Neon Eletro: como uma loja virtual conseguiu enganar milhares de consumidores com anúncios em grandes veículos

Não é muito difícil se deparar com ofertas surreais em sites meio desconhecidos. Em geral eles são evitados, seguimos a boa e velha cartilha de boas práticas no comércio online e a vida continua. Mas uma loja do interior de São Paulo tem adotado uma estratégia diferente: veicular anúncios em grandes portais e até na […]
Neon Eletro, iPhone 5 barato.

Não é muito difícil se deparar com ofertas surreais em sites meio desconhecidos. Em geral eles são evitados, seguimos a boa e velha cartilha de boas práticas no comércio online e a vida continua. Mas uma loja do interior de São Paulo tem adotado uma estratégia diferente: veicular anúncios em grandes portais e até na TV para passar credibilidade. Na prática milhares de consumidores estão sendo lesados e, se o histórico dos responsáveis se mantiver, o site em questão deve estar prestes a desaparecer. Dessa vez, porém seus donos devem sumir do mundo dos golpes — talvez até presos, dado o tanto de informações negativas coletadas.

As iscas

A loja virtual, chamada Neon Eletro, está anunciando forte as suas ofertas. Já vimos propagandas em vídeo nos intervalos e dentro de programas populares do SBT, como o do Raul Gil, A Praça É Nossa e no da Eliana, e diversos banners destacados na home do UOL, um dos sites mais visitados do país.

Neon Eletro.

Seria mais uma loja fazendo a sua divulgação não fosse o conteúdo desses anúncios. São preços absurdos sob qualquer ponto de vista. Uma TV de 40″ Sony Bravia é anunciada por R$ 1.099, o iPad 4 com tela Retina, por R$ 999, mesmo preço do iPhone 5 e do Galaxy Note II. O Galaxy S III é mais barato, custando só R$ 799. São valores bem abaixo do que outras lojas cobram. Como é possível? Ou melhor: é possível?

Não, não é. Nosso primeiro teste com a Neon Eletro foi com o SAC da empresa. Ligamos para as centrais de atendimento ao consumidor e conseguimos falar duas vezes, uma com a atendente Mariana, outra com um tal de Gustavo. Em ambas as ligações fizemos as mesmas perguntas e, com pequenas variações, recebemos as mesmas respostas. Foram três questionamentos:

  • Como a loja consegue esses preços super baixos;
  • Qual o prazo de entrega;
  • O caminho que as encomendas fazem até chegar às casas dos clientes.

A justificativa para o preço seria plausível em alguns segmentos, mas não no da telefonia móvel e muito dificilmente em outros da alta tecnologia, como o de TVs e tablets. Os atendentes me disseram que conseguem chegar a valores tão agressivos negociando a compra de grandes volumes direto com as fabricantes, o que gera descontos e abatimentos fiscais. O Gustavo chegou a nos dar um número: mil iPhones. Mas para uma empresa que vende quase 50 milhões de aparelhos em três meses, mil unidades não parece ser um número “grande”. Nem governo nem Apple aceitariam perder dinheiro assim, certo?

Ouça o áudio da conversa que tivemos com o Gustavo:

Sobre o prazo de entrega, todos responderam prontamente que ele é de até 60 dias. É um prazo bastante dilatado mesmo para os nada ligeiros padrões brasileiros. O motivo, como os próprios atendentes disseram e está estampado no site da loja, é que os produtos são importados, vêm de fora. Diferentemente de quando uma pessoa física compra no exterior, porém, as aquisições da Neon Eletro não são despachados diretamente para a casa do cliente; elas vão para uma suposta central, no Mato Grosso (segundo Mariana), onde são verificados e a nota fiscal é emitida, para só então serem enviadas aos endereços dos compradores.

Os dois atendentes também asseguraram que não há problemas com a Receita Federal e que todo o desembaraço é feito por eles mesmos. É um detalhe importante que diferencia a loja de alguns vendedores do Mercado Livre que usam a mesma sistemática, só que colocam o endereço do comprador para envio direto e, se a compra parar na alfândega, problema é dele para arcar com os pesadíssimos impostos que incidem sobre essa transação — 60% sobre o preço, incluindo o frete.

Enquanto um dos atendentes falava, era possível imaginar o número de pessoas que veria algum sentido na argumentação, por mais vazia que ela seja. E depois clicando no carrinho, comprando um iPhone e um televisor, e aguardando piamente a chegada. A entrega que, em incontáveis casos, nunca acontece.

