Nós encontramos ondas gravitacionais. E agora?
David Reitze, diretor-executivo do LIGO Laboratory, subiu ao pódio do National Press Building em Washington, DC, e disse as palavras que estávamos ansiosos para ouvir: “nós descobrimos ondas gravitacionais”. Um auditório lotado no edifício Cahill da Caltech, em Pasadena – onde pessoas se reuniram para assistir a transmissão ao vivo – irrompeu em aplausos.
Cenas semelhantes provavelmente ocorreram no MIT; em Livingston, Louisiana; em Hanford, Washington; e na Europa – o LIGO é uma colaboração internacional de US$ 1 bilhão com centenas de cientistas. E este momento é aguardado há 100 anos.
Einstein previu a existência das ondas gravitacionais com sua teoria geral da relatividade em 1915, e os físicos descobriram evidências indiretas na década de 70 e 80. Mas a detecção direta foi mais difícil – até agora. E a história das ondas gravitacionais, e do que elas podem nos dizer, está só começando.
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A descoberta
Eis o que aconteceu. Em 14 de setembro de 2015, os detectores do LIGO em Livingston e Hanford – cidades americanas a 3.000 km de distância – captaram o mesmo sinal dentro de milésimos de segundo um do outro. As formas de onda desses sinais batiam com as previsões das simulações (imagem abaixo).
É como uma impressão digital de áudio, semelhante às assinaturas de decaimento que os físicos usam para identificar partículas subatômicas produzidas no Grande Colisor de Hádrons. E é exatamente o que você esperaria encontrar se dois buracos negros, com cerca de 30 massas solares cada (30 vezes a massa do nosso Sol), fossem em direção um ao outro e se fundissem em um evento de colisão maciça, enviando ondas de choque poderosas através do espaço-tempo, há cerca de 1,3 bilhão de anos.
Na verdade, os dados estavam tão impecáveis que Reitze ficou preocupado – seria bom demais para ser verdade? Alan Weinstein, que comanda o LIGO Caltech, pensou o mesmo. Afinal, na primeira fase operacional do LIGO, entre 2002 e 2010, líderes de projeto inseriram sinais deliberadamente falsos nos dados para testar o rigor da análise.
Mesmo que os seus colegas lhe assegurassem que este novo sinal não era um exercício de “injeção cega”, Weinstein não conseguia acreditar. Ele se perguntou se era o trabalho de um membro descontente da equipe LIGO, injetando um sinal falso nos dados como vingança.
Ou talvez fosse o trabalho de um gênio do mal. “Não podemos descartar a hipótese do gênio do mal”, ele brincou durante uma conferência à imprensa. “Estamos fazendo o nosso melhor para descartar a hipótese do gênio do mal. Mas eu gosto de pensar que uma colisão binária de buracos negros é mais provável.”
Os físicos estudaram a frequência desse sinal e puderam inferir as massas de ambos os buracos negros (um tinha 29 massas solares, o outro tinha 36). Após a fusão, estavam faltando 3 massas solares no buraco negro recém-formado, emitidas em uma poderosa explosão de ondas gravitacionais. Imagine três vezes o nosso Sol de repente sendo aniquilado, e você terá uma ideia de quanta energia nós estamos falando aqui. A amplitude do sinal diz que a colisão aconteceu a cerca de 1,3 bilhão de anos-luz de distância.
Então não só esta é a primeira detecção direta de ondas gravitacionais, como também é a primeira prova de que buracos negros binários realmente existem. E tudo isso veio de dados obtidos durante um teste de engenharia logo após o LIGO Advanced, com várias melhorias, ser ativado.
Ele ainda não está caçando em sua sensibilidade máxima. Quando isso acontecer, os físicos esperam ver muito mais desses eventos, dando-lhes uma nova janela para o funcionamento do universo. Isso faz do LIGO “um novo instrumento para a observação de uma nova forma de radiação vinda dos céus”, disse Bill Weber, físico da Università di Trento e membro da colaboração LISA Pathfinder.
A revolução
“A primeira detecção é muito importante em termos de física fundamental, por causa do que ela diz sobre a gravidade, mas também abre uma janela para o que tem sido previamente o universo escuro”, disse Avery Broderick, físico da Universidade de Waterloo (Canadá). “Durante séculos, os astrônomos olhavam para o céu à noite e pensavam sobre o lado iluminado do universo. Agora daremos o nosso primeiro olhar no lado escuro. Esperamos que ele seja bastante rico e emocionante.”
Pense nesse potencial revolucionário da seguinte maneira: cada vez que os astrônomos olharam para o nosso universo em um comprimento de onda diferente – com raios X, infravermelho, rádio ou raios gama – eles descobriram aspectos que não teríamos visto de outra forma. Com as ondas gravitacionais não deve ser diferente, agora com algo mais semelhante ao som do que à luz.
Além de olhar para o nosso universo, podemos ouvi-lo também. Jorge Cham, do PhD Comics, disse eloquentemente em sua explicação ilustrada: “imagine que você foi surdo durante toda a sua vida, até que um dia a sua audição é restaurada”.
A principal diferença é que, enquanto o som requer um meio pelo qual viajar, as ondas gravitacionais movem esse meio – no caso, o próprio espaço-tempo. “Elas literalmente amassam e esticam o tecido do espaço-tempo”, Chiara Mingarelli, astrofísica de ondas gravitacionais na Caltech, disse ao Gizmodo. Para os nossos ouvidos, as ondas detectadas pelo LIGO seriam como um sinal sonoro.
