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Os verdadeiros problemas da energia de fusão nuclear

A piada de que a fusão nuclear é e sempre será a energia do futuro talvez seja o maior problema da área. Porém, os pesquisadores da área estão progredindo.

A velha piada de que a fusão nuclear é e sempre será a energia do futuro talvez seja o maior problema da área.

A busca por gerar energia pelo mesmo processo das estrelas já resultou em inúmeras previsões deslumbradas que apontavam para uma revolução da energia limpa. As expectativas sempre foram exageradas e as inúmeras promessas não cumpridas fizeram com que a opinião pública desandasse.

Nosso cinismo pode parecer justificável, mas também é lamentável. Apesar da indiferença e das dificuldades de financiamento, os pesquisadores da área estão progredindo e futuramente devem resolver os imensos desafios técnicos envolvidas na produção dessa energia.

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Eu visitei o Princeton Plasma Physics Laboratory para conhecer o recém aprimorado National Spherical Torus Experiment (NSTX-U), o reator tokamak esférico mais poderoso do mundo, que pesa 85 toneladas e tem formato de uma maçã oca. Ele utiliza partículas de alta energia para aquecer átomos de hidrogênio a 100 milhões de graus Celsius, temperatura maior do que o núcleo do Sol.

Para conter o plasma superaquecido e evitar que ele encoste nas paredes do reator, bobinas de cobre geram um campo magnético 20 mil vezes mais forte do que o da Terra. Tudo isso para que, em alguns segundos mágicos, núcleos atômicos colidam, passem pelo processo de fusão e então liberem energia.

Desafios

Esse experimento é apenas um passo de um longo caminho que pretende chegar a uma instalação de fusão que funcionaria constantemente, fornecendo energia para cidades inteiras.

É fácil perceber porque o campo da energia de fusão está sujeito a expectativas grandiosas — o projeto em si já soa épico. Porém, o que mais me impressionou na visita ao PPPL não foi a bruxaria científica que acontece dentro do reator, ou o centro de controle onde dezenas de cientistas (homens, brancos) trituram dados e rodam simulações em supercomputadores. Na verdade, foi o equilíbrio entre otimismo em relação ao futuro dessa energia e realismo a respeito dos grandes problemas de engenharia e física que precisam ser solucionados.

Técnicos inspecionando o centro da instalação do NSTX-U. Imagem: Elle Starkman/PPPL Office of Communications

“Quase parece boa demais para ser verdade, esta ideia de termos uma energia limpa e ilimitada. Mas a física nuclear diz que não é. Está provado que as reações de fusão são reais e podemos fazê-las”, conta Clayton Myers, físico especializado em plasmas que está trabalhando no NSTX-U.

Um dos primeiros desafios, que os físicos já tinham encontrado nos anos 1950 e 1960, é que os plasmas de fusão — massas flutuantes de prótons e elétrons nas quais os núcleos atômicos colidem e liberam energia — não gostam de ser controlados, eles querem se espalhar por todos os lugares. Porém, é preciso controlá-los em altas pressões e por tempo o suficiente para produzirmos mais energia do que fornecemos ao sistema.

Nosso sol controla o plasma com sua imensa gravidade, mas estamos na Terra. Então precisamos de ímãs poderosos ou lasers para evitar que o material encoste nas paredes do reator. E as margens para erro são minúsculas: uma pequena quantidade de plasma que escapar pode rachar a parede, estragando a máquina.

Evolução

O campo da física de plasmas floresceu a partir do desejo de obter energia das estrelas. Nas últimas décadas, o campo se expandiu para inúmeras direções, da astrofísica, até clima espacial e nanotecnologia.

Nosso conhecimento com os plasmas cresceu, assim como nossa habilidade de sustentar condições de fusão por mais de um segundo. No começo desse ano, um novo reator supercondutor de fusão nuclear da China conseguiu manter um plasma a 50 milhões de graus Celsius por um recorde de 102 segundos. O Wendelstein X-7 Stellarator, que foi ativado na Alemanha no ano passado, deve quebrar esse recorde e alcançar até 30 minutos.

O upgrade do NSTX-U é bem modesto, em comparação. O atual experimento pode manter um plasma cozinhando por cinco segundos, em vez de um. Mas isso, também, representa um marco importante.

