Eu, Fernanda Neute, nômade digital. Ou como coloquei meu escritório na praia.

Imagine acordar faltando 5 minutos para as 9 da manhã, se espreguiçar, abrir a porta da varanda de um bangalô em Bali e começar a trabalhar enquanto toma café da manhã. Não, isso não é um sonho: é a realidade de um novo grupo de profissionais, os nômades digitais. E eu sou um deles. Nomadismo […]

Imagine acordar faltando 5 minutos para as 9 da manhã, se espreguiçar, abrir a porta da varanda de um bangalô em Bali e começar a trabalhar enquanto toma café da manhã. Não, isso não é um sonho: é a realidade de um novo grupo de profissionais, os nômades digitais. E eu sou um deles.

Nomadismo digital: trabalhar enquanto se viaja pelo mundo

Com a expansão de vários mercados, como TI e criação de conteúdo digital, tornar-se freelancer está sendo cada vez menos complicado. Aliando esse cenário ao barateamento das passagens para viagens internacionais, criou-se um nicho para profissionais que trabalham de um jeito diferente. Os nômades digitais são pessoas que se beneficiam da tecnologia e da internet para trabalhar onde quer que eles estejam. Eles não têm um endereço ou moradia fixa e optaram por abandonar as  raízes de seu país de origem e por não ficar muito tempo num só lugar. Nunca sabem dizer de onde são aqueles chips de celular perdidos na bagagem e geralmente tudo o que possuem cabe dentro de uma mala.

Os nômades digitais trabalham como qualquer outra pessoa, mas fazendo seus próprios horários e, geralmente, aproveitando paisagens maravilhosas. Quando o visto de turista está perto de vencer, eles partem para um novo destino. Daí a associação aos nômades de antigamente, que migravam de um lugar para o outro quando os recursos naturais se esgotavam.

Os profissionais que trabalham como nômades digitais

Infelizmente, nem toda profissão permite que você seja um nômade digital. No entanto, esse estilo de vida já é possível para muitos profissionais freelancers e para empreendedores digitais – conhecidos nos Estados Unidos como location independent entrepreneurs – que podem gerir seus negócios e sua equipe de modo 100% online. Essas pessoas perceberam que não precisavam estar presas a um só lugar por questões profissionais, resolveram unir o útil ao agradável e acabaram criando um sistema profissional que está começando a se tornar tendência em algumas áreas.

Entre os mais famosos nômades digitais estão escritores, blogueiros, programadores, profissionais de SEO, designers, fotógrafos, donos de e-commerces e consultores. Em suma, a maior parte desses profissionais trabalha nas áreas de tecnologia e da criação de conteúdo digital.

Há 6 meses eu decidi largar o meu cargo de diretora de contas em uma das maiores agências de propaganda do Brasil para me tornar uma nômade digital. Minha experiência de 13 anos no mercado publicitário foi fundamental para que eu conseguisse meus primeiros trabalhos como consultora e produtora de conteúdo para mídias sociais. Além disso, iniciei uma grande pesquisa sobre a felicidade: o projeto FÊliz com a Vida, que vem gerando material para que eu me arrisque numa nova carreira como escritora.

Embora pareça o sonho qualquer um, já que podemos viajar pelo mundo sem precisar estar de férias e temos flexibilidade para trabalhar como e de onde quisermos, a vida de um nômade digital tem seus altos e baixos.

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A parte boa do nomadismo digital

O investimento inicial é relativamente baixo

Precisamos ter um laptop de boa qualidade, já que esse é o nosso principal instrumento de trabalho, e um smartphone, pois precisamos ser facilmente localizados o tempo todo, principalmente quando nossos clientes estão em um fuso horário diferente do nosso.

Isso contando que você já tenha uma carreira como freelancer e trabalhos em vista. Se você ficou interessado em começar agora e ainda não tem clientes, eu diria para juntar uma graninha antes. O valor vai depender da sua capacidade de aguentar perrengue.

Como não mantemos vínculos no nosso país de origem como um apartamento ou carro, as despesas mensais são as mesmas ou, dependendo dos lugares escolhidos, até menores do que seriam onde costumávamos viver. No meu caso, como eu estava começando, decidi por uma região onde o custo de vida era, em média, 50% mais baixo do que em São Paulo, onde eu morava antes. A minha escolha pelo Sudeste Asiático foi motivada principalmente pelo fator grana.

Você não precisa ter mais dinheiro para viver dessa forma só porque está viajando. Viver acaba sendo a própria viagem.

Flexibilidade de horários

Somos donos do nosso tempo. A decisão sobre o horário que vamos trabalhar, se vamos estar de pijama ou em trajes de banho é nossa e de mais ninguém. Mas isso não significa que trabalhamos menos, muito pelo contrário. E se formos organizados, podemos ser ainda mais produtivos do que seríamos trabalhando oito horas por dia numa empresa e usar nosso tempo de forma mais inteligente.

A oportunidade de conhecer lugares, pessoas e culturas incríveis o tempo todo

Meus primeiros meses foram divididos entre Tailândia, Vietnã, Camboja, Filipinas, Indonésia, Malásia, Singapura e Hong Kong. Em alguns desses lugares eu fiquei por alguns meses, mas em outros passei apenas dias, já que a ideia era ser nômade.

