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O Efeito App Store: os aplicativos de iPhone estão fadados ao esquecimento?

É estranho. Quando softwares conhecidos são reformulados para iPhone ou iPod Touch e passam pelos portões consagrados da App Store, algo acontece: quase invariavelmente, ele fica mais barato. Muuuuuito mais barato. Isso é bom, né? Bem, nem sempre.

É estranho. Quando softwares conhecidos são reformulados para iPhone ou iPod Touch e passam pelos portões consagrados da App Store, algo acontece: quase invariavelmente, ele fica mais barato. Muuuuuito mais barato. Isso é bom, né? Bem, nem sempre.

A App Store é um estranho lugar novo para os desenvolvedores. Veteranos e novatos entram em um combate feroz, jogando os preços lá embaixo, a níveis que as pessoas não imaginariam estar cobrando apenas alguns anos atrás. As margens caem para valores ridículos enquanto os consumidores esperam aplicativos cada vez mais baratos, mas sempre com qualidade e profundidade cada vez maiores.

Para os desenvolvedores, para outras plataformas de software e potencialmente para os próprios consumidores cada vez mais caprichosos, este é um território traiçoeiro e inexplorado. Mas a coisa mais bizarra de todas é – em um esforço para manter as pessoas na App Store e para evitar que os concorrentes consigam pôr o pé no negócio de aplicativos móveis – a Apple traçar direitinho a trajetória para lá.

“A App Store é um ambiente bastante competitivo”, diz Caroline Hu Flexer, co-fundadora do Duck Duck Moose, um desenvolvedor independente de aplicativos educativos e divertidos para crianças como o Itsy Bitsy Spider. “Como um desenvolvedor independente sem um grande orçamento de relações públicas ou marcas conhecidas, pode vir a ser bastante desafiador e você fica basicamente à mercê da Apple”.

O problema

A maior parte dos aplicativos de iPhone não tinha nenhuma vida antes da App Store e atualmente não tem nenhuma vida fora dela. Mas para aqueles que tinham, você começa a enxergar um certo padrão. Os preços dos aplicativos poderiam tranquilamente cair com o tempo – um jogo mais antigo vale menos para os consumidores que um jogo novo, e com outros tipos de software uma queda de preço devido ao tempo é uma excelente maneira de atrair os late adopters. No entanto, o que é estranho é como os preços caem drasticamente após chegar à loja da Apple.

Há duas semanas nós vimos algumas diferenças bizarras nos preços entre jogos equivalentes para PSP e iPhone. Grandes títulos, como Tetris e Fieldrunners, eram inexplicavelmente mais baratos no iPhone, até mesmo nos casos em que o jogo era executado melhor. Isto não fazia o menor sentido. Ao que constamos, não tinha nada a ver com a Sony ou o PSP e tudo a ver com a App Store.

Como você pode ver na tabela acima, muitos aplicativos e serviços têm uma queda de preço na App Store. Os excelentes guias To Go do Zagat custam saudáveis 4 dólares por mês nos telefones Windows Mobile, mas saem por apenas 10 dólares ao ano no iPhone. O CoPilot 7, um aplicativo de navegação, costumava custar 200 dólares em um aparelho com o emblema da Microsoft (mais tarde reduzido para 100 dólares); a versão bastante melhorada CoPilot 8 é vendida na App Store por míseros 35 dolares hoje. A versão premium do WeatherBug sai por 5 dólares para as pessoas que compraram um touchscreen BlackBerry, mas apenas 1 dólar para qualquer um que tenha comprado um Apple. O VR+ Voice Recorder, um aplicativo completo para você ditar e ele transformar em texto, sai por 30 dólares no BlackBerry e incríveis 2 dólares na App Store. Como é que esta pequena App Store, em si uma subseção da loja do iTunes, consegue apertar tantos desenvolvedores ao ponto de sufocá-los?

Atualização: o aplicativo WeatherBug apresenta alguns recursos extras em relação ao aplicativo do iPhone, inclusive notificações por push e-mail. Isto explica em parte a diferença de preço.

