_Ciência

Há uma conexão escondida entre o número pi e a mecânica quântica

Físicos descobriram uma conexão escondida entre a fórmula matemática de 350 anos do pi, o nosso número irracional favorito, e a mecânica quântica.

Físicos descobriram uma conexão escondida entre a fórmula matemática de 350 anos do pi, o nosso número irracional favorito, e a mecânica quântica. Um matemático chamou a descoberta de um “surpreendente truque de mágica”.

O matemático inglês John Wallis publicou sua fórmula para calcular o pi como o produto de uma série infinita de razões em 1655. Em um artigo publicado no Journal of Mathematical Physics, físicos da Universidade de Rochester anunciaram que eles descobriram a mesma fórmula a partir de seus cálculos dos níveis de energia de um átomo de hidrogênio.

Wallis não é muito conhecido hoje em dia fora dos círculos acadêmicos, mas ele esteve entre os grandes nomes da ciência de sua época. Inicialmente, ele pretendia ser médico, quando entrou na universidade com a tenra idade de 13 anos, mas acabou se interessando muito mais por matemática, além de mostrar um talento especial para criptografia.

Isso começou com um passatempo, mas anos mais tarde, ele usou suas habilidades para decifrar códigos que os monarquistas despachavam em nome de seus rivais políticos, os parlamentaristas. (Os dois partidos estavam em meio a uma guerra civil.) Depois disso, ele se tornou parte do grupo de cientistas que fundaram a Real Sociedade de Londres. Lá, seu amor pela matemática floresceu.

Entre suas habilidades peculiares, ele conseguia realizar cálculos complicados de cabeça — e ele fazia isso frequentemente, dada sua tendência à insônia. Um desses casos foi registrado na Philosophical Transactions, revista publicada pela Sociedade, em 1685: Wallis calculou a raiz quadrada de um número de 53 dígitos (o resultado foi um número de 27 dígitos) em uma noite de insônia, e decorou o resultado até a manhã seguinte.

Sim, o cara era mesmo bom na coisa. Em 1656, Wallis publicou seu mais famoso trabalho, Arithmetica infinitorum, que trazia sua fórmula clássica para o pi. (Ninguém menos que Christiaan Huygens – físico, matemático e astrônomo que descobriu a maior lua de Saturno – permaneceu cético até Wallis mostrar pessoalmente a ele seu trabalho.)

“O valor do pi adquiriu um status mítico, em parte porque é impossível escrevê-lo com 100% de precisão”, diz Tamar Friedmann, pesquisadora de Rochester e autora principal do artigo, ao Science 2.0. “Ele não pode ser expresso com precisão como uma razão de números inteiros e é, ao invés disso, melhor representado como uma fórmula.”

Friedmann e o coautor Carl Hagen, na verdade, não estavam procurando coisas relacionadas ao pi. “Meio que caiu no nosso colo”, diz Hagen em um comunicado à imprensa. Ele estava apenas tentando ensinar a seus alunos uma técnica particular para estimar os estados de energia de sistemas quânticos — no caso, o átomo de hidrogênio.

Mas ao resolver o problema, ele notou uma coisa estranha nas barras de erro, que indicam o erro ou incerteza em uma medição. Elas eram cerca de 15% para o estado de energia mais baixo do átomo de hidrogênio (o estado fundamental), 10% para o primeiro estado excitado (que ocorre quando o átomo recebe uma infusão de energia que faz o elétron saltar para o próximo nível), e então ficava cada vez menor para cada nível mais alto. É o oposto do que esta técnica em particular deveria produzir: geralmente, as melhores aproximações estão no estado fundamental.

Intrigado, Hagen pediu ajuda de Friedmann, e eles se viram voltando ao modelo de Niels Bohr do átomo de hidrogênio, lá nos primeiros dias da mecânica quântica, retratando as órbitas do elétron como perfeitamente circulares. “Em órbitas de energia mais baixa, o caminho do elétron é meio bagunçado, esticado”, explica Hagen. “Em estados mais excitados, as órbitas ficam mais claramente definidas e a incerteza… diminui.”

Aparentemente, levaram apenas 24 horas para a publicação aceitar o artigo, o que deve ser algum recorde. “O que é especial nisto é que traz uma bela conexão entre física e matemática”, diz Friedmann. “Eu achei fascinante que uma fórmula puramente matemática do século 17 caracterize um sistema físico que foi descoberto 300 anos depois.”

Referência:

Friedmann, Tamar, and Hagen, C.R. (2015) “Quantum mechanical derivation of the Wallis formula for pi,” Journal of Mathematical Physics 56: 112101.

[Via PhysOrg]

Imagens: quadro de Irrational Numbers: Pi and Pies, uma série matemática do ClickView; e páginas de Arithmetica Infinitorum digitalizadas pelo Google.

Sair da versão mobile