Orgias ou cerveja? Escolha um

No livro Sexo ao Alvorecer, Christopher Ryan e Cacilda Jethá desmentem a noção da monogamia sexual enquanto algo intrinsecamente humano, argumentando que nós abrimos mão do oba-oba por causa da agricultura. "Agricultura" provavelmente significa "cerveja". Nós trocamos surubas por cervejas?

No livro Sexo ao Alvorecer, Christopher Ryan e Cacilda Jethá desmentem a noção da monogamia sexual enquanto algo intrinsecamente humano, argumentando que nós abrimos mão do oba-oba por causa da agricultura. "Agricultura" provavelmente significa "cerveja". Nós trocamos surubas por cervejas?

Na condição de amante tanto de bebidas quanto de sexo, esta é a mais perplexa questão existencial que eu já enfrentei: será que eu abriria mão de ter fácil acesso a álcool para ter mais fácil acesso a mais parceiros(as) sexuais?

Para condensar um livro lindamente pesquisado em uma sinopse gráfica nojenta, a teoria de Ryam e Jhetá vai mais ou menos por estes lados:

* Antes dos humanos se organizarem em civilizações, nós éramos compostos de pequenos bandos de caçadores/coletores, sem a menor noção de monogamia sexual. Dentro das nossas pequenas tribos, a maioria dos humanos tinham múltiplos parceiros – primariamente de dentro da tribo, mas com umas escapadas ocasionais para manter o banco de genes interessante. As crianças tinham múltiplos "pais sociais", o ciúme praticamente não existia e o acesso relativamente fácil a calorias nos mantinham saudáveis, felizes e satisfeitos até os 70 ou 80 – desde que nós conseguíssemos passar ilesos pelos perigos das altas taxas de mortalidade esperadas em um ambiente selvagem e com medicina primitiva.

* Com a descoberta da agricultura, o deslocamento nômade não era mais possível. Alguém tinha que regar as plantinhas. Então as ideias de propriedade e herança infelizmente se tornaram úteis. A comida cultivada poderia se tornar escassa, diferente do suprimento efetivamente infinito de uma atividade de caça e coleta (ignorando o ocasional mau tempo e golpes de azar na atividade), então fazer uma reserva se tornou necessário para garantir as calorias mesmo nos tempos de escassez. Cultivar dá um trabalhão, por isso passou a ser importante garantir que o fruto do seu trabalho duro não estivesse indo para a boca do filho de outra pessoa, especialmente se isso significasse que o seu próprio filho passaria necessidade. Daí a monogamia, o casamento e o infeliz conceito de parceiros como propriedade, manifestado na sociedade de então como uma tendência de enxergar as mulheres como pertences pessoais.

* Nossos genes, ainda configurados com a liberdade sexual, nos fizeram odiar muito sermos monogâmicos, mas as pressões sociais – incluindo religiões codificadas centralizadas – forçaram homens e mulheres em acordos que causaram problemas novos na mesma medida que resolveram antigos. Os homens traem, as mulheres apodrecem com frustrações sexuais (ou traem), guerras se iniciam por exclusividade de recursos ou de sexo. Um troço bem Velho Testamento, Fúria de Deus.

Este resumo ignora muita coisa legal que está no Sexo ao Alvorecer (nossas similaridades sexuais com os parentes mais próximos, os bonobos; o desmonte da ideia de que a maior parte dos animais é monogâmica; o absolutamente escandaloso apetite humano por sexo e os nossos genitais correspondentemente enormes, e por aí vai), mas é suficiente para deixar clara a parte que é necessária para o que eu quero dizer: que a agricultura alterou fundamentalmente a sexualidade humana.

Corta para Patrick E. McGovern. Em seu livro Uncorking the Past, de 2009 (sem tradução no Brasil), ele levanta a ideia de que os humanos começaram a cultivar grãos não para fazer pão, mas para fermentar bebidas alcoólicas.

É possível que sejamos bebedores há um par de milhões de anos. A "hipótese do macaco bêbado" proposta pelo biólogo Robert Dudley tenta explicar por que os nossos corpos evoluíram a ponto de conseguir metabolizar etanol com relativa facilidade. Do livro:

O fígado humano é especialmente equipado para metabolizar álcool, com cerca de 10 por cento do seu maquinário de enzimas dedicado a gerar energia a partir de álcool. Nossos órgãos olfativos podem perceber aromas alcoólicos com facilidade, e os nossos outros sentidos detectam a miríade de compostos que permeiam as frutas maduras.

Por eras os primatas "se alegravam" com frutas maduras demais, mel fermentado ou grãos coletados e macerados que passaram do ponto de um dia para o outro. (Os primatas não são os únicos animais que ficam altos, também, embora as histórias de elefantes bêbados provavelmente sejam infelizmente apenas exageros.) Nós passamos milhões de anos ficando bêbados sempre que possível, o bastante para evoluírmos nossos corpos a ponto deles conseguirem lidar com isso, mas apenas pegando o goró onde conseguíssemos encontrar, ou fazendo bebidas fermentadas bem simples, se as circunstâncias fossem favoráveis.

Mas aí num belo dia há dezenas de milhares de anos, alguém teve a brilhante ideia de cultivar. Tenho certeza que pareceu uma ótima ideia na hora. Quem reclamaria da possibilidade de ficar bêbado a hora que quisesse? (Um armário ou adega de bebidas bem cheio é a minha medida pessoal de sucesso de uma pessoa, pelo menos.) E ninguém menos que Benjamin Franklyn, um dos arquitetos da sociedade moderna, declarou que "a cerveja é a prova de que Deus nos ama e nos quer felizes".

Mal sabia aquele intrépido pioneiro agrícola que em apenas algumas gerações aquela preguiçosa e imprevisível era de viagens, sexo casual e ocasionais orgias regadas a frutas maduras dariam lugar à terrível força da civilização. Tudo para que pudéssemos trazer umas latinhas de Brahma pra casa no fim do dia.

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