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Fazer as pessoas gastarem mais dinheiro com o que é “grátis”: um dos grandes legados de Steve Jobs

Com a notícia da saída de Steve Jobs do posto de CEO da Apple, vieram as inevitáveis retrospectivas de grandes ideias – e grandes fracassos – da empresa sob seu comando. iPhones, iPads e iPods são grandes sacadas, mas o colunista do Guardian Charles Arthur tem outra teoria: o maior legado de Jobs foi convencer as […]

Com a notícia da saída de Steve Jobs do posto de CEO da Apple, vieram as inevitáveis retrospectivas de grandes ideias – e grandes fracassos – da empresa sob seu comando. iPhones, iPads e iPods são grandes sacadas, mas o colunista do Guardian Charles Arthur tem outra teoria: o maior legado de Jobs foi convencer as pessoas a pagar por conteúdo na internet.

Há 10 anos, havia basicamente duas maneiras práticas de ouvir música no computador ou em um MP3 player: comprando CDs e ripando ou baixando de lugares como KaZaA, Napster, Audiogalaxy ou Limewire. O iPod foi lançado no fim de 2001 e… Nada mudou. A estratégia de Jobs era, com o seu tocador mais bonito e mais caro, vender mais Macs. Só os usuários de computadores da maçã tinham o privilégio de usar o iTunes.

A estratégia, é claro, fez com que o primeiro iPod fosse objeto de desejo pela facilidade de uso e o design, mas restringiu sua venda: foram menos de 250 mil unidades no primeiro ano. Mas a Apple tinha planos mais audaciosos. Segundo o Guardian, Jobs conseguiu convencer as gravadoras que não havia muito risco de as pessoas passarem para frente seus arquivos baixados porque a Apple era uma empresa pequena à época, e não havia tanta gente usando. As gravadoras, com o desconhecimento absoluto do mercado digital que lhes são peculiares até hoje, embarcaram na ideia e em abril de 2003 os donos de Mac e iPod (apenas dos EUA inicialmente) poderiam comprar 200 mil músicas. E era só plugar o iPod que elas automagicamente eram transferidas, uma novidade, que conquistou muita gente que queria ouvir música, mas não tinha paciência (ou conhecimento) para ir ao submundo. O preço camarada ajudava.

Inicialmente, as músicas tinham proteção de cópia, situação que perdurou até 2009. O que não impediu que as pessoas comprassem: em 2008 a iTunes Store já era a maior loja de música dos EUA. Hoje ela é de longe a melhor e mais completa: são mais de 18 milhões de faixas disponíveis, com constantes promoções, listas, faixas grátis e uma vitrine melhor que qualquer loja física. A sacada de Jobs foi criar o tal “ecossistema”, mostrar para as pessoas que a opção paga era melhor não porque livrava as pessoas de sentimento de culpa pirata, mas porque era mais prática, barata e diversificada.

“Ecossistema”, a palavra mágica. Já em 2003, Steve Jobs falou a Marc Benioff, CEO da Salesforce.com (a tal empresa mais inovadora da década) para criar uma “App Store”, um ecossistema para vender as suas aplicações. A estratégia deu certo e Benioff ficou tão agradecido pelos insights que ele deu à Apple a marca e o domínio “App Store”, como o próprio contou à Bloomberg esta semana.

Benioff estava agradecido porque Jobs havia criado uma maneira de as pessoas gastarem muito dinheiro, seja com preços baixos o suficiente para compras impulsivas ou lojas (e ecossistemas) lindas, que facilitam a busca e a descoberta de coisas que você nem sabia que precisava um minuto atrás. Era mais fácil e rápido digitar o nome de uma banda no iTunes, clicar, baixar uma faixa em boa qualidade, com todos os dados e a capinha, do que caçar no submundo P2P da internet.

Isso foi possível porque uma das maiores qualidades de Jobs é ser um excelente negociador. Ele pessoalmente participa de reuniões com executivos de gravadoras ou estúdios para conseguir que músicas, filmes, séries, livros, revistas e jornais apareçam no iTunes – ser o maior acionista da Disney também não atrapalha. Como dono da lojinha, a Apple ganha 30% de cada uma dessas transações – o que virou padrão na indústria para Google e Microsoft depois e uma bela maneira de dar dinheiro para eles próprios e para artistas – tudo isso facilitando a vida dos consumidores.

Se hoje há coisas como o Netflix ou Spotify, eles se devem em grande parte a Steve Jobs, que conseguiu provar que grátis nem sempre é o melhor negócio numa época que artistas, gravadoras e estúdios acreditavam que o negócio deles estava acabado com todo mundo podendo baixar tudo. É bem verdade que aqui no Brasil a coisa ainda é muito difícil, com lojas horrendas como o UOL Música, DRMs atrozes como os da Ovi Store, ou preços exorbitantes do aluguel de filmes em HD no NetMovies. Há gambiarras possíveis. Se você conseguir fingir ser americano (por VPN, gift cards e afins), você consegue participar dessa mini-revolução no consumo de conteúdo. Eu mesmo desembolso mais hoje do que no meu auge de comprar CDs, há uns bons 10 anos. Eu assino Pandora e eMusic, baixo os discos de US$ 5 no 7digital e várias faixas no iTunes, porque é prático e porque assim que compro em um lugar ela está no meu iTunes, iPhone e iPad 2. Não é porque sou mais “honesto”, “anti-pirataria”, mas porque, no fim das contas, eu tenho preguiça. A pirataria só perdeu pra mim quando ela deixou de ser a opção mais prática. A Apple sacou isso antes dos outros, e se todos entenderem bem essa ideia, artistas, estúdios e consumidores ganham.

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