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Cientistas apontam que a difteria, uma doença transmissível, pode se tornar uma ameaça global

É transmissível por meio de gotículas respiratórias e nos casos raros, através do contato da pele com feridas infectadas.

Foto: Munir Uz Zaman/AFP (Getty Images)

Ao que parece, uma doença infecciosa que parecia estar sob controle, voltou a estar com tudo. Em um novo artigo publicado nesta semana, os cientistas alertam que os casos de difteria aumentaram gradualmente nos últimos anos, embora haja sinais de que os antibióticos e as vacinas contra a bactéria possam correr o risco de perder sua potência à medida que o germe continue a evoluir.

Para quem desconhece, a difteria é causada por determinadas cepas da bactéria Corynebacterium diphtheriae. É transmissível através de gotículas respiratórias e, mais raramente, através do contato da pele com feridas infectadas. O dano que essas bactérias causam geralmente não vem da infecção em si, mas da toxina que elas podem produzir. Os primeiros sintomas incluem dor de garganta e febre baixa. Em poucos dias, a toxina pode matar células suficientes ao longo da garganta e causar um acúmulo de detritos mortos que torna difícil para as vítimas respirarem.

Quem se infecta também pode desenvolver um inchaço no pescoço, também chamado de “pescoço de touro”, causado por gânglios linfáticos aumentados. Se não for tratada, a toxina pode infiltrar-se na corrente sanguínea e em outros órgãos, causando danos internos massivos que matam cerca de metade de suas vítimas.

Embora a difteria tenha matado pessoas por séculos, o surgimento de antitoxinas, antibióticos e uma vacina altamente eficaz na primeira metade do século 20, a neutralizou de forma considerável. Assim, de 1980 a 2000, segundo este relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a vacinação infantil universal na década de 1970, a incidência de novos casos anuais de difteria caiu para mais de 90%. Hoje, cerca de 85% da população mundial está vacinada contra a doença, que aparenta estar extinta em muitos países, incluindo os EUA.

No entanto, ainda existem locais no mundo onde o acesso a tratamentos e vacinas eficazes é mais limitado. A incidência de difteria também começou a aumentar gradualmente recentemente. Em um novo estudo publicado nesta segunda-feira (08) na Nature Communications, os cientistas dizem que há evidências de que as bactérias da difteria correm o risco de mudar geneticamente o suficiente para enfraquecer a eficácia dos antibióticos e vacinas usados contra elas.

O estudo, que envolveu pesquisadores do Reino Unido, Índia e da OMS, analisou a diversidade genética dessas bactérias (cepas produtoras de toxinas e não-toxinas) ao longo do século passado, estudando amostras coletadas em pacientes de 16 países. Isso incluiu o próprio país do mausoléu Taj Mahal, onde a maioria dos casos anuais de difteria acontecem agora. Eles usaram esses dados para traçar a evolução dessas bactérias ao longo do tempo.

Segundos pesquisadores, existem sinais de que as bactérias estão começando a se adaptar às nossas armas. Eles descobriram um aumento substancial no número médio de genes de resistência antimicrobiana carregados pela bactéria difteria na última década, em comparação com as anteriores. A diversidade de seu gene “tox”, responsável pela produção da toxina mortal, também aumentou recentemente. Eles identificaram 18 variantes diferentes do gene tox, algumas das quais poderiam alterar a estrutura básica da toxina, o que poderia tornar os tratamentos existentes menos eficazes.

Cepas de bactérias da difteria resistentes a antibióticos também podem dificultar o tratamento de infecções pelos médicos. Enquanto isso, a vacina contra a difteria funciona como um treinamento para o corpo reconhecer a toxina específica. Qualquer mudança significativa em sua estrutura pode enfraquecer o quão bem o nosso sistema imunológico irá defendê-la, bem como a força das drogas antitoxinas. Dito isso, vale frisar que essas descobertas não mostram que a difteria agora é imune a antibióticos ou vacinas. As mutações encontradas em seu gene tox não parecem afetar a eficácia da nossa vacina atual, embora não haja evidências de resistência substancial aos antibióticos mais comuns usados ​​para tratar a infecção.

A crescente diversidade dessas bactérias sugere que um dia ela poderia “aprender” como escapar melhor de nossas vacinas, antitoxinas e antibióticos. E no contexto das tendências atuais, isso é extremamente preocupante. Em 2018, havia mais de 16.000 casos de difteria relatados em todo o mundo – o maior número anual de vítimas em 22 anos – e 2019 foi ainda pior. No ano passado, com a explosão da pandemia por conta da Covid-19, os esforços de vacinação para doenças como a difteria foram interrompidos.

Mesmo no pior cenário, vacinas e antitoxinas podem ser modificadas se necessário e há outros antibióticos que os médicos podem usar no caso destes medicamentos de primeira linha também começarem a falhar. Entretanto, os pesquisadores alertam que temos que continuar estudando e começar a nos preparar para essas possibilidades agora, antes que seja tarde demais e a difteria siga os passos de outras doenças evitáveis por vacinas, como o sarampo, que ressurgiu de forma assustadora recentemente.

“É mais importante do que nunca entender esta doença historicamente importante, para evitar que se torne uma grande ameaça global novamente em sua forma original ou modificada”, escreveram os autores.

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