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Observatórios detectam ondas gravitacionais nascidas de fusão de estrelas de nêutrons

Vicky Kalogera, física da Universidade de Northwestern, pegou uma semana de férias muito merecidas em Utah em agosto passado. Ela prometeu à sua família que ficaria sem checar o e-mail por uma semana. Não foi uma promessa real, é claro, mas ela ia tentar. Ela tinha preparado o dia perfeito para 17 de agosto. Seu […]

Vicky Kalogera, física da Universidade de Northwestern, pegou uma semana de férias muito merecidas em Utah em agosto passado. Ela prometeu à sua família que ficaria sem checar o e-mail por uma semana. Não foi uma promessa real, é claro, mas ela ia tentar. Ela tinha preparado o dia perfeito para 17 de agosto. Seu marido estava indo levar as crianças para caminhadas no Parque Nacional Arches, enquanto ela ia passar o dia inteiro no spa. Assim que saiu do quarto, ela só tinha que dar uma olhada no email. Veio a enxurrada de notícias: telescópios e detectores de todo o mundo estavam fazendo uma observação monumental.

“Eu cancelei tudo e acabei trabalhando sem parar desde aquele momento”, ela disse ao Gizmodo.

Nesta segunda-feira (16), físicos e astrônomos de todo o mundo estão anunciando um novo tipo de sinal de onda gravitacional em uma conferência de imprensa da National Science Foundation, em Washington. Mas não foram só ondas gravitacionais. Naquele dia de agosto, os telescópios de raios-X, luz visível, telescópios de rádio e telescópios de raios gama todos captaram ondas gravitacionais originadas a partir do encontro de duas estrelas de nêutrons, girando juntas, colidindo e se fundindo em um buraco negro.

A observação, chamada de “kilonova”, ao mesmo tempo respondeu perguntas como “de onde o metal pesado do nosso universo veio” e “o que gera algumas das rajadas de raios gama que os cientistas vêm observando desde os anos 1960”. Ela também apresentou novas questões.

“Vamos ter muito a fazer mais pra frente”, disse Kalogera.

O telescópio espacial de raios gama Fermi começou a detectar o evento às 10:41 da manhã no horário de Brasília, detectando o que a astrofísica da NASA Julie McEnery chama de uma “explosão de raios gama curtos perfeitamente normal”, um rápido brilho de luz invisível de alguma fonte distante. Os cientistas sabem sobre as rajadas curtas e longas de raios gama há um bom tempo, presumindo que as curtas devem vir de colisão de estrelas de nêutrons, mas não tinham certeza. McEnery, em seguida, recebeu um e-mail com o assunto em caixa alta – as rajadas tinham um amigo. Dois segundos mais cedo, um dos dois Observatórios de Interferômetro Gravitacional de Ondas Laser (LIGO), no Estado de Washington, tinha lançado um alerta de um sinal de onda gravitacional (as pessoas receberam o alerta após o anúncio Fermi). Uma análise posterior revelou que o outro detector LIGO, em Louisiana, também ouviu o sinal, mas teve um problema e não o relatou.

Os detectores do LIGO consistem de dois braços em forma de L, cada um com vários quilômetros de comprimento. Eles separam a luz laser em dois feixes, enviam-nos para os braços através de espelhos e os juntam de volta até um detector. Uma onda gravitacional, uma pequena ondulação na forma do próprio espaço-tempo, faz com que os dois feixes de luz se movam dentro e fora de fase um com o outro à medida que ela passa, fazendo com que os feixes se cancelem e, em seguida, se amplifiquem repetidamente em um padrão em forma de onda. Você pode se lembrar de quando, lá em 2016, os dois detectores LIGO relataram uma forma de onda que soou como o gotejamento da água de uma torneira, resultado de uma colisão de buracos negros. Desta vez, eles relataram um aumento de dois minutos de duração em frequência que levou dois minutos para, enfim, parar.

Imagem: LIGO

Esta onda seria perfeitamente explicada por uma colisão de 130 milhões de anos-luz de distância entre duas estrelas de nêutrons, estrelas mortas tão densas que uma colher de seu material pesaria algo como o peso combinado de todos os seres humanos na Terra. Cada estrela provavelmente tinha uma massa entre uma a duas vezes a do Sol, resultando em um buraco negro com pouco menos de três vezes a massa do Sol. Eles chamaram o evento de GW170817. A colisão teria enviado um feixe luminoso de radiação em uma explosão, chamada de kilonova, mandando ondas gravitacionais em direção à Terra. O terceiro detector de ondas gravitacionais atualmente sensíveis às fontes astronômicas, o Virgo, na Itália, não ouviu as ondas, já que estava no ponto cego do detector. Isso ajudou os pesquisadores a determinarem a localização das estrelas no céu.

