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O que a venda para a Microsoft significa para a Nokia

Com a feira IFA e novos produtos da Samsung, Sony e outras, esta já prometia ser uma semana agitada. Mas ninguém imaginava que ela entraria para a história da Nokia: daqui a alguns meses, ela não fará mais celulares. Sua divisão de Dispositivos e Serviços foi comprada pela Microsoft, dois anos e meio depois que […]

Com a feira IFA e novos produtos da Samsung, Sony e outras, esta já prometia ser uma semana agitada. Mas ninguém imaginava que ela entraria para a história da Nokia: daqui a alguns meses, ela não fará mais celulares. Sua divisão de Dispositivos e Serviços foi comprada pela Microsoft, dois anos e meio depois que a finlandesa apostou tudo no Windows Phone.

Isso é ainda mais impressionante se lembrarmos que, por uma década, a Nokia foi a empresa que mais vendeu celulares no mundo. Como ela chegou ao ponto de ser vendida? E o que a empresa fará daqui para a frente?

Por que a Nokia foi comprada

Quando surgiram boatos de que a Microsoft compraria a Nokia, muitos duvidaram. A integração entre elas já é bastante alta, tanto em serviços – já embutidos no Windows Phone – como em produtos: 80% das vendas de WP são Lumias.

No entanto, como sugere a compra feita em dinheiro, o caixa da Nokia estava se esvaziando. Ela vem tomando prejuízo atrás de prejuízo, e precisava fazer alguma coisa. Para o analista Benedict Evans, isto é uma tática para evitar que a Nokia, a principal fabricante de Windows Phones, saia do mercado ou aposte na concorrência – o Android, por exemplo.

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Para a Microsoft, a compra faz sentido: ela só ganhava US$ 10 por Lumia vendido, como taxa de licenciamento. Vendendo o Lumia diretamente, ela consegue ganhar US$ 40 por unidade.

Steve Ballmer diz ao The Verge que a compra da Nokia foi decidida antes de a Microsoft decidir substituí-lo como CEO. Ele também sugere que sua empresa cogita comprar a Nokia desde que fechou parceria com ela em 2011. Isso explicaria os rumores que surgiram neste ano e em 2011. Há também rumores de que Stephen Elop, CEO da Nokia, poderia assumir o cargo de Ballmer na Microsoft – a aquisição faria ainda mais sentido se for o caso.

Os próximos Lumias

A Microsoft deve herdar a “pipeline” da Nokia, de produtos quase finalizados. Há rumores de que ela estava preparando um Lumia 1520, com tela Full-HD de 6 polegadas, a ser lançado ainda este ano.

Uma aposta segura quanto à aquisição da Nokia é que os próximos Lumias serão mais integrados ao ecossistema da Microsoft. Para ela, o smartphone será o último elemento que faltava para um ecossistema completo. Ela já tem PC, tablet e aposta na sala de estar com o Xbox. Agora eles podem ter uma estratégia semelhante à da Apple e Google.

A compra da Nokia também significa que a Microsoft poderá incluir o HERE Maps no Windows Phone, através de licenciamento (eles ainda pertencem à finlandesa). Antes, eles eram exclusivos da Nokia.

E a Microsoft pode ser mais agressiva ao expandir o Windows Phone. Ele já vende mais que a BlackBerry, mas pode melhorar: no segundo trimestre de 2013, ele correspondia a apenas 3,7% das vendas. A Microsoft estima que, até 2018, esse número terá crescido para 15%.

Isso significa Lumias ainda mais associados a outros produtos da Microsoft, e talvez aparelhos em níveis de preço mais baixos. Mas resta a dúvida sobre o design. Sim, das 32.000 pessoas que migrarão para a Microsoft, está a equipe de design da Nokia. Boa parte da identidade da Nokia esteve no formato comum ao Lumia 800/920/1020 e outros – mas ele é bem diferente do Surface, por exemplo. Resta ver se a Microsoft vai adotá-lo ou transformá-lo.

Marca Nokia, só em dumbphones

Por US$ 7,2 bilhões, a Microsoft comprou muita coisa: a área de Dispositivos e Serviços; a equipe de design e marketing; as fábricas; o licenciamento de patentes; e a licença para usar a marca Nokia em celulares com S30 e S40.

