Hoje todos acordamos com a notícia que muita gente esperava fosse acontecer mais cedo ou mais tarde: a aquisição da Nokia pela Microsoft. Por US$ 7,2 bilhões, agora os smartphones Lumia e os celulares Asha têm um novo lar. Mas o que isso significa para o Windows Phone e, num contexto maior, para a Microsoft?
O Windows Phone chegou atrasado, no final de 2010, quando iOS e Android já dominavam a cena e ainda não davam sinais de desaceleração. Essa demora permitiu à Microsoft analisar os dois sistemas dominantes e pegar deles suas melhores características: do iOS, as diretrizes mais rígidas de hardware que garantem que todo aparelho funcione bem; e do Android, o modelo de licenciamento (mais ou menos) parecido.
Na prática, essa mistura de características teve um impacto mediano. É impossível, mesmo, encontrar um Windows Phone que dê gargalo, que tenha desempenho ruim. Mesmo os mais simples, como o Lumia 520 (modelo mais vendido da Nokia), é rápido. Já a diversidade de parceiros OEM, um dos trunfos do Android e o principal responsável por colocar o hardware da plataforma na vanguarda, parece não ter engrenado. Culpa da Nokia ou da MIcrosoft? Ou das duas?
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Fato é que desde o fatídico memorando da “plataforma em chamas” de Stephen Elop, a Nokia virou uma parceira interessadíssima de um Windows Phone que não despertava suspiros das demais fabricantes. Dá para achar smartphones com o sistema da Microsoft feitos por HTC, Samsung, Huawei e algumas outras, mas numa análise mais profunda se nota, sem dificuldades, que o Windows Phone se tornou sinônimo de Nokia: no último trimestre, 81% dos Windows Phones vendidos vieram da empresa finlandesa. Não é pouca coisa.
A aquisição, que deve ser concluída no primeiro trimestre de 2014, abrange a divisão de dispositivos e serviços da Nokia (e 8500 patentes relacionadas) e traz de carona o direito de uso do Nokia HERE, serviço de mapas que continua sob a tutela da Nokia (junto com a Nokia Siemens Network e a divisão de tecnologias avançadas), além de uma licença para uso das patentes da NSN. Embora no papel o negócio pareça um tanto com o do Google-Motorola, na prática as consequências deverão ser distintas — e mais arriscadas.
Negócios similares, implicações diferentes
O Google não teve pressa alguma em interferir na Motorola. Bateu na tecla, a mesma em que a Microsoft agora bate, de que a aquisição não afetaria o relacionamento com outras fabricantes. Essa promessa era mais fácil de ser cumprida lá: com o Android aquecido e muita gente fazendo muito smartphone com o sistema, o Google poderia se dar o luxo de manter a Motorola quieta, apenas atualizando sua linha Droid nos EUA e lançando modelos intermediários e de baixo custo em países-chave (como os D1 e D2 no Brasil) sem correr o risco de perder espaço. Isso deu tempo e tranquilidade para que, em um mercado saturado como o do Android, a Motorola do Google surgisse com um aparelho inovador — o Moto X.
No caso da Microsoft, mesmo tendo tomado o terceiro lugar da BlackBerry em vendas e estar numa tímida ascendente nos últimos trimestres, ainda há muito trabalho a ser feito em cima do Windows Phone. E sendo a Nokia responsável por 81% das vendas do sistema, definitivamente não há tempo a perder.
A menos que algo muito inesperado aconteça lá dentro, é bem provável que os esforços em cima dos Lumias sejam intensificados. Com os cofres da Microsoft para bancar a operação no vermelho por um bom tempo, esse parece ser o tipo de liberdade que deve dar à divisão de smartphones a tranquilidade para continuar trabalhando forte rumo à meta de 15% do mercado para o Windows Phone até 2018.
O (possível) plano de ação
Além do trabalho duro no que já está dando certo, há outras cartas que a Microsoft poderá (e deverá) usar para alavancar de vez o Windows Phone. A marca Asha, de celulares simples (e mais baratos), veio no pacote e poderá ser usada para canalizar consumidores em potencial para Windows Phone (mais caros) quando eles decidirem comprar um aparelho mais elaborado. Diferentemente dos Lumias, aliás, os Asha continuarão sendo vendidos sob a marca “Nokia”.
A Microsoft vê o mercado de smartphones como uma porta de entrada para outras propriedades da empresa, e a introdução da linha Lumia solidifica a oferta (ou o ecossistema) da empresa para os consumidores que resolverem fechar com ela. Na apresentação da call conference, um slide diz que o “sucesso em celulares é importante para o sucesso em tablets” e que o “sucesso em tablets ajudará os PCs”. Sendo (agora) uma empresa de software e serviços, a presença em todos os aparelhos que o usuário médio carrega consigo é primordial e com o declínio dos computadores, apostar alto em smartphones não é algo lá tão estranho.
O lado financeiro também deve ter algum impacto. A Nokia vinha lutando para fechar trimestres no azul e, não raro, era a NSN, não a divisão de celulares, quem salvava o dia — no último trimestre as perdas foram de ~US$ 440 milhões. A Microsoft ainda tem muito dinheiro para queimar em negócios não lucrativos, além de divisões corporativas que garantem lucros fabulosos há uns bons anos, mas para tudo na vida há limites. Até quando ela conseguirá arcar com divisões (some aí a de serviços online) que sangram dinheiro incessantemente?
Dança das cadeiras na Microsoft
A aquisição também mexe no alto escalão da Microsoft. Stephen Elop volta à empresa, à frente da divisão de dispositivos — e Julie Larson-Green, recém-promovida à chefia dessa mesma divisão, passará a “trabalhar com ele para dar forma à nova organização”, o que configura uma situação meio… estranha. No papel, pelo menos.
De volta à Microsoft e com o cargo de CEO prestes a vagar, Elop, que já era apontado por alguns analistas como possível substituto de Ballmer, fica mais próximo de conseguir o posto.
Alguns engenheiros da Nokia também ocuparão altos cargos na Microsoft e, no total, 32 mil funcionários farão a migração, o que aumenta o quadro de funcionários em quase um terço.
A Microsoft, que sempre dependeu de parcerias com fabricantes OEM (e ainda depende), se torna um pouquinho mais auto-suficiente. Com Xbox One, Surface Pro e smartphones Lumia, além dos diversos serviços online/web que oferece, ela se fecha em um conjunto de dispositivos que contemplam todas as “três telas + nuvem” que, alguns anos atrás, era o norte da companhia.
O mundo mudou um bocado nesse meio tempo e, meio que aos trancos e barrancos, a Microsoft tenta se adaptar. A compra da Nokia é um passo grande, mas ainda não está claro se é o primeiro rumo ao futuro, ou um enorme passo em falso. Há bons motivos para achar que tudo se resolverá e que o Windows Phone ganhará mais espaço, mas de previsões furadas, o histórico do sistema já tem um acervo bem generoso.