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Parasita raro e quase erradicado pode ter ressurgido no Vietnã e infectado ao menos uma pessoa

Médicos no Vietnã nesta semana dizem ter feito uma descoberta misteriosa e — se for mesmo o caso — alarmante: um residente local que estava infestado pelo quase extinto verme-da-Guiné. Especialistas ainda estão tentando confirmar se este caso é verdadeiro e, em caso afirmativo, como o verme conseguiu chegar a um país a milhares de […]

O pé de uma pessoa infectada pelo verme-da-Guiné, data desconhecida. Foto: Museu Nacional de Saúde e Medicina dos EUA

Médicos no Vietnã nesta semana dizem ter feito uma descoberta misteriosa e — se for mesmo o caso — alarmante: um residente local que estava infestado pelo quase extinto verme-da-Guiné. Especialistas ainda estão tentando confirmar se este caso é verdadeiro e, em caso afirmativo, como o verme conseguiu chegar a um país a milhares de quilômetros de distância da África, seu único refúgio remanescente conhecido.

O verme-da-Guiné, formalmente conhecido como Dracunculus medinensis, é um parasita antigo que possivelmente foi relatado até mesmo na Bíblia e nomeado em referência à região africana onde os exploradores europeus do século 17 relataram tê-lo visto pela primeira vez. É um nematoide que depende dos seres humanos como parte de seu ciclo de vida.

O verme geralmente infecta as pessoas através da água potável contaminada com pequenos crustáceos que comeram larvas de vermes. Quando esses primeiros hospedeiros morrem, os vermes se libertam e penetram no abdômen a partir da parede intestinal, onde crescem até a fase adulta e começam a se acasalar.

Quando a minhoca mamãe (que é muito mais longa que os vermes machos e pode se estender até 80 centímetros de comprimento) está pronta para entregar sua descendência, ela migra para perto da superfície da pele, geralmente ao longo de pernas e pés.

Então, ela rompe a pele de maneira bastante dolorosa, causando uma tremenda sensação de queimação, que deixa seus hospedeiros desesperados para se refrescar na fonte de água mais próxima. Assim que isso acontece, a mãe esguicha sua ninhada de larvas na água, onde o ciclo muito perturbador começa novamente.

Desde a infestação até a substituição de um bebê verme, o processo pode levar um ano. Mas ainda pode levar várias semanas dolorosas para que o verme original — ou vermes — seja removido, o que pode deixar as pessoas em risco de outras infecções e com limitações de mobilidade por meses.

Recentemente, na década de 1980, o verme-da-Guiné era comumente encontrado em áreas tropicais e subtropicais da África e Ásia e infectava milhões de pessoas no continente africano anualmente.

Mas um programa de erradicação de décadas combateu de maneira contundente o parasita, fazendo ele ficar reduzido a apenas um punhado de países e casos na África por ano. Esses esforços sofreram um contratempo recentemente, com a descoberta de que o verme também pode infectar cães.

Mesmo assim, ainda se espera que ele seja varrido da face da Terra até 2030. Isso torna o caso potencial no Vietnã ainda mais desconcertante e preocupante.

No domingo, em um artigo traduzido para o inglês, o Saigon Giai Phong Online relatou que os médicos do Hospital Nacional de Doenças Tropicais de Hanói encontraram um jovem com abscessos nas pernas e depois nos braços.

Depois que o homem foi hospitalizado, os médicos removeram “cinco vermes intestinais raros” de suas mãos. O site diz que um desses médicos identificou os vermes como o Dracunculus medinensis, medindo entre 30 e 60 centímetros de comprimento. O médico também observou que esses vermes nunca foram encontrados no Vietnã.

De acordo com Adam Weiss, diretor do Programa de Erradicação do Verme-da-Guiné do Carter Center, uma organização de direitos humanos fundada pelo ex-presidente dos EUA Jimmy Carter, não é impossível que o caso desse homem seja realmente um verme da Guiné.

Tanto este programa quanto a Organização Mundial da Saúde estão tentando entrar em contato com os médicos do Hospital Nacional de Doenças Tropicais do Vietnã para checar se ainda há amostras do verme para verificação. Também é possível que este seja um caso simples de identificação equivocada.

“Quando você considera todas as doenças do mundo, há muitas outras coisas que poderiam ser. E se você não tem o nível de especificidade que exigiríamos, pode ser difícil corroborar”, diz Weiss ao Gizmodo por telefone. “Isso não significa que este seja um verme-da-Guiné.”

Por exemplo, existem outras espécies de Dracunculus que assolam o mundo, embora não se tenha registros de que elas infectem regularmente seres humanos. Muitos outros parasitas humanos não relacionados também poderiam se assemelhar à aparência branca e longa da fêmea madura, pelo menos à primeira vista.

O fato de o homem ter comido peixe cru e caranguejos, porém, não exclui a possibilidade de contaminação pelo verme-da-Guiné. Embora ele geralmente se espalhe pela água contaminada, há evidências de que as larvas podem sobreviver temporariamente em peixes de água doce por tempo suficiente para infectar pessoas que comem os animais aquáticos contaminados. O artigo não indica se o peixe comido pelo homem vivia em água doce ou salgada.

Se especialistas externos puderem examinar os vermes, uma olhada no microscópio deverá revelar as principais partes do corpo que confirmariam se é mesmo um verme-da-Guiné, diz Weiss. Certos métodos de preservação podem tornar um exame físico menos útil, pois geralmente secam o verme, mas ainda é possível testar o DNA deles. E se a identidade for confirmada, uma análise genética ajudaria a descobrir se sua linhagem remonta aos parasitas que atualmente vivem na África.

Até agora, os esforços do Gizmodo para entrar em contato com o Hospital Nacional de Doenças Tropicais não foram bem-sucedidos. Mas Dieudonné Sankara, que lidera a equipe de erradicação e eliminação no Departamento de Controle de Doenças Tropicais Negligenciadas da OMS, disse por e-mail que eles estão bem cientes da situação e continuam investigando.

“Como existem outros tipos de parasitas que podem imitar a dracunculíase, novas investigações estão sendo realizadas para confirmar se essa é uma verdadeira doença do verme-da-Guiné”, diz ele. “Se for isso mesmo, serão necessárias pesquisas adicionais e investigações epidemiológicas para entender toda a extensão e como chegou ao Vietnã”.

Se o verme-da-Guiné de alguma forma foi parar no Vietnã, é muito improvável que apenas uma pessoa tenha tido o azar de ser infectada por ele. Portanto, a possibilidade de sua existência no Vietnã precisa ser investigada seriamente, pois pode ter implicações terríveis nos esforços de erradicação. Mas, por enquanto, ainda é muito cedo para adicionar os esses parasitas à lista de coisas horríveis que estão voltando em 2020.

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