Isso mesmo: você ainda verá dumbphones com a marca Nokia, mesmo que sejam da Microsoft. Isso faz parte de um licenciamento que vale por dez anos. Mas smartphones, daqui para a frente, não terão mais essa marca: a finlandesa dá seu adeus ao mercado que ajudou a criar – e que, por erros estratégicos, perdeu para a concorrência.

Os nomes “Lumia” e “Asha”, por sua vez, agora são da Microsoft, e ainda podem ser usados. No entanto, Steve Ballmer disse no call aos investidores que dará um nome melhor aos celulares: “acho que podemos criar nomes melhores para o consumidor do que ‘Nokia Lumia Windows Phone 1020’… tome isso como um sinal das muitas melhoras que podemos fazer”.

O que sobrou da Nokia?

Mesmo com a venda, a Nokia ainda será uma enorme empresa de telecomunicações. Ela manterá sua sede na Finlândia, e continuará empregando aproximadamente 56.000 funcionários. Ela atuará em três áreas:

– redes de celular: a Nokia Solutions & Networks (antes Nokia Siemens) é responsável por instalar a rede 4G em vários países, incluindo o Brasil. Em julho, a Nokia comprou a parte que pertencia à Siemens. À medida que o LTE se expande pelo mundo, a empresa pode tentar repetir o sucesso que teve com as redes GSM.

– mapas: a desastrada compra da Navteq em 2007 ainda não deu bons frutos, mas à medida que os serviços de mapas ganham relevância, a Nokia pode se expandir. O HERE Maps será embutido no Windows Phone, e tem app para iOS e SDK para Android.

– patentes: ao longo dos anos, a Nokia acumulou um portfólio respeitável de patentes. E elas representam uma fonte importante de renda para a empresa: no final de 2012, ela teve lucro na divisão de celulares apenas graças à “renda relacionada a propriedade intelectual”. Em 2011, ela ganhou um processo contra a Apple envolvendo patentes. Como parte do acordo com a Microsoft, ela vai licenciar suas patentes a ela por dez anos.

Vale notar que a empresa manterá a marca Nokia, mas só poderá licenciá-la (ou usá-la!) para uso em celulares a partir de 2016. (Se não for em celular, o uso da marca é liberado.) E se a venda for barrada por órgãos regulatórios, a Microsoft deverá pagar US$ 750 milhões à Nokia.

Um pouco de história

É sempre curioso lembrar que a Nokia começou como uma fabricante de papel e celulose, em 1865. Em 1922, seus donos também comandavam uma empresa de produtos de borracha, e uma empresa de cabos de telefone e telégrafo. Em 1967, elas foram unidas em um grande conglomerado, a Nokia Corporation.

Ela só começou a fabricar celulares na década de 80, após se fundir com outra empresa da Finlândia. Ela criou um telefone para carro (com 9,8 kg), e um dos primeiros celulares transportáveis (com 5 kg) – lembre-se de que eles exigiam uma bateria enorme para funcionar. Mas foi em 1987 que ela lançou o Mobira Cityman, com “apenas” 800g; sendo bem caro e bem mais portátil que as alternativas da época, ele se tornou um símbolo de status. A Nokia também ajudou a desenvolver a tecnologia GSM e o primeiro celular compatível com ela, lançado em 1992.

Até a década de 90, a Nokia esteve envolvida em diversas indústrias, incluindo televisores, eletroeletrônicos, PCs, capacitores e outros. Mas foi nessa época em que ela decidiu se concentrar em telecomunicações, e vendeu tudo o que não estava relacionado a esses negócios.

Anos de sucesso

Em 1992, o então CEO Jorma Ollila decidiu transformar a Nokia em uma empresa de telecomunicações. Mas ninguém imaginava que o mercado de celulares iria basicamente explodir nos anos seguintes. Por exemplo, em 1994, foi lançado o 2100 Series, primeiro com o clássico Nokia Tune. Ele vendeu 20 milhões de unidades; a empresa esperava vender 400.000.

A rede GSM se expandiu até dominou a telefonia internacional, e a finlandesa estava lá desde o início. Por isso, em 1998, ela se tornou a maior fabricante de celulares do mundo, uma posição que ela manteve até 2012 (até perdê-la para a Samsung).