Os números não batem

Pegamos o caso mais absurdo, o do iPhone 5, para analisar*. Ele ainda não chegou na Apple Store nacional; nas operadoras, o preço do modelo no pré-pago, ou seja, livre de contrato, é de R$ 2.399. Em lojas do varejo, o valor é ainda maior: R$ 2.589 na Fnac, R$ 2.799 no Magazine Luiza. Poxa, o nosso iPhone 5 é o mais caro do mundo! Nos EUA, a Apple vende o mesmo modelo, de 16 GB, por US$ 649, o que daria, na cotação atual, R$ 1.270 — e sem considerar os impostos, que lá variam de estado para estado (entre 6% e 10%) e não aparecem no preço da etiqueta, só na hora do pagamento.

Ofertas surreais da Neon Eletro.

Conrado Navarro, especialista em finanças e sócio-fundador do site Dinheirama.com, fez suas contas e nos explicou por que o valor da Neon Eletro é impossível, mesmo com as justificativas dadas pelo SAC da empresa:

Fiz simulações baseando a compra direta em NY e os preços praticados pelas operadoras. Usei o dólar de R$ 1,98 para conversão.

É importante lembrar que o iPhone 5 está isento do imposto cobrado na Alfândega [para quem o traz na bagagem]. Em outubro de 2010, a Receita Federal isentou celulares, câmeras digitais e leitores de livros eletrônicos da cota máxima de US$ 500 para compras em viagens internacionais aéreas. A isenção vale somente para um item, de uso pessoal, por viajante.

Para o modelo de 16 GB, ficaria assim:

Preço + imposto (8,875%) comprando nos EUA: US$ 650 + US$ 57,70 = US$ 707,70 ou R$ 1.401,25

Preço médio praticado no Brasil pelas operadoras: R$ 2.300,00

Caso uma empresa decida importar o aparelho e vendê-lo em São Paulo, por exemplo, haverá incidência de Imposto de Importação (16%), IPI (15%), ICMS (18%) e PIS/COFINS (9,25%). Mesmo que ela consiga um valor mais baixo para comprar muitas unidades, digamos de US$ 300,00, seu custo no produto importado legalmente e colocado no Brasil seria de, no mínimo, R$ 1.000,00.

Infelizmente, não existe mágica no mundo dos negócios. O mesmo vale para os outros produtos. Quando o Galaxy S III entra em promoção, a muito custo ele pode ser encontrado por R$ 1.500 — bem longe dos R$ 799 anunciados pela Neon Eletro. O Galaxy Note II é ainda mais caro — o preço sugerido dele está acima dos R$ 2.000. O iPad começa, na Apple Store, em R$ 1.749.

Aquela Smart TV da Sony, modelo KDL-40HX755, em uma consulta no Buscapé não aparece por menos de R$ 2.000. E pior: embora a página do produto diga explicitamente que ela é um “Produto Importado dos EUA”, alguns clientes que receberam-na publicaram fotos e vídeos onde se lê, claramente, que a TV foi fabricada em… Manaus. Qual o sentido?

Sony Bravia fabricada em Manaus importada dos EUA.

Reclamações, insatisfação, protestos

Qualquer consumidor prudente faz, antes de passar o cartão virtual ou emitir e pagar o boleto, uma bela pesquisa pela idoneidade da loja. Se você se interessou pelo iPhone 5 de mil Reais ou a Smart TV da Sony pela metade do preço e fez essa tarefinha básica, pode ter escapado de um futuro recheado de frustração.

Há muitas reclamações no Reclame Aqui, uma página no Facebook lotada de clientes que se sentem lesados e até um site-protesto. Os relatos são pautados por atrasos no já longo prazo de 60 dias para entrega — alguns já chegam perto dos seis meses. São recorrentes, também, citações aos anúncios do SBT e do UOL, aos quais muita gente atribui uma espécie de endosso. E, claro, muito nervosismo e comentários inflamados, como o de Maryah:

“entaum sou mais uma vítima deles pois comprei um televisor em novembro e até agora não chegou estou desesperada o que faço? sendo que eles me dão a msma resposta ……para esperar mais alguns dias não sei mais o que fazer se alguem tiver como me ajudar agradeço mto”

Danielle:

“Puta que pariu, comprei um Iped 3, no mês 10 de 2012, e ate o dia 20 de janeiro de 2013 pedi o estorno, era para eu ter recebido o dinheiro, pediram para aguardar 15 dias, esperei, fui ver na minha conta kd?

liguei la me pediram para aguardar ate dia 16/03/2013

Sacanas do c******….

fred”

E Wladimir:

“MEU NOME É WLADIMIR N CABRAL, E VENHO COMPARTILHAR A MINHA IDIGUINAÇÃO COM ESSES GOLPISTAS DESIGUINADOS NEOM ELETRO. FIZ UM PEDIDO EM SETEMBRO DE 2012 DE UMA TV LED SONY 40 NO VALOR DE R$ 949,90 A VISTA E ATÉ HOJE, 14/02/2013 NÃO ME DERAM NEM SATISFAÇÃO SOBRE A MERCADORIA OU A DEVOLUÇÃO DO MEU DINHEIRO. CORRAM DESTES VERDADEIROS CALOTEIROS.”

