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O guia para acompanhar os rumores da “fábrica da Apple” no Brasil [ATUALIZADO]

Está difícil seguir todos os rumores sobre a possível “fábrica” da Apple no Brasil (nosso resumo sobre o assunto está aqui). Mas a fábrica de rumores continua, e vai de coisas plausíveis a duvidosas, passando por invenções de jornalistas mal informados. Este fim de semana, a Folha garantiu que já há um contâiner com peças […]

Está difícil seguir todos os rumores sobre a possível “fábrica” da Apple no Brasil (nosso resumo sobre o assunto está aqui). Mas a fábrica de rumores continua, e vai de coisas plausíveis a duvidosas, passando por invenções de jornalistas mal informados. Este fim de semana, a Folha garantiu que já há um contâiner com peças para a montagem de iPads no Brasil que saiu da China e está a caminho. Hoje, souberam que uma empresa qualquer chamada Apple LTDA obteve registro na Junta Comercial de São Paulo. E pronto, foi o suficiente para o povo cravar que era OFICIAL que tabletes e iPhones seriam montados aqui – saiu em todo lugar. Até alguém parar para ler o que tinha na imagem que estava sendo repetida por todo canto: a empresa em questão foi formada em 1983.

1983. A Apple finalmente se pronunciou, e lembrou a quem não conseguia ler, que não tinha nada a ver com a Apple do Brasil. Alguns jornalistas dizem que a tal “fábrica” é pra já – o governador de São Paulo faria um anúncio conjunto para a instalação de uma fábrica dentro das próximas duas semanas, que poderia ser apressado pelo “medo da Positivo” (!!!!). Eu estou um pouco menos cético quando a possibilidade de uma linha de montagem da Foxconn destinada a produtos Apple no Brasil. Um pouco menos. Mas há algumas coisas que você deve levar em consideração ao ouvir esses rumores: [ATUALIZADO]

1. Não existirá “fábrica da Apple”. A Apple não tem fábricas. O que poderá haver aqui é uma subsidiária da gigante chinesa que montaria alguma das linhas – a adaptação na linha não é tão radical e factível, se estivermos falando de um produto: potencialmente o iPad, e só. MacBooks? Não há demanda o suficiente – a tal “MP do Bem”, que dá desconto de IPI para computadores fabricados aqui, tem um limite de preço. É para popularizar o acesso a notebooks, e não para popularizar notes caros – a classe média sofre, e a Apple, Fnac, Fast Shop e amigos parecem satisfeitos com a margem de lucro, mesmo em pequena quantidade. iPhone? Menos provável, mas também factível, com duas ressalvas a seguir.

2. Se a montadora da Apple existir, ele não vai deixar tudo muito mais barato. Sabe o Galaxy Tab de R$ 2.680? Fabricado no Brasil. Motorola Milestone, que saiu a R$ 1.700? Made in Jaguariúna, São Paulo. Se o iPhone é um pouco mais caro que esses produtos lá fora, não há muito motivo para ter fé que vai haver uma forte queda nos preços nele quando fabricado aqui. Se a reclassificação dos tablets passar, como foi proposta, podemos esperar mais oferta e uma redução na casa dos 10 a 15%, na melhor das hipóteses. Mas lembre que fabricando coisas aqui, a Apple vai precisar prestar assistência técnica, criar o call-center, e vários outros custos embutidos na operação brasileira.

3. Fala-se em “produzir para exportar”. Mas a verdade é que o Mercosul não está ligando muito. O Chile tem um acordo com os EUA que permite que produtos eletrônicos vendidos lá sejam bem mais baratos (vi o iPad de 16 GB em janeiro custando o equivalente a R$ 1.030).  México tem o Nafta. E a Argentina, por exemplo, parou de importar os celulares da Motorola: os hermanos criaram barreiras protecionistas semelhantes às nossas. Será que há muitos mercados para os produtos da maçã “feitos” no Brasil?

4. Lembre-se das aspas do “feitos” no Brasil. Nós precisaríamos importar quase tudo – com tarifação menor que produtos montados, é claro. Mas a fábrica aqui contribuiria muito pouco para solucionar o gargalo de produção que a Apple tem. Há pouquíssimas fábricas e apenas dois fornecedores das telas de LCD do iPad, no Japão e China. A memória do iPad vem do Japão. O chip A5 seria importado. Na melhor das hipóteses, produziremos a antena e a carcaça aqui. Considerando os custos de importação dos componentes separados, da montagem com mão de obra brasileira – definitivamente mais cara que a chinesa – vale a pena para conquistar basicamente o mercado local, que ainda engatinha? Os executivos da Foxconn e Apple devem ter feito essas contas, colocando os incentivos fiscais na calculadora. Mas uma fábrica aqui é uma aposta forte da Apple que o Brasil é o país do futuro – seria um projeto de longo prazo.

