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Descoberta de pontas de lança no Texas faz arqueólogos questionarem história antiga das Américas

Arqueólogos descobriram duas formas desconhecidas de tecnologia de ponta de lança em um sítio arqueológico no Texas. As lâminas triangulares parecem ser mais antigas que as pontas de projéteis produzidas pela cultura paleoamericana Clóvis, uma observação que está complicando nossa compreensão de como as Américas foram colonizadas — e por quem. Pontos de lança estilo […]

Arqueólogos descobriram duas formas desconhecidas de tecnologia de ponta de lança em um sítio arqueológico no Texas. As lâminas triangulares parecem ser mais antigas que as pontas de projéteis produzidas pela cultura paleoamericana Clóvis, uma observação que está complicando nossa compreensão de como as Américas foram colonizadas — e por quem.

Pontos de lança estilo Clóvis começaram a aparecer por volta de 13 mil a 12,7 mil anos atrás e eram produzidas por caçadores-coletores paleoamericanos conhecidos como o povo Clóvis. Feitas de pedras, essas pontas em forma de folha (lanceoladas) tinham uma base côncava rasa e uma base estriada ou escamada que permitia que elas fossem colocadas na ponta de uma lança.

Uma nova pesquisa publicada na Science Advances descreve a descoberta de duas novas tecnologias de ponta de lança no Complexo Buttermilk Creek, no sítio arqueológico Debra L. Friedkin, no condado de Bell, no Texas (EUA), que datam de 13,5 mil a 15 mil anos atrás. Como essas pontas de lança são anteriores à cultura Clóvis, elas podem ter inspirado o desenvolvimento de estilos de pontas de projéteis subsequentes, incluindo aquelas feitas pelo povo Clóvis, disse Michael Waters, principal autor do novo estudo e arqueólogo da Texas A & M University. Ou isso, disse Waters, ou as pontas de lança anteriormente desconhecidas foram trazidas para a América do Norte durante uma migração separada para o continente.

Mas nem todos estão convencidos por essa pesquisa mais recente. Os especialistas com quem falamos disseram que ela marcou uma descoberta importante, mas que as conclusões alcançadas pelos pesquisadores eram um pouco exageradas.

Pontas de projéteis encontradas no sítio arqueológico Friedkin. Imagem: M. R. Waters et al., 2018/Science Advances

A tecnologia de ponta de lança do povo Clóvis já foi considerada o primeiro exemplo de atividade humana na América do Norte. No entanto, uma série de descobertas importantes feitas nas últimas décadas anulou, em grande parte, essa suposição. Evidências arqueológicas e genéticas sugerem agora que os seres humanos chegaram à América do Norte entre 15 mil e 16 mil anos atrás, e não há 13,5 mil anos, como se acreditava.

Para complicar ainda mais as coisas, os arqueólogos descobriram evidências de um estilo diferente de tecnologia de ponta de lança, apelidada de tradição Western Stemmed. Essas pontas de projéteis eram fabricadas por pessoas que viviam no oeste da América do Norte; suas pontas tinham forma de folhas como as de Clóvis, mas, em vez de serem estriadas, elas eram afuniladas na base para formar o caule.

A base dessas pontas sugere que elas passaram por um processo de hafting (processo pelo qual um artefato, geralmente osso, metal ou pedra, é preso a um cabo) na lança de uma maneira diferente do que as pontas de Clóvis. A mais antiga evidência da tradição Western Stemmed remonta a cerca de 13 mil anos atrás, levando os arqueólogos a se perguntar se existia alguma conexão entre as pontas Western Stemmed as de Clóvis. Mas, agora, a descoberta de pontos pré-Clóvis no sítio arqueológico de Friedkin sugere que essa tradição de fabricação surgiu antes da invenção do povo Clóvis e que ela pode até ter servido como precursora.

Arqueólogos têm trabalhado no sítio arqueológico de Friedkin desde 1998, retirando artefatos e outras evidências de uma antiga cultura paleoamericana. No novo estudo, Waters e seus colegas descrevem 238 ferramentas recentemente descobertas no local, incluindo 12 pontas de projéteis completas e fragmentadas. Usando uma técnica de datação bem estabelecida conhecida como Luminescência Opticamente Estimulada (OSL, na sigla em inglês), os pesquisadores dataram diretamente os sedimentos dentro dos quais as pontas de projéteis e outros artefatos foram enterrados, chegando a um intervalo entre 13,5 mil e 15,5 mil anos atrás. Curiosamente, esses artefatos foram encontrados em depósitos diretamente abaixo de uma camada geológica mais nova que continha artefatos do povo Clóvis. Os autores do novo estudo dizem que a descoberta é significativa porque praticamente todos os sítios pré-Clóvis continham ferramentas de pedra, mas nunca tiveram qualquer ponta de lança.

Os estilos de pontas recém-descobertos vêm em duas formas: na maioria, pontas lanceoladas, ou em forma de folha, com caule datadas entre 15,5 mil e 13,5 mil anos atrás e pontas com caule triangulares que datam de 14 mil a 13,5 mil anos atrás.