É raro o índice de reclamações sem erros de português — e isso não é uma brincadeira, nem é engraçado. Isso deixa claro que o golpe afeta muitas pessoas de pouca escolaridade e renda baixa, que imaginam que finalmente poderão ter a televisão ou o celular dos sonhos. Nada. O dinheiro vai todo pelo ralo.

A própria página oficial da Neon Eletro no Facebook está recheada de reclamações:

Reclamações contra Neon Eletro.

E existem outros, intercalados por histórias com finais felizes de gente que ou recebeu o produto, ou teve o valor pago reembolsado. E, nessas, a “sorte” é lembrada com frequência. Sorte? O Ígor foi mais rápido e escreveu o que sorte tem a ver com uma relação de negócios:

“Estou lendo aqui as pessoas que receberam os produtos falando que tem ‘sorte’ porque o produto delas chegou e o dos demais não… Meu Deus, não se trata de sorte galerinha, se trata de pagar e receber… Desde quando efetuar uma COMPRA precisa de sorte para receber o produto COMPRADO?”

Ou seja, nada.

Isso, definitivamente, não é normal. E é a partir daqui que começamos a descobrir o que a Neon Eletro faz para se sustentar.

Histórico questionável

A página da Neon Eletro no ReclameAqui, um dos melhores sites para descobrir a reputação de lojas online, é praticamente inquestionável. 100% das demandas atendidas, índice de 70,2% de problemas solucionados, uma bela garantia, certo? Não.

Apenas 36% das pessoas voltariam a fazer negócio, o que pode significar que, embora os problemas da maioria tenham sido solucionados, não foram de forma fácil, ou trivial. Mas o que chama mais a atenção são os gráficos na parte inferior da página, especificamente o tempo. A loja começou a funcionar em agosto de 2012.

No Archive.org, o primeiro registro do domínio neoneletro.com.br na web data de setembro de 2012. Em outras palavras, a Neon Eletro é uma loja novata.

CNPJ da Neon Eletro.

Mas e a empresa, é? Não exatamente. O CNPJ da Neon Eletro é 10.310.483/0001-84, nome empresarial Neon Distribuidora de Produtos Eletrônicos Ltda. O registro data de 2008 e diz que a sede da empresa fica em Jaú, no interior de São Paulo. Apesar de a empresa ter quase cinco anos, a Neon Eletro é nova, não tem nem seis meses. Ela ficou esse tempo todo sem operar? Mais uma vez, a resposta é “não”.

Antes da Neon Eletro, havia a Ofertone (ainda no ar, porém sem produtos à venda). Antes da Ofertone, havia a New York Sports (link quebrado), que inclusive vendia bens de natureza diversa (material esportivo) e, segundo o Serasa, sofreu uma alteração em maio do ano passado. E antes da New York Sports, havia a Ximportados, também já fora do ar. Todas de propriedade de José Henrique Casale Júnior e de sua parente Sonia Maria Vilar Casale, proprietários da Neon Distribuidora. Não nos surpreenderia saber que outras mais antigas tenham tido o mesmo destino. Parece ser uma constante. As informações de registro do domínio mostram email de contato da newyorksports.com.br e outros endereços relacionados.

Usando gráficos do ReclameAqui, note a tendência:

Gráficos de reclamações das lojas da Neon Distribuidora.

A loja se estabelece, ganha perfil no site, atende a reclamações dos clientes até chegar a um pico e, do nada, some. O ciclo costuma levar seis meses:

  • A Ximportados começou a operar em novembro de 2010 e as interações no Reclame Aqui cessaram em julho de 2011.
  • A New York Sports começou a operar em outubro de 2011 e as interações no Reclame Aqui cessaram entre abril e maio de 2012.
  • A Ofertone começou a operar no final de fevereiro de 2012 e as interações no Reclame Aqui tiveram uma queda abrupta em novembro de 2012.

