Os ensinamentos sagrados da cultura geek

As Leis da Robótica de Isaac Asimov ou frases de super-heróis como “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidade” não são apenas pedacinhos famosos da cultura geek. De certa forma, elas explicam os nosso valores morais e, com o distanciamento cada vez maior das religiões tradicionais, acabam virando as escrituras sagradas dos nossos tempos pós-modernos. Se […]

As Leis da Robótica de Isaac Asimov ou frases de super-heróis como “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidade” não são apenas pedacinhos famosos da cultura geek. De certa forma, elas explicam os nosso valores morais e, com o distanciamento cada vez maior das religiões tradicionais, acabam virando as escrituras sagradas dos nossos tempos pós-modernos. Se você pudesse conversar com um Jedi ele ensinaria mais ou menos o mesmo que Moisés, Buda ou Abraão. Ou é mais ou menos isso que pensam os autores do livro Geek Wisdom, lançado este mês nos EUA. Espécia de auto-ajuda geek, o almanaque traz algumas análises interessantes sobre os discursos de nossos ídolos imaginários e os ensinamentos por trás deles. Traduzimos três microcapítulos para você refletir neste domingo.

 

Introdução

Geek Wisdom é o primeiro compêndido de ensinamentos sagrados vindos de várias fontes de “escritura sacra” dos geeks, esta massa esquisita de cultura pop e arte variando de cinemas-pipoca a romances esotéricos e slogans clássicos de camisetas. Star Wars, A Princesa Prometida, Albert Einstein, Stan Lee. De fontes como estas nós juntamos (e nos debruçamos sobre) as mais profundas e puras ideias e ditos que poderíamos encontrar. Aqueles que acertam em cheio o coração da vida no século vinte e um. Aqueles que nós nos referimos como se fosse da Bíblia, ou de Shakespeare. Aqueles que, cada vez mais, emergiram do underground para formar a estrutura celular de um novo cânone da nova cultura. A escritura da nossa cultura. E com ela faça-se com que os geeks herdem a Terra.

* * *

“Pior. Episódio. De todos.”
– Cara dos Quadrinhos, Os Simpsons

“Bazinga!”
– Sheldon, The Big Bang Theory

Se os geeks têm algo de sobra, é opinião. Nós bradamos nossas visões de mundo como espadas vorpais +1, invocando furiosamente o nosso julgamento sobre entretenimento descartável como se estivéssemos debatendo as escrituras. Aqueles entre nós que já frequentaram fóruns de Internet e salas de chat não apenas conhecem pessoas como o Cara dos Quadrinhos dos Simpsons, nós já fomos ele. Nós nos equilibramos em uma sensível corda bamba entre uma admirável paixão pelas coisas que a gente gosta – naves espaciais, super poderes, heróis, histórias fantásticas – e uma militância quase assustadora sobre A Maneira Certa de Gostar dessas coisas. Isso é parte de nós. O Cara dos Quadrinhos enche o saco não só porque ele é chato – apesar de ser –, mas porque nós, em nossos piores momentos, também podemos ser cegamente críticos e socialmente ineptos. Faz tempo que saímos dos quartos e porões, tomamos conta da cultura popular e desenvolvemos a capacidade de rir da imagem que nós, enquanto coletivo, um dia projetamos.

Mesmo assim, às vezes nós regredimos.

Um dos embaixadores mais visíveis da cultura geek desta década, o Sheldon Cooper de The Big Bang Theory é um físico teórico bem sucedido em tudo, desde um Ph.D. na pré-adolescência ao domínio das regras daquele clássico jogo chamado Pedra, Papel, Tesoura, Lagarto, Spock. Levando o velho estereótipo do CDF assexuado a alturas nunca antes imaginadas, Sheldon é um acadêmico metódico e higiênico que, ainda assim, tem amigos cujas companhias o beneficiam muito. Em teoria, ele é exatamente o tipo de pessoa que muitos geeks apontariam como porta-bandeira. Mas à medida que a narrativa do seriado foi evoluindo, as piadinhas que os outros personagens faziam às custas do Sheldon foram ganhando cada vez mais reação dele: a sua excentricidade virou infantilização, as suas observações secas e diretas começaram a soar cada vez mais como provocações completamente arrogantes e as suas piadas internas viraram bordões enlatados prontos para serem usados em qualquer cena que os roteiristas não conseguissem encerrar coerentemente. (Sim, estou falando do “Bazinga”.) Geeks do mundo, não permitam que isso aconteça com vocês. Tudo bem que nós gostamos de nos esbaldar na nossa própria nerdice, mas é fácil acabar no lado negro sem perceber. Tente não se tornar uma caricatura de você mesmo. E se você insiste em ter um bordão pessoal, pelo amor de Deus, tente não usá-lo toda hora.

 

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“The cake is a lie.”
– PORTAL

GLaDOS, a inteligência artificial que serve como antagonista em Portal, o jogo da Valve aclamado pela crítica, possui uma característica rara e inesperada para um computador. Ela mente. Quando ela te diz “vai ter bolo”, na verdade ela está querendo dizer que vai ter morte. Mas, ei, bolo não soa muito melhor? Essa hipotética porção de sobremesa inexistente é a maneira subjetiva que Portal usa para simbolizar as mentiras que nos contam o tempo todo em qualquer sistema opressivo e mentiroso. O bolo é a promessa de segurança que serve como desculpa para políticas intrusivas que governos tomam contra seus inimigos. É o “eu te amo e prometo que não vai se repetir” do marido que agride a mulher. É a propaganda da nova melhor coisa do mundo que você precisa comprar porque vai fazer o amanhã melhor que o hoje. Todos nós já recebemos a promessa do bolo. Alguns de nós, depois de centenas de vezes pegando a colher, percebem o que realmente está sendo servido e tentam contar para as pessoas o que vimos. O problema e fazê-las ouvir. Porque, afinal, quem não quer bolo?

 

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*“I CAN HAS CHEEZBURGER?”
– Meme da Internet
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Pegue duas notícias. Uma fala sobre um crime horrível, talvez um homicídio duplo. Misture um incêndio criminoso, para ficar ainda pior. A outra notícia envolve um vídeo no YouTube em que um fofíssimo filhotinho de gato é chutado por um adolescente babaca. Duas pessoas mortas e uma casa em chamas depois, haverá dez, vinte, cem vezes mais revolta com o gatinho chutado. O fato é que nós nos reconhecemos como os macacos muito inteligentes, mas muito cruéis, que somos, e nos atraímos pelo que vemos como a inocência pura dos nossos animais de estimação. Alguém poderia chamar isso de baixa autoestima, mas é mais do que isso. É uma manifestação do nosso senso de justiça. As vítimas são humanos? Que triste, mas fazer o quê? Pessoas são ruins. As vítimas são gatinhos? Inaceitável! Peguem as tochas e os arados! Por isso, quando um gato amante de “cheezburger” causou uma explosão de imagens de felinos com dificuldades gramáticas, a cultura geek não estava apenas dando umas risadas. Ela estava colocando seus braços protetores em volta da materialização da própria inocência que nos falta enquanto espécie.

 

* Geek Wisdom foi lançado em 2 de agosto deste ano e é editado por Stephen H. Segal. São 224 páginas que começam com uma citação famosa e se desdobram em reflexões sobre nossa cultura. Custa US$ 9,95 na Amazon. Recomendamos!

 

 

 

 

* Imagem do título: camiseta da RedBubble.

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