A economia
Parte disto é pura Introdução à Economia: a loja atende a um público enorme e cativo que já está acostumado a gastar grana no iTunes. A promessa de maior volume facilita para os desenvolvedores baixar os preços, algo que eles usam, junto com recursos interessantes e marketing inteligente, para destacarem-se da concorrência.

Se as coisas dão certo, a App Store é capaz de oferecer uma pancada de softwares para você. Você distribui as suas margens minguadas ao longo de dezenas de milhares de vendas e o seu aplicativo de míseros 2 dólares consegue render tanto quanto – se não mais – que o seu antigo aplicativo de 30 dólares com vendas mais lentas. A App Store passou recentemente da marca de 2 bilhões de downloads e provavelmente há 50 milhões de aparelhos preparados para a App Store nas mãos das pessoas neste momento. A grande maioria destes downloads – com uma média insana de 35 por aparelho – provavelmente foi gratuita. Só a Apple sabe o número exato. Mas mesmo que apenas 5% destes 2 bilhões de downloads tenham sido pagos, isto ainda é um baita de um mercado.

Sim, é verdade que os preços estão caindo conforme mais e mais pessoas com iPhone e iPod Touch entram no mercado. Mas acontece que os preços não têm parado de cair. E cada vez mais desenvolvedores de todas as partes do mundo estão registrando aplicativos também, então poucos deles terão visibilidade garantida. Nem todas as pessoas investindo tempo e dinheiro nos seus produtos estão aproveitando o retorno que eles esperavam (dentro de limites razoáveis, claro).

A revelação da Newsweek a respeito do dinheiro fácil tirado na App Store vai bastante contra a investida total como desenvolvedor para iPhone. Não só os custos de desenvolvimentos são altos como o sucesso parece ser puramente aleatório. Mas a história não explica o que foi que aconteceu para tornar a situação tão desoladora.

A cultura
Nós costumamos falar dos preços de aplicativos o tempo todo e, à sua maneira particular, a maior parte de vocês também. Comprar músicas de 1 dólar e episódios de séries de TV de 2 dólares nos faz esperar por aplicativos baratos, independente do uso deles. O abarrotamento de aplicativos gratuitos que você vê preenchendo as tabelas de aplicativos todos os dias também não ajuda muito. O software vale menos para nós agora, mesmo que nós o usemos mais.

Falei com Steve Andler da Networks in Motion, a empresa que faz o Gokivo. Trata-se de um aplicativo que nós caçamos pelo seu preço introdutório de 10 dólares por mês, caindo para 5 dólares ao mês algumas semanas atrás.

Andler explicou como chegar aos preços ridiculamente baixos e irreais com um simples ponto: menos recursos. O aplicativo deles puxa mapas atualizados, informações de trânsito e dados POI dos servidores da NIM em tempo real, o que significa que – além dos custos de desenvolvimento – eles precisam constantemente pagar por dados fresquinhos que transmitem aos seus clientes. Mas mesmo por 5 dólares ao mês, é praticamente impossível para o Gokivo concorrer com um aplicativo como o MotionX GPS Drive, que custa 3 dólares ao mês ou 25 dólares ao ano.

Andler diz que há diferenças sutis nos serviços oferecidos, o que é verdade – o MotionX, por exemplo, ainda não lê nomes de ruas em voz alta ao dar direções – mas o seu usuário médio provavelmente não sabe disto e há uma boa chance de o MotionX acrescentar este recurso em uma atualização mais pra frente, conforme seu market share e receita aumentam. Mas o dano já foi feito. O cliente comprador de aplicativos já está mal-acostumado: ao que nos consta, aplicativos de GPS curva-a-curva de agora em diante não devem custar mais do que 3 dólares ao mês, ponto final. Este é o novo varejo, e isso é estranho.