5. Não espere lançamento mundial simultâneo. A Apple é hoje a empresa que mais toma cuidado com o vazamento de produtos. Lembre-se que uma foto potencial do iPhone que saiu da fábrica da China pode ter levado alguém ao suicídio. Hoje, tendo todo o processo de montagem em um único lugar, numa fábrica gigante da Foxconn na China, é mais fácil controlar vazamentos. Tendo que exportar pedaços para serem montados no Brasil – um país não acostumado a segredos industriais de grandes multinacionais… Perde-se o tão essencial controle absoluto. O Brasil começa a ter má-fama em relação aisso. Lembra de um cara pegando cópia de um jogo que ainda não saiu e vendendo no Orkut? Faz tempo isso. Se fabricarmos por aqui, espere uma linha de montagem de alta segurança ou – mais provável – que a produção comece depois que o iGadget tiver chegado nos principais mercados.

6. Se a fábrica rolar de fato, agradeça ao poder público. Primeiro por “forçar” a Apple – e todas as outras empresas – a fabricar aqui, mantendo barreiras protecionistas pesadas e impostos de importação recorde. Nossa Dilma Rousseff está na China conversando com o presidente da Foxconn e, segundo relatos, a fábrica brasileira de “tablets” está na pauta. Também se for para acreditar em reportagens alhures, o governador de São Paulo está envolvido em conjunto com prefeitos para garantir benefícios fiscais que garantam um preço mais razoável aos produtos da maçã.

7. Há muitos motivos para não acreditar nas reportagens que dão como certa a fábrica aqui. A “fonte” da Veja, revista mais citada até agora, disse o seguinte: “A Positivo está preparando o lançamento de um tablet com sistema Android para o meio do ano e a Apple quer chegar antes”. Você consegue imaginar um executivo próximo a Steve Jobs chegando para ele “senhor, uma empresa brasileira vai montar um tablet basicamente chinês no Brasil. Estou com medo.” E ele respondendo: “Meu Deus, vamos acelerar a exportação pra lá”. “É muito caro, Chefe.” “Então vamos abrir uma fábrica. Agora.” Não. A concorrência da Positivo não é um motivo – e ninguém levantou uma razão plausível para a vinda da Apple para cá até agora. O nosso mercado é relativamente pequeno e as duas últimas vezes que a Apple falou sobre o Brasil foi para dizer que “os impostos são muito altos”. A Folha, que cravou que os contêineres com componentes estão a caminho, fez este interessante infográfico:

Faz sentido?

E é isso, amiguinhos. Podem continuar lendo os rumores em outros lugares tendo isso em mente – por aqui nós vamos ter um pouco de cuidado antes de noticiar o assunto. Mesmo céticos, nós torcemos para que a aventura tropical da empresa de Cupertino seja verdadeira: uma fábrica de produtos Apple aqui não só melhoraria o preço de iCoisas e faria a festa de fãs da marca, mas beneficiaria todos os consumidores, pela simples concorrência. Vamos continuar acompanhando.

 

ATUALIZAÇÃO: A novela continua. Como escrevemos no texto ontem, “nossa Dilma Rousseff está na China conversando com o presidente da Foxconn e, segundo relatos, a fábrica brasileira de “tablets” está na pauta.” Faltam detalhes sobre o encontro. O G1 e a Reuters repetiram uma frase do Ministro de Tecnologia, Aloizio Mercadante:

Tem que ser detalhado agora as condições (em que se dará a produção do iPad), onde que vai ser, logística”, disse Mercadante a jornalistas.

No Estadão, o ministro dá mais detalhes:

O investimento vai gerar 100 mil empregos, entre eles para 20 mil engenheiros. Além disso, a Foxconn, que ainda não escolheu local para o investimento no Brasil, construiria uma “cidade do futuro” para 400 mil pessoas, onde seria instalada a fábrica. “Precisa de fibra ótica, infraestrutura, banda larga. É algo extremamente sofisticado”, disse Mercadante, listando parte do que o governo ainda precisaria fazer.

20 mil é um bocado, considerando que menos de 5% de nossos formandos em curso superior anualmente hoje são engenheiros (o que dá cerca de 30 mil). De novo, os números apresentados pelo ministro são hiperbólicos. As informações vindas dos correspondentes, também. Em alguns veículos está escrito que a Foxconn confirmou a produção do iPad nas 5 fábricas já instaladas, em outros lugares que será uma fábrica nova, e em outros que ela ainda “espera contrapartida” – como o investimento em infraestrutura listado pelo ministro.

De concreto e oficial dos dois governos, temos a enorme declaração conjunta de Brasil e China, que fala dos frutos da visita, cita norminalmente parcerias como da EMBRAER e a chinesa AVIC, mas não menciona o investimento de valores inacreditáveis da Foxconn, quanto menos o nível de detalhe como “produzir iPad até novembro”.

Nosso texto continua atual, já que nada foi oficializado ainda – e consideramos desde sempre a possibilidade concreta da produção local. Ainda torcemos para que uma empresa de tecnologia gigante como a chinesa invista mais no Brasil. Mas não será o governo que produzirá o tablet, mas a empresa, então esperamos algo oficial. Entramos em contato já com Foxconn no Brasil e China e a Apple, mas ainda não nos responderam. Vamos atualizar o post quando tivermos mais informações.

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