“Nossa descoberta mostra que as pontas de caule são anteriores aos estilos de pontas lanceoladas”, disse Waters ao Gizmodo. “Dada a idade do sítio arqueológico de Debra L. Friedkin — os primeiros humanos a carregar pontas de caule provavelmente chegaram ao entrar nas Américas ao longo da costa do Pacífico. Formas de ponta lanceoladas posteriores — como do povo Clóvis — podem ter se desenvolvido a partir das formas pontiagudas, ou uma segunda migração de pessoas carregou algum tipo de ponta lanceolada, como a forma lanceolada triangular que encontramos no sítio arqueológico de Friedkin, e isso se desenvolveu até chegar no estilo Clóvis.”

Waters disse que esses são os dois cenários mais prováveis. Já está bem estabelecido que a cultura Clóvis se originou na América do Norte, ao sul das camadas de gelo continentais, disse ele, e que as pessoas não carregaram as pontas Clóvis do Alasca até as partes não glaceadas da América do Norte.

“O povoamento das Américas durante o final da última era do gelo foi um processo complexo”, disse Waters. “Essa complexidade é vista no registro genético. Agora, começamos a ver essa complexidade refletida no registro arqueológico.”

Escavações no sítio arqueológico Debra L. Friedkin, em 2016. Imagem: Centro de Estudos dos Primeiros Americanos, Texas A&M University

Ben Potter, arqueólogo da Universidade do Alasca Fairbanks que não está afiliado ao novo estudo, disse que o artigo está trazendo alguns novos detalhes importantes sobre o sítio arqueológico de Friedkin. O fato de o local ser anterior a Clóvis em cerca de 500 a 1,5 mil anos faz do estudo “uma contribuição significativa para o registro (arqueológico)”, disse Potter ao Gizmodo. No entanto, ele teve alguns problemas com o artigo.

“Esse estudo se baseia quase exclusivamente na datação por OSL (luminescência opticamente estimulada) e na comparação de uma única classe de artefatos — pontos de projéteis —, não em genética ou em análises tecnológicas, econômicas ou paleoecológicas detalhadas”, afirmou Potter. “Argumentos sobre etnogênese (origem) e relações populacionais com base apenas em [artefatos de pedra] são difíceis, na melhor das hipóteses. Aqui, temos milhares de anos e milhares de quilômetros entre alguns sítios pré-Clóvis, com níveis diferenciais de suporte empírico e aceitação na comunidade arqueológica mais ampla.”

Potter também não está entusiasmado com as barras de erro bem grandes conectadas à datação; as datas fornecidas pelos pesquisadores têm um mais-menos que varia de 12.665 a 17.760 anos atrás, o que é significativo. Ele disse que a datação por radiocarbono em elementos e artefatos culturais forneceria uma “cronologia mais precisa e segura”.

“Concordo com a afirmação dos autores, ‘a conexão entre os conjuntos de artefatos… e depois Clóvis e as tradições Western Stemmed permanece incerta'”, afirmou Potter. “Não acho que esse artigo tenha nos levado muito além”, observou, acrescentando: “A amostra de pontas pré-Clóvis é minúscula e difícil de usar para inferir relações de população em escalas continentais. Em suma, os autores apresentam dados interessantes e importantes sobre o sítio arqueológico de Friedkin, mas não estou convencido das hipóteses especulativas de uma única migração antiga de pontas de caule de ancestrais nativos americanos”. Em outras palavras, Potter não acredita que os pesquisadores tenham razão em especular que os artefatos representam uma categoria significativamente nova de ponta de lança.

Stuart Fiedel, arqueólogo sênior do Grupo Louis Berger e especialista em cultura pré-Clóvis que também não esteve envolvido no estudo, argumentou que Water e seus colegas fizeram um trabalho ruim na interpretação das pontas de projéteis.

“Os recém-relatados bifaces de Friedkin são, na maioria, dicas e meios indescritíveis, assim como algumas pré-formas quebradas que provavelmente são artefatos do povo Clóvis”, disse Friedkin ao Gizmodo. “Os dois espécimes completos são um triângulo alongado e um lanceolado com caule em forma de rabo de peixe. O triângulo é semelhante a vários tipos que acontecem esporadicamente ao longo da sequência cultural paleoindiana e arcaica no Texas, enquanto a ponta em forma de rabo de peixe parece lembrar à variante vitoriana do tipo Angostura, que data de aproximadamente 8,5 mil anos a 10,4 mil anos atrás. Muitas pontas de Angostura foram encontrados no sítio de Friedkin, dentro de uma área vertical de 80 centímetros. Essas semelhanças óbvias entre supostos artefatos pré-Clóvis e pontas posteriores encontradas em sedimentos sobrejacentes são meramente coincidentes?”

É importante destacar que Fiedel disse que os autores não mencionaram que o solo no sítio arqueológico de Friedkin é classificado como um vertissolo; o solo argiloso no local é propenso a desenvolver rachaduras verticais longas, por meio das quais os artefatos podem se mover para cima e para baixo. Esses processos do solo, segundo ele, podem resultar na distribuição vertical de pequenos artefatos, como os descritos no novo artigo.

Claramente, é preciso fazer mais trabalhos nessa área. A arqueologia é complexa, e é preciso muita coisa para provar uma afirmação.

[Science Advances]

Imagem do topo: Centro de Estudos dos Primeiros Americanos, Texas A&M University

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