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A polêmica sobre a espécie “Homo naledi” é ótima para a ciência

Cientistas questionam a descoberta de uma nova espécie de hominídeos, mas seus pesquisadores merecem elogios por serem tão transparentes com os dados.

A descoberta do Homo naledi, que parece ser uma nova espécie semelhante à humana, vem sendo bastante questionada por paleoantropólogos.

Para começar, há um debate para saber se os Homo naledi são de fato uma nova espécie. Alguns antropólogos, como Jeffrey Schwarz, dizem que a espécie parece mais com um ancestral dos primeiros humanos a partir de um gênero diferente, os Australopithecus.

Outros, como Tim White, dizem que o fóssil descoberto próximo a Johanesburgo, na África do Sul, provavelmente pertence aos Homo erectus. White diz que o pesquisador do Homo naledi, Lee Berger, cometeu alguns equívocos.

Enquanto isso, alguns no campo vêm criticando Berger por não datar a sua descoberta, enquanto outros questionam as afirmações de Berger de que os restos mortais foram deliberadamente enterrados na caverna Rising Star, onde foram encontrados.

Mas o debate é possível em primeiro lugar porque Berger publicou suas descobertas muito mais rápido que o normal, em uma revista de acesso aberto, e imediatamente ofereceu scans digitais dos espécimes para baixar ou imprimir em 3D.

A ideia das publicações científicas é que, quando você publica, está colocando seus dados e métodos para que outros cientistas vejam e comentem – e julguem. Em tese, cientistas devem ler esses documentos e, assim, checar o trabalho dos outros.

A polêmica em relação às conclusões de Berger é o que deve acontecer com mais frequência na comunidade científica.

Demora muito tempo para dizermos qualquer coisa em paleoantropologia


Imagem por Patrick Randolph-Quinney (2015)

A paleoantropologia se move lentamente, até mais do que outros campos da ciência. Pense em Barbávore e outros Ents de O Senhor dos Anéis. Quando uma expedição de campo encontra um espécime, pode demorar de dez a quinze anos até que os pesquisadores compartilhem as descobertas com o resto da comunidade científica e com o público geral – ao publicar em uma revista científica.

De certa forma, isso faz sentido. Escavar um sítio arqueológico exige um trabalho cuidadoso e muita documentação – em parte porque os fósseis em si são muito frágeis, e em partes porque é importante preservar as informações sobre onde os fósseis estavam em relação aos outros, e em que camada do solo eles foram encontrados. Essas informações ajudam pesquisadores a datarem os fósseis e a reconstruir o que pode ser acontecido naquele sítio. Às vezes é preciso passar algumas estações do ano em campo para fazer isso corretamente.

Os paleontólogos tradicionais dizem que leva mais tempo ainda para analisar os fósseis, compará-los com outros espécimes, e verificar novamente o trabalho.

O problema é que, assim como cientistas de outros campos, paleontólogos frequentemente são bastante possessivos em relação a seus dados e espécimes. Então, enquanto alguns dos mais antigos na área levam dez anos para interpretar os fósseis, normalmente mais ninguém consegue observá-los. Não é comum que os espécimes – nem mesmo imagens deles – e os dados sejam compartilhados com outros cientistas.

Então paleontólogos trabalham dessa forma por uma década antes de finalmente ter bastante certeza das conclusões para publicá-las, normalmente acompanhadas de fotografias e tabelas de medidas. Mesmo depois da publicação, ainda pode demorar anos até que os fósseis sejam observados por outros pesquisadores ou professores que estejam interessados neles.


John Hawks via Wikimedia Commons

Berger quebrou a tradição ao publicar seus trabalhos em apenas dois anos, e ao liberar escaneamentos digitais dos fósseis para que outros cientistas possam fazer réplicas em impressoras 3D. Foi bastante inesperado, e muita gente na área ficou feliz de ver isso.

Os críticos de Berger podem estar certos ao dizer que ele apressou a pesquisa e a escavação, em partes para se adequar ao calendário das equipes de filmagem da National Geographic. Podem estar certos quando dizem que o processo de revisão da eLife foi relaxado o suficiente para permitir a publicação de um artigo científico cheio de erros. Se for o caso, essas coisas serão evidentes na qualidade do trabalho da expedição, que é fácil de avaliar: todos os dados estão abertos, detalhados, para qualquer um que quiser checar, verificar ou desacreditar. E é assim que a ciência deveria funcionar.

E o debate está acontecendo, em partes, na mídia popular, desde o trabalho de Berger na National Geographic aos artigos de seus críticos na Time e Newsweek. O público está assistindo, e isso não apenas coloca holofotes no campo da paleoantropologia como também na natureza do debate científico. Mesmo que Berger e sua equipe estejam errados, ao menos em um ponto eles acertaram. [The Guardian]

Primeira imagem: John Hawks_Wits University/CC

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