Em 1999, ela lançou o Nokia 3210, que quebrou um recorde: foram 160 milhões de unidades vendidas. Não satisfeita, em 2003 veio o clássico Nokia 1100, que também vendeu como água: 250 milhões de unidades! Até hoje, nunca um modelo de celular vendeu tanto.

A Nokia também apostou em smartphones através do Symbian, a plataforma de smartphone que mais vendeu no mundo por anos. Em 2003, foi lançado o Nokia 6600, um sucesso de vendas: 150 milhões de unidades. Com os aparelhos das séries N70 e N90, a Nokia continuava a dominar o mercado. E em 2007, chegou um de seus marcos: o N95, primeiro celular com câmera de 5 megapixels.

A queda

Também em 2007, outra empresa lançava um smartphone icônico: era a vez do iPhone. Ele era tão diferente do que existia na época, que muitos duvidavam do sucesso da Apple em celulares – este era o primeiro da empresa, afinal. Aí ela vendeu um milhão de iPhones.

Só que, quando Olli-Pekka Kallasvuo assumiu o cargo de CEO da Nokia, ele mudou a estratégia da empresa. Respondendo ao sucesso de celulares simples e caros, como o Motorola Razr V3, ela concentrou seu foco em… dumbphones. Pois é. Sim, sob seu comando foi lançado o N95, mas Symbian e Maemo/MeeGo passaram a brigar entre si por recursos da empresa – se tornaram algo secundário.

A Nokia pagou caro por isso, e começou a ter prejuízo. Ano após ano, ela perdeu espaço no mercado, sofrendo com a concorrência do iPhone e, depois, do Android. Em 2011, o Symbian foi ultrapassado em vendas pelo sistema operacional do Google. A finlandesa também tomou uma surra de empresas chinesas que conseguiam fabricar dumbphones a preços menores.

Elop e parceria com Microsoft

Depois da estratégia desastrosa, Kallasvuo foi demitido em 2010, e substituído por Stephen Elop. O novo CEO da Nokia era o responsável pela divisão Office da Microsoft. Poucos dias depois, surgia o rumor: “será que a Nokia vai embarcar no Windows Phone?”

Na época, parecia uma ideia absurda. Havia rumores de que ela adotaria o Android, que conseguiu resgatar para a relevância empresas como Motorola, HTC e Samsung. Mas Anssi Vanjoki, então vice-presidente, disse a famosa frase: “a Nokia usar o Android seria como os garotos finlandeses que ‘mijam nas calças’ para se esquentar durante o inverno”. Ele logo se demitiu, pois há anos almejava o cargo de CEO, que agora era de Elop.

E em fevereiro de 2011, a bomba: o Windows Phone 7 seria usado nos principais smartphones da Nokia. Tratava-se de uma parceria mais íntima: a finlandesa poderia implementar seus serviços no sistema, e modificá-lo até certo ponto. Em troca, ela recebeu US$ 250 milhões por trimestre.

Para se dedicar ao Windows Phone, a Nokia desistiu dos smartphones com MeeGo (lançando apenas o N9) e com Symbian, cuja produção foi cessada este ano.

Lumia e o futuro

Em outubro de 2011, foram revelados os primeiros Windows Phone da Nokia, o Lumia 800 e o Lumia 710. Seu principal destaque na época era o design diferenciado, as diferentes cores – fugindo do padrão preto/branco até então – e o preço baixo em relação aos concorrentes.

Trimestre após trimestre, as vendas do Lumia aumentaram, mas ainda não eram o bastante para compensar a queda do Symbian. Em 2012, a Nokia teve um prejuízo total de US$ 4 bilhões. A situação começou a melhorar: em 2013, ela reduziu o prejuízo, resultado do corte de custos. Mas, como a aquisição demonstra, isso talvez não fosse o bastante para a Nokia sobreviver.

Agora a Microsoft precisa apostar forte no Windows Phone, concorrendo com seus próprios parceiros de smartphone em mais outro setor (com o Surface, ela concorre contra as fabricantes de PC). Será uma aposta na mesma estratégia, ou uma base para uma nova estratégia?

Imagem por Brian Sahagun/Flickr

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