As origens ilegais dos primeiros dispositivos vestíveis da história

Diferente do Apple Watch ou Android Wear, os primeiros vestíveis se originaram na ilegalidade dos cassinos. Conheça a história.

Seja mais saudável! Não se distraia tanto! Seja mais eficiente! O mercado de tecnologias vestíveis se prende à ideia de quantificar mudanças positivas. Os Fitbits e os Apple Watches são vendidos como objetos que nos farão melhores versões de nós mesmos.

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Mas o wearable original não se escondia tanto na devoção a uma vida quantificada: eles foram criados para o simples propósito de roubar dinheiro de cassinos — algo como um Onze Homens e Um Segredo impossivelmente nerd. O início da história da tecnologia vestível é uma história sobre vestir computadores nos centros de apostas de Las Vegas.

Obcecado por jogos de azar, Edward O. Thorp é um professor de matemática e estrategista de blackjack que criou o primeiro computador vestível em 1961 — isso quando a maioria dos computadores era grande, quase que do tamanho de salas inteiras.

Thorp teve a ideia de construir um dispositivo para ferrar com cassinos quando ele ainda era um universitário, em 1955. Depois de testar as próprias teorias em como vencer a casa no blackjack no Lago Tahoe, em Reno, e em Las Vegas, ele se filiou com outro professor de matemática chamado Claude Shannon para fazer um computador vestível que o ajudasse a prever quais seriam os resultados de um jogo de roleta, dando maiores chances aos jogadores.

Shannon e Thorp criaram um dispositivo do tamanho de um maço de cigarros, com 12 transistores, cabeados em pequenos interruptores escondidos nos sapatos. Usando o dedão do pé, eles poderiam manipular os interruptores para dizer ao computador quando a roleta começasse a girar. O computador estimaria onde a bola pararia de onde ela começou, e eles usavam pequenos fones de ouvido para receber um retorno musical do computador. O último tom do retorno musical diria a Thorp onde fazer as apostas, vencendo a mesa em que ele jogava. E funcionou.

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O primeiro dispositivo de Thorp faz hoje parte de uma exibição sobre os primeiros computadores.

Apesar de ter testado o dispositivo em cassinos, Thorp não era ganancioso. Ele só queria provar que isso poderia ser feito, não lucrar com isso. Mas aqueles que criaram os primeiros vestíveis de jogos de azar tinham, sim, esse objetivo.

Davi vs. Golias

Keith Taft era um professor de escola dominical e engenheiro que levava os filhos para casas de repouso para que eles cantassem hinos religiosos para os mais velhos. Um homem do interior devoto da Igreja Batista. Um radical bíblico e abstêmio. Ainda assim, Taft inventou uma série de computadores vestíveis nos anos 1970 com o único objetivo de suprir o próprio vício. E ele os inventou por uma razão que desafiava a sua persona pública: ele queria dinheiro. E muito.

Taft fez experimentos com blackjack em uma brincadeira durante uma viagem em família para Reno, Nevada, nos EUA, deixando de lado a própria moralidade depois de receber um voucher. E isso rapidamente se tornou uma fixação mais forte que seus escrúpulos. Taft estava determinado a ganhar todas as partidas no cassino. Então ele fez o que provavelmente qualquer engenheiro cego pelo vício da jogatina faria: ele passou dois anos construindo um computador de 16-bit e 6 kg para contar as cartas para ele, chamando-o de “George”.

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Taft e “George” à esquerda, “Davi” à direita

Taft amarraria “George” à própria cintura com bandagens, mais ou menos como um homem-bomba (mas sem a parte da bomba), escondendo a pesada máquina de cobre sob um grande casaco que ele vestia durante as apostas que fazia nas mesas. “Eu vi o computador de apostas como uma forma de me tornar independente”, disse ele à Sports Illustrated em 1979, depois de explicar como “George” transmitia instruções a ele por meio de luzes LED instaladas na parte interna dos próprios óculos.

Trabalhando com a precisão de um relojoeiro, ele inseriu uma fileira de sete pequenos diodos emissores de luz um pouco acima das lentes na armação dos seus óculos de aro grosso. Os diodos eram conectados a um computador por um fino fio penteado em seu cabelo que corria até o colarinho. Quanto todos os diodos acendiam, Taft deveria parar de jogar. Quanto todas as luzes se apagavam, Taft deveria continuar a jogar.

O “George” funcionava e melhorava as chances no jogo; mas, além de pesado, ele era um incômodo e Taft era bem ruim na jogatina. Conforme apontou a Sports Illustrated, a máquina chegou a queimar Taft, quando o ácido da bateria espirrou no torso dele.

Quando um apostador novato ganha uma grana, anda com um enorme volume no torso e ainda é queimado por ácido do nada, outros jogadores percebem. Ken Uston, um veterano em blackjack, ouviu sobre a invenção de Taft e quis fazer parte do negócio. Taft precisava da expertise, então ele concordou em oferecer 10% de desconto para fornecer a Uston o equipamento.

