas de saúde de múmias antigas tiveram em vida, os cientistas vieram com outra abordagem: a análise de proteínas. Em um estudo publicado ano passado, cientistas usaram uma técnica chamada disparo proteômico (“shotgun proteomic”) para estudar as crianças incas mencionadas acima, e descobriram que a Donzela tinha uma infecção no pulmão antes de morrer. Expliquei a técnica no LiveScience:

“Os pesquisadores usaram uma técnica chamada disparo proteômico. Eles colocaram amostras em um dispositivo chamado espectômetro de massa, que quebrou todas as proteínas da amostra em suas partes constituintes, cadeias de aminoácidos. Um software sofisticado comparou essas partes com proteínas existentes do genoma humano para determinar as proteínas verdadeiras nas amostras,explicou [a líder da pesquisa Angelique Corthals]. ‘Você não pode usar esta técnica para um organismo do qual não temos o genoma completo,’ disse.”

Recentemente, cientistas analisaram as proteínas do nosso amigo famoso, o Ötzi. O estudo confirmou antigas descobertas de que o Homem de Gelo recebeu uma pancada forte na cabeça.

A proteômica não é a única outra técnica que os arqueólogos usam para estudar múmias. Embora não seja tão usada quanto no passado, às vezes eles usam a endoscopia (o estudo do interior do corpo usando um tubo flexível), a histologia (estudo microscópico dos tecidos) e a imunocitoquimica (um método para investigar antigenios associados a determinados parasitas).

Surpreendentemente, pesquisadores estão usando até tomografias computadorizadas em 3D para reconstruir os rostos das múmias, permitindo a nós finalmente ver como elas se pareciam em vida.

Imagem do topo via U.S. Navy. Demais por University of Zurich, Johan Reinhard, American Journal of Roentgenology.

Sair da versão mobile