Loren Brichter, pai do Tweetie, está acostumado a ouvir bronca de compradores mimados de aplicativos. Ele está cobrando 3 dólares pelo Tweetie 2, uma atualização – mas que de fato é uma versão inteiramente nova – do seu aplicativo bem-posicionado de Twitter. Oferecer o software como uma atualização gratuita simplesmente não seria realista para ele:

Eu coloquei o preço de 2,99 dólares no Tweetie não com base no tanto de trabalho que eu investi nele (teria sido mais), ou para tentar compensar outros aplicativos (teria sido menos), mas simplesmente porque eu achei que 2,99 dólares era um preço razoável para pagar por um cliente Twitter. Compras por impulso, mas não barganhas niveladas por baixo. Eu também nunca gostei de jogos caros também – um passatempo popular de outros desenvolvedores da App Store. Sempre foi 2,99 dólares e provavelmente sempre será 2,99 dólares.

A decisão dele não foi fácil. E mesmo o aplicativo dele sendo o queridinho da imprensa de tecnologia e ter centenas de excelentes reviews de usuários, ele tem sido loucamente repreendido por cobrar 3 míseros dólares por um aplicativo de alta qualidade que as pessoas usarão vez após outra após outra. Antes da App Store, uma reclamação deste calão não faria nem sequer sentido.

Apple
Olhando de fora, parece que a própria Apple incentiva uma corrida para o fundo do poço. As listas Top 10 de cada categoria da App Store – uma das únicas maneiras de um aplicativo obter qualquer visibilidade significativa no iTunes – são território quase que exclusivamente de compras por impulso de baixo preço e são difíceis de emplacar por mais de algumas poucas semanas seguidas. Flexer, do Duck Duck Moose, diz que ela teve esta experiência de primeira mão:

O ranking por volume (em vez de por renda) na App Store parece jogar os preços dos aplicativos lá pra baixo. Além de ser apresentado pela Apple, a exposição de um aplicativo é dependente do seu ranking nas listas dos primeiros lugares, assim os desenvolvedores baixam os preços para obter um ranking maior.

Isto é ecoado e amplificado pelos criadores do Twitterific, um aplicativo que, numa tentativa de manter-se competitivo, viu o seu preço cair de 10 para 4 dólares, mesmo com constante desenvolvimento ativo e um rol crescente de recursos:

Apesar de estas mudanças representarem peculiaridades para os usuários, elas também significam que a lucratividade sustentável de um determinado software na App Store é praticamente impossível a menos que você emplaque um hit totalmente inovador.

E se as coisas não mudarem?

Eu e outros como eu não teremos escolha e teremos que concentrar nossos esforços de  desenvolvimento em outro lugar.

Há 10 dias a Apple anunciou que permitirá que aplicativos gratuitos incluam compras interas ao aplicativo. Com isso, as coisas ficaram ainda mais tumultuadas. Dependendo de como lidarem com isto, os principais aplicativos “gratuitos” poderão todos ser aplicativos pagos disfarçados. Ou isso ou o ranking de aplicativos pagos será dominado por teasers gratuitos que funcionam na base do período de degustação. Seja qual for o caso, os rankings estarão abertos para abuso oportunista e o maior objetivo para qualquer desenvolvedor talentoso de aplicativos – que é emplacar esta lista – passou a ficar ainda mais incerto.

Isto é desastroso para os desenvolvedores, mesmo que seja em sua maior parte acidental, além de ser função da Apple tentar vender aplicativos como eles têm vendido músicas há anos, a despeito do conjunto totalmente diferente de tipos de produtos e demandas de consumidores. Mas o efeito da Apple sobre os preços vai bastante além do acidental. Pelo menos em alguns casos, é a Apple quem dá as cartas.

Uma equipe desenvolvedora de alto nível que tenha vendido diversos aplicativos na loja desde os seus primórdios – e que nos solicitou para ficar anônima – foi quem nos disse isso. Quando eles chegaram pra Apple com o seu primeiro aplicativo, eles tinham um preço em mente. A Apple disse que estava alto demais e que eles precisavam baixar para ser bem-sucedido. Eles cortaram à metade. Mesmo assim, a Apple falou para eles “tomarem cuidado”.