Como a Neon Eletro começou a operar em agosto-setembro de 2012, se a tendência das outras lojas do grupo se mantiver ela está prestes a implodir. Não será a primeira vez que isso acontecerá, como mostram os gráficos acima. E isso serve de sinal de alerta definitivo caso todos os outros sinais, mostrados acima, não tenham sido suficientes. A diferença no caso da Neon Eletro é o dinheiro usado em publicidade: provavelmente usando o que ganhou com as outras lojas, os donos da marca decidiram investir em propagandas explosivas na TV e na internet.

Existem hipóteses sobre como esse suposto esquema se mantém. Uma das mais difundidas é a do formato 3×1: a cada três compras, uma é efetivada (ou o cliente tem o dinheiro estornado). Dessa forma, uma pessoa real e idônea faz a propaganda positiva quando as outras duas, lesadas, reclamam. “Mas eu recebi o produto!”, ou “eles devolveram o dinheiro certinho” são frases que você encontra tanto no Reclame Aqui quanto naquela página do Facebook.

Os responsáveis

Uma consulta ao Serasa/Reclame Aqui pelo CNPJ da Neon Distribuidora de Produtos Eletrônicos Ltda. mostra que os responsáveis pela empresa são José Henrique Casale Junior e Sonia Maria Vidal Casale, o primeiro com 95% de participação, ela, com 5%. Os nomes dos dois estão envolvidos em todos os outros sites e são constantemente levantados por consumidores que se sentiram enganados em reclamações a sites como o Reclame Aqui e o Denuncio.

José Henrique, pelo que consta nesta reportagem de uma revista local de Jaú, tem apenas 21 anos. Antes de se aventurar no comércio online, mantinha um servidor de Mu e passou por um curso de SEO com boas notas. É difícil encontrar informações sobre ele na web. Links para perfis no Facebook e Orkut, encontrados em algumas denúncias, não existem mais. O mesmo vale para Sonia. Mas há mais a se descobrir…

Na justiça

Com essa lista enorme de evidências pesando contra a Neon Eletro, decidimos questionar o Ministério Público de São Paulo sobre a atuação da empresa. Como ninguém reparou neste padrão? Como isso passou batido? Isso não conseguimos descobrir, mas algo aconteceu após o aviso: o promotor Luis Rossetto, de Jaú, cidade onde a Neon Eletro tem sede, encaminhou o caso ao Ministério Público Federal.

Segundo Rossetto, há diversos indícios de sonegação de impostos e uma atuação que abrange não só o Estado de São Paulo, mas sim todo o Brasil. A Polícia Civil também está envolvida, com um inquérito instaurado para investigar a empresa sob suspeita de estelionato. A principal investigação recai sobre José Henrique Casale, pai do detentor do CNPJ da empresa, que estaria usando o filho como laranja em seus supostos golpes.

Não modere na desconfiança

Mesmo seguindo um guia de atualização, ter sempre o último smartphone ou tablet lançado não é algo simples, ou barato. Por isso entendo que quando uma promoção muito tentadora aparece, as pessoas perdem a razão. A minha compreensão não anula os problemas que essa ânsia pelo melhor ao menor preço pode causar. O velho ditado que diz que “quando a esmola é demais, o santo desconfia” nunca sai de moda, mesmo quando a tentação se apresenta na forma de anúncios em portais gigantescos e até em um canal da TV aberta.

Lojas do tipo aparecem todo dia na Internet. O Procon liberou uma lista com 200 a serem evitadas, e existem mais, acredite — nenhuma do grupo Neon, por exemplo, consta lá. O Fantástico, programa dominical da Globo, já veiculou uma extensa reportagem sobre o assunto. A própria Neon Eletro já foi tema de uma matéria recente, do final de janeiro, ironicamente no SBT:

O que nos chamou a atenção neste caso foi o aparecimento de anúncios no SBT e no UOL, dois veículos de grande audiência. Isso pode ter sido ótimo para a ganância dos golpistas, mas se a Polícia realmente fizer sua parte, tudo indica que eles enfiaram os pés pelas mãos.

Para o consumidor interessado em um produto high-tech caro, fica o alerta óbvio: eles custam caro. Não existe logística capaz de reduzir o valor de um produto em mais de 50%; se existisse, lojas muito maiores já estariam trabalhando com ela. Com mais cuidado por parte do consumidor, esse tipo de loja pode perder seu espaço — e quanto mais denúncias apuradas fizermos, esperamos assim pressionar o Ministério Público para atuar em mais e mais casos do tipo.

[Ilustração: Marina Val]

* Preços colhidos entre os dias 15 e 17 de fevereiro.

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