Mais formas de caçar ondas gravitacionais
E exatamente como essa revolução vai acontecer? Bem, o LIGO tem atualmente dois detectores, agindo como “orelhas” para os cientistas, e mais detectores estão programados para entrar em funcionamento no futuro.
O LIGO chegou lá primeiro, em termos de detecção direta, porém há mais de um tipo de onda gravitacional. Na verdade, há todo um espectro, assim como vários tipos diferentes de luz, com diferentes comprimentos de onda, no espectro eletromagnético. Por isso, há outras colaborações que caçarão ondas com frequências além do que o LIGO é projetado para detectar.
Mingarelli trabalha na colaboração NanoGRAV (Observatório Nanohertz Norte-Americano para Ondas Gravitacionais), parte de um consórcio internacional mais amplo, que também inclui o europeu EPTA e o australiano PPTA.
Os cientistas do NanoGRAV estão caçando ondas gravitacionais em frequências muito baixas, entre 1 a 10 nanohertz; a sensibilidade do LIGO está na porção do kilohertz (audível) do espectro. Os comprimentos de onda são muito longos; na verdade, levaria dez anos para completar um único ciclo.
A colaboração se baseia em dados de pulsares recolhidos pelo Observatório de Arecibo, em Porto Rico, e pelo Telescópio Green Bank, nos EUA. Pulsares são basicamente estrelas de nêutrons com rotação rápida, formadas quando estrelas mais massivas do que o Sol explodem e colapsam para dentro.
Os pulsares giram mais rápido enquanto encolhem, e emitem explosões poderosas de radiação enquanto giram, que são detectadas como pulsos de luz na Terra. E essas rotações periódicas são notavelmente precisas, até há bem pouco tempo tão precisas quanto um relógio atômico. Isso as torna um detector cósmico ideal de ondas gravitacionais.
Na verdade, a primeira evidência indireta veio de pulsares estudados em 1974, quando Joseph Taylor, Jr. e Russell Hulse descobriram que um pulsar orbitando uma estrela de nêutrons lentamente diminuía ao longo do tempo – parte de sua massa foi convertida para energia, sob a forma de ondas gravitacionais.
No caso do NanoGRAV, um indício crucial seria uma espécie de efeito cintilante. Os pulsos devem chegar ao mesmo tempo à Terra, mas se eles forem atingidos por uma onda gravitacional, eles chegarão um pouco mais cedo ou mais tarde, porque o espaço-tempo vai encolher ou se esticar quando a onda passar.
Matrizes de temporização de pulsar (PTAs) são especialmente sensíveis às ondas gravitacionais produzidas pela fusão de buracos negros supermassivos, com um bilhão a dez bilhões de vezes a massa do nosso Sol – como aqueles que provavelmente se escondem no centro das galáxias mais maciças.
Quando duas dessas galáxias se fundem, os buracos negros em seus centros fazem o mesmo, emitindo ondas gravitacionais. “O LIGO vê o fim da fusão, quando os binários estão muito próximos”, disse Mingarelli. “Com PTAs, gostaríamos de vê-los no início da fase de espiral, quando eles estão apenas começando a orbitar um para o outro.”
No espaço
LISA Pathfinder, pronto para lançamento em dezembro de 2015. Via ESA.
Depois, há a missão espacial conhecido como LISA (Antena Espacial com Interferômetro Laser). O LIGO – que fica na Terra – é ótimo para detectar ondas gravitacionais no espectro equivalente à audição humana. No entanto, muitas fontes interessantes destas ondas estão em frequências mais baixas. Assim, os físicos têm de ir ao espaço para detectá-las.
O principal objetivo da atual missão LISA Pathfinder (lançada em dezembro) é validar a tecnologia do detector. “Com o LIGO, você pode desligar o instrumento, abrir o vácuo e corrigir as coisas,” disse Scott Hughes, do MIT. “Se você fizer algo errado no espaço, é o fim. Você tem que começar tudo da maneira certa”.
Qual é o objetivo do LISA? Usando interferômetros laser, a sonda tentará medir com precisão as posições relativas dos dois cubos de ouro-platina de 4,5 cm em queda livre. Alojados em caixas de eletrodos separados a apenas 38 cm de distância, os objetos de teste estarão protegidos do vento solar e de todas as outras forças externas, de modo que poderão ser detectados pequenos movimentos causados por ondas gravitacionais – ou assim esperamos.
Por fim, há dois experimentos projetados para uma espécie de arqueologia espacial: eles querem encontrar as impressões deixadas por ondas gravitacionais antigas. Elas teriam um efeito na radiação cósmica de fundo, deixada no universo pelo Big Bang.
Trata-se do BICEP2 e da missão de satélite Planck. O BICEP2 ficou conhecido por declarar que encontrou evidências de ondas gravitacionais em 2014 – porém esses sinais apareceram devido à poeira cósmica.
Mas ambos os experimentos continuam a caça, na esperança de lançar luz sobre o início da história do nosso universo – e talvez confirmar uma previsão fundamental da teoria inflacionária. Esta teoria prevê que, logo após o seu nascimento, o universo passou por um surto de crescimento rápido que deveria ter produzido poderosas ondas gravitacionais, deixando uma orientação especial (polarização) das ondas de luz.
Imagem: representação artística de uma colisão entre estrelas de nêutrons rasgando o espaço-tempo, e produzindo ondas gravitacionais. Crédito: NASA.