Quando estamos morando e trabalhando temporariamente num lugar, a forma como interagimos com o local e sua a cultura é completamente diferente de quando estamos de férias. Além disso, quando saímos para trabalhar em algum café ou em um espaço de co-working, acabamos encontrando e conhecendo várias pessoas que também são nômades. Isso possibilita a troca de ideias com todo o tipo de gente de várias áreas diferentes e não só com as pessoas com quem a gente costuma trabalhar todos os dias quando estamos dentro de uma empresa.

O nomadismo digital não é um sonho dourado: a parte ruim de trabalhar viajando por aí

Estamos trabalhando em lugares onde quase todo mundo está de férias

Nômades digitais não são turistas. Eu morei no Vietnã por 3 meses e não fiz um único roteiro turístico do país. Estava totalmente focada em um projeto e trabalhando muito quase todos os dias. Mas o Vietnã foi o lugar onde fiz mais amigos e por isso a cidade de Ho Chi Minh teve um significado totalmente diferente do que teria se eu a tivesse visitado de férias.

Também houve dias em que eu estava nas praias mais lindas da Tailândia e recebi uma mensagem de um cliente pedindo uma alteração que precisava ser feita naquele momento. Como eu estava sem meu computador, tive que voltar correndo para onde eu estava morando. Também rolaram dias em que só pude apreciar o lugar da janela do quarto do hotel porque tinha trabalho para entregar.

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Temos de lidar com o stress de estar conectado o tempo todo

O que todo mundo quer quando está de férias é desconectar do trabalho, certo? Isso não é o que acontece na nossa vida de nômades digitais. Dependendo do trabalho que fazemos, precisamos estar conectados o tempo todo, 24/7. E todo mundo sabe que isso não é legal e acaba sendo muito estressante.

Além disso, nem todo lugar tem serviços de wi-fi e 3G confiáveis e estáveis. Passei por situações em que tive de ir a 5 locais diferentes até conseguir encontrar um café com uma conexão decente. Quando decidi passar um fim de semana em uma praia mais deserta, me certifiquei de que o hotel tinha internet mas, chegando lá, a internet só acessava o Facebook (segundo o hotel, era a única coisa que importava para os hóspedes).

É muito fácil se distrair, ser improdutivo e não separar a vida pessoal da profissional

Eu poderia escrever um artigo só sobre isso, pois é um dos maiores problemas e o maior desafio de se trabalhar por conta própria. Principalmente vivendo esse estilo de vida em que a cada mês estamos em um lugar diferente e queremos aproveitar tudo o que o local oferece.

É preciso ter muita, muita disciplina para trabalhar vivendo como um nômade digital. Sabe aquele desespero que dá quando está um dia maravilhoso de verão e você se pega dentro do escritório pensando que você podia estar na praia? Imagine o que é acordar com esse mesmo dia lindo, estando na praia, e tendo que trabalhar. Pois é.

Mas também existe o extremo oposto, não só para os nômades digitais, mas para qualquer freelancer. Dependendo do volume de trabalho, é muito fácil passar uma semana inteira sem um único contato social e isso também não é nada bom para uma vida saudável.

O nomadismo digital será o estilo de trabalho do futuro?

Nos Estados Unidos, mais de 13 milhões de profissionais já trabalham pelo menos parte da sua jornada em casa. O número de empresas que permitem que seus funcionários trabalhem de onde quiserem aumentou 25% nos últimos anos.

Não por acaso, a grande maioria dos nômades digitais que eu conheci durante a minha viagem eram americanos. Mas eu acredito que o nomadismo digital não seja apenas uma tendência passageira, mas um novo jeito de trabalhar cujo número de adeptos poderá aumentar nos próximos anos e em vários países. No Brasil, já existem empresas que adotaram a política de home-office em alguns dias da semana, mas ainda são raros os casos de profissionais que não são freelancers, mas trabalham 100% do tempo fora da empresa.

Ainda são raros os profissionais que decidiram viver como nômades digitais, mesmo entre aqueles com negócios online bem sucedidos. Embora a vida de nômade não seja para qualquer um, acredito que isso também é uma consequência da nossa cultura que tem gestores que ainda acham que não se pode confiar em profissionais que não estejam trabalhando debaixo do seu nariz. Além disso, existem profissionais freelancers que acabam contribuindo para essa visão, já que não têm a disciplina suficiente para cumprir prazos.

Eu acredito que esse novo jeito de trabalhar ainda vai crescer muito no Brasil, principalmente na indústria de tecnologia. Isso não só aumenta a motivação e qualidade de vida dos funcionários, mas também traz uma redução de custo às empresas. Mas, para que isso aconteça e funcione, ainda é necessária uma mudança na mentalidade dos empregadores brasileiros.

O que a minha experiência tem me mostrado é que ser um nômade digital é consequência de uma escolha profissional, com mais controle sobre seu trabalho e a oportunidade de novas experiências. Claro que facilita muito se você já tiver uma carteira de clientes que confiem no seu trabalho a ponto de não se importarem de manter contato com você apenas virtualmente. Nada te impede de pedir demissão e se jogar nessa vida, mas, nesse caso, ter uma graninha guardada vai te ajudar não enlouquecer caso os freelas demorem para acontecer. Viajar e ser dono do seu tempo é incrível, mas para que a experiência valha a pena é preciso também abraçar as incertezas e perrengues que virão com essa decisão. Se você estiver disposto, tudo o que eu posso dizer é boa viagem!


Fernanda Neute trabalha como publicitária freelancer com foco em mídias digitais enquanto viaja pelo mundo como uma nômade. As experiências dela como viajante e sua pesquisa sobre felicidade podem ser vistos no blog FÊliz da Vida.

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