Esta empresa se saiu muito bem, já que estavam em posição que permitia adaptação. No entanto, para entrar no jogo do volume, eles precisaram reestruturar toda a sua filosofia em torno de uma estrutura de preço que, apenas alguns meses antes, pareceria ridícula.

Com mais de 2 bilhões de pontos de dados para jogar no gráfico e filtrar ao seu bel-prazer, a Apple compreende a estrutura da App Store melhor do que ninguém seria capaz. Assim, o conselho dado por eles provavelmente vale ouro. Nenhum problema nisso se você for uma empresa relativamente ágil focada num único propósito e se você pode arcar com o risco de reestruturar tudo o que você faz em torno da loja deles, e se os seus custos podem ser cobertos a qualquer preço que você evidentemente precise estabelecer para vender determinado volume. Mas você deve ter em mente que o conselho deles também é do interesse deles. A Apple quer aplicativos baratos para manter as pessoas os comprando e para manter as demais lojas firmemente em um segundo patamar – e eles não têm o menor medo de dizerem isso. Do último relatório trimestral da Apple enviado aos seus investidores, um discurso que eles têm ecoado desde que a loja abriu:

A Apple também espera que a concorrência se intensifique conforme os concorrentes tentam imitar a abordagem da Empresa ao fornecimento de aplicativos digitais facilmente dentro das suas ofertas individuais ou trabalhar de maneira colaborativa de forma a oferecer soluções integradas. Apesar de a Empresa ser amplamente reconhecida como uma inovadora líder nos mercados de computadores pessoais e eletrônicos, além de líder no mercado emergente para distribuição de aplicativos e conteúdo digital de terceiros, estes mercados são altamente competitivos e estão sujeitos a preços agressivos.

Você não precisa enxergar muito além do lançamento da loja musical iTunes para entender que a Apple fará tudo o que puder para forçar para baixo os preços das outras pessoas para seu benefício próprio. Logicamente, eles não podem estipular preços para os aplicativos – não são músicas ou filmes e cada um deles executa algo diferente – mas eles podem encher o saco pra caramba.

O que acontece agora
Então o que significa o Efeito App Store neste momento? A curto prazo, teremos preços menores. Isso é ótimo. Mas no longo prazo, talvez o modelo não seja sustentável.

A promessa de o volume de vendas compensar os preços lá no chão que você precisa cobrar só para ser visto dentro da sua categoria de aplicativos parece ser cada vez mais oca e, para ser sincero, se os desenvolvedores não virem oportunidade de recuperarem os seus gastos, eles simplesmente vão parar de tentar. E não estou falando dos spammers de aplicativos como o iFart (iPeido) de 99 centavos – estou falando dos grandes desenvolvedores que já fazem grana vendendo software. Se as empresas de navegação, os estúdios de grandes jogos e os fornecedores de conteúdo premium não conseguirem prosperar na App Store, eles terão que deixar a loja; até mesmo o ato de brincar na caixinha de areia da Apple ameaça as suas linhas de produtos (às vezes muito mais cruciais para eles) em outros lugares.

E não se esqueçam, fãs de Palm e Android, este Efeito App Store transmite ondas para bem além da própria App Store. Consumidores esperam ver aplicativos funcionalmente idênticos com o mesmo preço ao longo das múltiplas plataformas porque, para nós, isto faz sentido. Os desenvolvedores podem realmente arcar com o custo de transportar um aplicativo para o webOS para vender às dezenas de milhares de pessoas com o Pre, sendo que esperam que eles apliquem os preços de iPhone, calculados para uma base de muitos milhões de usuários? Seja pelo design da Apple ou totalmente por acidente, todos que não tiverem um iPhone sofrerão por isso.

O Efeito App Store ilustra um novo tipo de economia e ele não vai se dissipar. Na verdade, a tendência é ele piorar. Os desenvolvedores ou se adaptarão, morrerão ou a deixarão. Mas para onde irão? Até termos 50 milhões de aparelhos Android e 50 milhões de filhotes de Pre por aí, o resto do mundo de software móvel está bem ferrado.

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