“É o equivalente ao que acontece quando dirigimos e usamos um espelho retrovisor para ver os carros atrás de nós”, disse Kalogera. Saber que há um carro, mas não vê-lo no seu retrovisor, significa que ele deve estar no seu ponto cego.

Imediatamente, os astrônomos usaram outros telescópios, como o Dark Energy Camera, no Chile, para localizar a galáxia de origem da fonte – esta câmera grande angular pode tirar imagens de grandes espaços do céu ao mesmo tempo. Eles também usaram outros, como o Very Large Telescope, no Chile, o Observatório Chandra de raios-X, no espaço, e o Hubble para responder perguntas mais específicas. O espectro de cores a partir das observações de luz óptica, por exemplo, revelou uma impressão digital direta de que as duas estrelas deixaram para trás uma enorme nuvem de elementos como ouro, platina e urânio, cujas origens anteriormente não estavam confirmadas, o astrônomo de Harvard Edo Berger disse ao Gizmodo. As ondas de rádio e raios-x mostraram aos cientistas que a explosão de raios gama veio acompanhada de um jato de alta energia de partículas.

“Vimos tudo, desde ondas de rádio a raios-gama – foi surpreendente e espantoso”, disse Berger. “Cada parte do espectro nos diz algo diferente sobre a fusão. Estamos recebendo este quadro completo de tudo o que aconteceu a partir do momento em que as estrelas de nêutrons se colidiram.”

A fonte piscando e desaparecendo entre as linhas amarelas. (Imagem: P.S. Cowperthwaite/E Berger/DECAM/CTIO)

Porém, algumas perguntas permanecem. “O que nós achávamos que sabíamos sobre explosões de raios gama curtos pode não ser a história completa”, disse McEnerey ao Gizmodo. Os raios gama não foram tão fortes como deveriam ter sido, por exemplo, mas outras medições confirmaram que as estrelas de nêutrons estavam surpreendentemente perto. Talvez nós simplesmente não estávamos na linha de fogo. Isso seria reforçada pelo fato de que os detectores de neutrinos não detectaram qualquer uma de suas minúsculas partículas sem carga. Os físicos também se perguntaram por que não houve quaisquer buracos negros entre três e cinco massas solares ou o que aconteceu depois que as estrelas de nêutrons colidiram – entraram em colapso imediatamente até virar um buraco negro ou permaneceram como uma estrela de nêutrons maior por um tempo?

Essa detecção ainda trouxe alguns indícios. “Depois de vermos a fusão em óptica, infravermelho e ultravioleta, dissemos: ‘Isso é mais do que tínhamos esperado se o sistema entrasse em colapso em um buraco negro imediatamente’”, Imre Bartos, professor assistente na Universidade da Flórida disse ao Gizmodo. “É possível que o sistema tenha levado mais tempo para entrar em colapso.”

O anúncio foi mantido em sigilo. Rumores rodaram, e muitos acharam que outra coletiva de imprensa realizada há algumas semanas iria dar as notícias de hoje (em vez disso, ela acabou anunciando outra fusão de buraco negro, de 14 de agosto). A Nature News adivinhou corretamente a fonte em um artigo de agosto, depois de um cientista vazar a informação no Twitter. Os documentos, publicados em várias revistas, incluindo a Nature, não foram distribuídos aos jornalistas antes da coletiva de imprensa desta segunda-feira, como geralmente acontece, o que torna difícil relatar com precisão a história. As promessas de distribuir quaisquer materiais antes do anúncio foram atrasadas.

Imagem: LIGO-Virgem/Frank Elavsky/Northwestern

Ao todo, a descoberta é um marco importante na astronomia de ondas gravitacionais e prova que o LIGO e o Virgo fazem mais do que detectar a colisão de buracos negros. No momento, os detectores estão todos recebendo atualizações de sensibilidade. Quando voltarem a ser ativados, poderão ver outras fontes, como algumas supernovas ou talvez mesmo um coro de fundo de ondas gravitacionais de colisões estelares mais distantes. Os físicos esperam ver esses tipos de eventos de estrela de nêutrons até mesmo uma vez por mês. “Isso é, ao mesmo tempo, extremamente emocionante e realmente aterrorizante, dada a quantidade de esforço e energia para estudar apenas um desses eventos, que nos ocupou durante dois meses”, disse Berger.

Hoje, porém, os cientistas estão principalmente comemorando. E Kalogera espera tirar as merecidas férias. “Tenho a intenção de pegar mais de um dia de folga.”

Imagem do topo: National Science Foundation/LIGO/Sonoma State University/A. Simonnet

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