“Fazer um plasma em fusão durar cinco segundos pode não parecer grande coisa, mas a física [do plasma] em cinco segundos é comparável com a física em seu estado estável”, disse Myers, se referindo às condições em que o plasma fica estável. O objetivo final é atingir um ponto de ignição, que conseguiria manter o processo funcionando por si só com um pequeno fornecimento de energia externa. Até agora, nenhum experimento conseguiu fazer isso.

O NSTX-U permitirá que os pesquisadores de Princeton preencham algumas lacunas entre o que se sabe da física de fusão do plasma hoje e o que será necessário para construir uma instalação piloto capaz de chegar a esse ponto de ignição e então gerar energia elétrica.

Para encontrar os melhores materiais de contenção do plasma, precisamos entender melhor o que acontece entre o plasma em fusão e as paredes dos reatores. Os pesquisadores estão estudando a possibilidade de substituir as paredes atuais (feitas de grafite de carbono) por uma “parede” de lítio líquido, que poderia reduzir a corrosão a longo prazo.

Mas além disso, o NSTX-U irá ajudar os físicos decidirem se o formato esférico do tokamak realmente vale a pena. A maioria dos reatores tokamak possuem proporções maiores e se parecem mais com uma rosquinha e menos com uma maçã oca. O formato incomum do NSTX-U permite que as bobinas magnéticas sejam utilizadas de forma mais eficiente.

“No longo prazo, queremos descobrir como otimizamos as configurações dessas máquinas,” conta Martin Greenwald, vice-diretor do Centro de Ciências de Plasmas e Fusão Nuclear do MIT. “Para isso, é preciso saber como a performance da máquina depende de coisas que você pode controlar, como o formato.”

Imagens internas do NSTX-U funcionando. Imagem: PPPL.

Otimismo sem exageros

Myers não gosta de estimar o quão longe estamos de comercializar a energia de fusão, e não podemos culpá-lo. Até porque, foram décadas de otimismo excessivo que mancharam a reputação da área e deram a percepção de que se trata apenas de um sonho — o que gerou sérias consequências para o financiamento de pesquisas.

Num grande golpe para o programa de fusão do MIT, o governo federal dos EUA recentemente retirou o financiamento para o Alcator C-Mod, um reator que produz um dos campos magnéticos mais fortes do mundo e que conseguiu atingir uma das maiores pressões de fusão do plasma. Muitos dos estudos esperados a partir do NSTX-U vão depender de financiamento federal, que de acordo com Myers chega “de ano em ano”.

Claro, precisamos gastar o dinheiro destinado à pesquisa com cuidado, e alguns dos programas de fusão nuclear já consumiram quantias assombrosas. Tomemos o ITER, um enorme reator de fusão em construção na França, como exemplo. Quando a colaboração internacional começou em 2005, o projeto estava orçado em US$ 5 bilhões e previsto para durar 10 anos. Depois de muitos reveses, o valor subiu para US$ 40 bilhões. E se tudo der certo, a instalação estará concluída apenas em 2030.

Enquanto o ITER parece estar destinado a inchar como um tumor que sugará todos os recursos de seu hospedeiro, o enxuto programa de fusão do MIT está mostrando o que pode ser feito com um pequeno orçamento. Uma equipe de estudantes de pós-graduação do MIT revelou o projeto ARC, um reator de fusão de baixo custo que usaria novos materiais supercondutores de alta temperatura para gerar a mesma quantidade de energia do ITER, em um equipamento bem menor.

Projeto de design do ARC, um reator nuclear compacto. Imagem: MIT ARC team

“O desafio da fusão nuclear é encontrar um caminho técnico que seja economicamente atrativo e que possamos realizar no curto prazo”, disse Greenwald, acrescentando que o conceito do ARC já está sendo buscado pela Iniciativa de Energia do MIT. “Nossa visão é que, se a fusão fará diferença no aquecimento global, precisamos ser rápidos.”

“A fusão nuclear é realmente uma fonte definitiva de energia — e é a maneira que queremos fornecer energia no futuro”, disse Robert Rosner, físico especializado em plasmas da Universidade de Chicago e cofundador do Instituto de Política Energética da instituição. “Nesse meio tempo, a questão é o quanto queremos gastar agora. Se os financiamentos caírem a ponto de a próxima geração não se interessar pela área, estaremos fora desse negócio.”

Ilustração por Sam Woolley

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