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Pacientes relatam declínio cognitivo após infecção por coronavírus

O estudo, baseado em um teste online, descobriu que o COVID-19 pode causar problemas neurológicos mesmo em pessoas com casos leves.

Pedestres atravessando uma rua em Londres em outubro de 2020. Foto: John Phillips (Getty Images)

Um estudo com mais de 84.500 pessoas reforça as indicações anteriores de que sobreviver ao novo coronavírus pode estar associado a déficits cognitivos potencialmente graves, informou a Reuters na terça-feira (27). O novo estudo é baseado em uma pesquisa online e tem algumas limitações importantes. Mesmo assim, outras pesquisas descobriram que o COVID-19 pode causar problemas neurológicos mesmo em pessoas com casos leves.

A equipe de pesquisa, liderada por Adam Hampshire do Imperial College London, revisou os dados do Great British Intelligence Test — um projeto colaborativo com a BBC2 Horizon que coleta uma ampla gama de dados de testes cognitivos e questionários. Ele foi expandido para incluir perguntas sobre a infecção por COVID-19 em maio.

No conjunto de dados de cerca de 84.500 pessoas, 9.201 relataram infecções sem sintomas respiratórios; 3.466 apresentavam dificuldades respiratórias, mas não obtiveram assistência médica; 176 necessitaram de atenção médica em casa; 147 foram hospitalizados; e outros 60 tiveram que utilizar ventilador.

“Pessoas que se recuperaram, incluindo aquelas que não relataram mais os sintomas, exibiram déficits cognitivos significativos de acordo com a idade, gênero, nível de educação, renda, grupo étnico-racial e distúrbios médicos preexistentes”, escreveram os pesquisadores no estudo. “Eles tiveram um efeito de tamanho substancial para pessoas que foram hospitalizadas, mas também para casos leves, mas biologicamente confirmados, que relataram nenhuma dificuldade respiratória.”

O GBIT é uma pesquisa online em que os entrevistados respondem a uma variedade de perguntas sobre sua situação de vida, além de completar tarefas destinadas a medir suas habilidades na resolução de problemas semânticos, memória espacial de trabalho, atenção seletiva e processamento emocional. Esses resultados, por sua vez, são usados ​​para avaliar as pontuações cognitivas gerais de uma população.

Neste estudo, os pesquisadores não tinham dados de antes e depois dos entrevistados que disseram ter contraído o coronavírus. Em vez disso, eles calcularam quantos foram os desvios padrão de suas pontuações cognitivas em relação aos padrões saudáveis, levando em consideração fatores como idade, sexo, educação, renda, grupo étnico-racial e condições médicas preexistentes.

Os pesquisadores escreveram que os resultados da pesquisa indicaram que os déficits cognitivos foram correlacionados com o grau de atenção médica recebida, uma indicação da gravidade de cada caso. Os mais graves foram aqueles que foram hospitalizados e exigiram o uso de um respirador, cujas pontuações globais compostas do GBIT foram “equivalentes ao declínio médio de 10 anos no desempenho global entre as idades de 20 e 70 neste conjunto de dados” e maiores do que o déficit médio de quem relatou AVC ou dificuldade de aprendizado.

Os “déficits foram amplos, afetando vários domínios cognitivos”, acrescentaram os pesquisadores, embora fossem mais aparentes na “resolução de problemas semânticos e atenção seletiva visual, enquanto moderados em testes de funções mais simples, como processamento emocional e extensão da memória de trabalho”.

Dito isso, há algumas advertências importantes aqui. O estudo não foi revisado por pares e se baseou em questionários e testes online — especialistas disseram à Reuters que seu design era inerentemente limitado. Em particular, os efeitos observados podem não persistir a longo prazo.

Joanna Wardlaw, professora de neuroimagem aplicada na Universidade de Edimburgo, disse à Reuters: “A função cognitiva dos participantes não era conhecida antes de contraírem COVID-19, e os resultados também não refletem a recuperação a longo prazo — portanto, quaisquer efeitos sobre a cognição podem ser de curto prazo”.

O professor de ciências por imagem médica da University College London, Derek Hill, disse à agência de notícias que os resultados não continham pontuações de antes e depois, e a grande maioria dos que disseram ter apresentado sintomas do coronavírus não relatou testes positivos para ele, o que significa que muitos podem ter se autodiagnosticado. No entanto, o teste positivo para o vírus foi associado a resultados piores no GBIT, mesmo entre aqueles com casos leves.

Hill disse que o estudo foi “uma intrigante, mas inconclusiva pesquisa sobre o efeito do COVID no cérebro”, acrescentando que pesquisas de longo prazo são necessárias para entender se esse dano cerebral é permanente.

Este estudo contribui para um conjunto de conhecimentos que sugere que o vírus SARS-CoV-2 pode causar danos neurológicos. Alguns pacientes relataram perda de olfato ou paladar (em casos raros, talvez permanentemente), e pesquisas médicas publicadas este ano encontraram evidências de complicações neurológicas que variam de comprometimento cognitivo ou delírio a inchaço e hemorragia no cérebro em um pequeno número de pacientes.

Os cientistas suspeitam que as tempestades de citocinas, nas quais o sistema imunológico do corpo ataca suas próprias células indiscriminadamente, podem ser uma causa dos danos ao sistema neurológico e ao coração.

Essas observações não seriam sem precedentes. Pesquisadores médicos observaram surtos de sintomas neuropsiquiátricos em pandemias virais anteriores. Em um estudo publicado no início deste ano, cientistas da Universidade da Califórnia em San Diego argumentaram que uma onda potencial de doenças neurológicas causada pela pandemia exigirá atenção de longo prazo por parte da comunidade médica.

“Também queremos que as pessoas estejam cientes de que o sistema nervoso pode estar envolvido no COVID-19, então esperamos que as pessoas conversem com seus médicos sobre quaisquer sintomas emocionais, comportamentais, cognitivos ou sensório-motores que possam ter ao longo de sua recuperação”, disse Emily Troyer, autora principal do estudo e psiquiatra da UCSD, disse ao Gizmodo na época. “Não queremos causar mais preocupação às pessoas — apenas queremos que as pessoas saibam que devem conversar com seus profissionais de saúde sobre esses tipos de sintomas, se eles surgirem, e juntos vamos superar isso”.

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