Taft desenvolveu um novo modelo chamado “Davi”, que, assim como o modelo desenvolvido por Thorp, era controlado por óculos personalizados. Ele mostrou o vestível rudimentar no mesmo perfil da Sports Illustrated:

“Davi”, de Davi vs. Golias (no caso, os cassinos), é o que Taft chama a bateria e o microcomputador futurista, cada um mais ou menos do tamanho de um maço de cartas, que se escondiam em bolsos costurados no suporte atlético que ele vestia. A todo momento, ao usar o dedo do pé para manipular um par de interruptores que eram conectados a um computador por cabos de cobre que passavam por dentro de suas calças, ele “inseria” o valor de cada carta conforme elas eram jogadas. Assim, o computador, fazendo 100.000 cálculos por segundo, “dizia” a Taft quais seriam as melhores maneiras de jogar por meio de um dispositivo inserido dentro do sapato esquerdo.

Taft manipulou os dispositivos “Davi” para que a recomendação do computador no sapato recebesse os comandos em código Morse. Uston e Taft venceram diversas partidas em Las Vegas usando o “Davi”, e acabaram até mesmo envolvendo os filhos mais velhos de Taft na jogatina, para grande desagrado de sua esposa, uma mulher nervosa que se opunha a jogos de azar. Como um Capitão von Trapp da alta tecnologia ilegal, Taft começou quente, dobrando seus ganhos em uma semana. Mas a sorte não durou: oficiais do cassino pegaram um de seus filhos usando a máquina e a enviaram ao FBI.

Mas o FBI liberou o dispositivo. Ninguém foi denunciado, acusações foram absolvidas. Uston e Taft se separaram, mas Taft ainda queria mais: ele alistou mais vigaristas e a ajuda de jogadores do alto escalão. Taft começou a trabalhar em mais computadores para o crescente círculo de máquinas trapaceiras de blackjack, dispositivos chamados “Thor” e “Narnia”.

Ele continuou os ajustes e desenvolveu uma maneira de contar as cartas presentes na mesa com uma elaborada impressão dental customizada; ele escondeu os cabos que corriam de um protetor bucal até o computador em seu bigode e barba. Ele criou um dos primeiros sistemas de computadores em rede para que a equipe se comunicasse durante as operações.

Amargurado pela hostilidade e táticas sorrateiras dos cassinos, Taft quis ousar mais ao quebrar regras, gastando parte do início dos anos 1980 lucrando em cassinos de Atlantic City e outros pontos de apostas. Ele inventou uma das primeiras câmeras digitais ao inserir uma câmera dentro da fivela de um cinto com um obturador caseiro, além de um monitor faça-você-mesmo de uma polegada preso dentro da camisa, permitindo a ele ver as imagens. Ele a chamava de “Belly Telly”, ou TV da barriguinha, que é um nome fantástico e eu o aplaudo por isso.

Taft, seus amigos e sua prole aprovada montaram um receptor de satélite dentro de um furgão para poder ver o que acontecia nas imagens da câmera, comunicando as informações de volta a ele.

E foi o próprio furgão que acabou por ferrar Taft e sua equipe: no cassino do Lago Tahoe, seguranças prenderam o veículo depois de receber uma ameaça de bomba ao prédio. Quando eles descobriram o elaborado esquema de apostas computadorizadas, eles chamaram a polícia e prenderam a equipe de Taft por usar dispositivos ilegais em apostas.

Taft eventualmente abandonou a jogatina em meados dos anos 1980, cansado das novas estratégias que cassinos desenvolviam para evitar trapaças, além da morte de um de seus filhos em um acidente de rafting, e a prisão de seus amigos. Ele nunca chegou a fazer fortuna com os aparelhos. O homem pioneiro da tecnologia vestível voltou à vida antiga, se aposentando e se tornando um pastor da Igreja Batista. Ele faleceu em 2006.

O legado de Taft continua no mundo das apostas: dispositivos que ajudam a contar e analisar o que se passa em uma mesa são quase que universalmente ilegais. Mas as conquistas que ele alcançou não são tão discutidas quanto mereciam. O cara estava construindo e usando computadores vestíveis antes de todo mundo (além de Thorp). O aparelho mais próximo a isso foi o relógio calculadora da Pulsar, que foi lançado em 1975. Ele poderia alcançar um grande sucesso dentro de empresas como Intel ou HP. Ele estava muito além de seu tempo.

Porém o gentil arruaceiro estava focado demais nos cassinos para pensar em compartilhar as suas inovações tecnológicas, quase cômicas, com empresas grandes. Ele era um tonto iconoclasta da melhor maneira possível, e quando a presunção dos vestíveis de hoje me deixam triste, sempre me lembro do criativo Taft e como ele inventou uma categoria inteira de gadgets só porque amava jogar.

Fontes: Blackjack Forum Interview | Sports Illustrated | The High Tech Gambler: The True Story of Keith Taft & His Astonishing Machine | University of Virginia | Las Vegas Advisor

Imagem por IMEF

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