Programa do Google para pagar jornais é bom, mas não resolve problema do jornalismo
Diante da crítica cada vez mais vocal de que o seu produto fragiliza as receitas dos jornais, o Google anunciou um programa de licenciamento que vai pagar alguns veículos pelo conteúdo quando lançar “uma nova experiência para notícias” até o final deste ano.
Em um blog post, Brad Bender, vice-presidente de produtos de notícias do Google, escreveu que esse programa irá ajudar veículos a “monetizar seus conteúdos” por meio de algo descrito pagamento como uma “experiência de narrativa melhorada”.
Para começar, Bender diz que o Google já firmou acordos com veículos locais e nacionais na Alemanha, Austrália e Brasil. Alguns dos grupos de mídia que tão participar incluem um dos maiores sites de notícias da Alemanha, o Der Spiegel, e o conglomerado Diários Associados do Brasil, que entre seus veículos conta com Correio Braziliense, Diário de Pernambuco e Estado de Minas. De acordo com o Financial Times, a australiana Schwartz Media também já firmou parceria.
Bender escreveu que o Google está com negociações em andamento “com muito mais parceiros”.
Parece que o Google está procurando criar uma espécie de Apple News+ dentro de suas plataformas Google News e Discover, embora seja muito cedo para dizer exatamente como será o produto final. Os detalhes sobre a experiência, bem como quanto o Google pagará aos editores participantes, são escassos.
Dito isto, o Financial Times relata que os leitores poderão contornar os paywalls desses jornais graças a esse produto do Google. Bender afirmou que o programa de licenciamento iria “muito além” do investimento de US$ 300 milhões da iniciativa Google News.
A iniciativa parece bem intencionada, mas ainda não é hora de dar tapinhas nas costas do Google. Esses tipos de acordos de licenciamento não são a solução mágica para uma indústria que tem sido encurralada por grandes empresas de tecnologia em seus impérios construídos em receitas publicitárias e magnatas de private equity.
Para começar, estes programas só ajudam certos veículos – neste caso, qualquer que seja o grupo de mídia que o Google decida constituir “conteúdo de alta qualidade”. Veja o próprio programa de licenciamento do Facebook, lançado em outubro de 2019. A tentativa foi criticada por dizer que só utilizaria “fontes de notícias confiáveis” para a aba Notícias do Facebook, mas incluía veículos de credibilidade duvidosa. Outra crítica é que as bigtechs, como são chamadas as grandes empresas de tecnologia, pagam aos veículos valores insuficientes para compensar anos de danos.
Também não é reconfortante que o Google tenha recentemente decidido alterar a forma como os artigos de notícias aparecem nos resultados da pesquisa na França, para evitar ter que pagar aos veículos pela exibição de trechos de conteúdo. Em vez disso, o Google disse que só exibiria manchetes no país europeu. Na época, os veículos esperavam que uma nova diretriz de direitos autorais da União Europeia ajudasse a colocar mais dinheiro em seus cofres, pois ela permite que a imprensa solicite pagamento de plataformas como Google e Facebook para exibir seu conteúdo na internet.
“Não aceitamos pagamento de ninguém para ser incluído nos resultados da busca. Vendemos anúncios, não resultados de pesquisa, e cada anúncio no Google é claramente marcado”, escreveu Richard Gingras, vice-presidente de notícias do Google, em um blog post. “É também por isso que não pagamos aos veículos quando as pessoas clicam em seus links em um resultado de busca.”
Isto é risível quando se considera que o mesmo blog post diz que a Pesquisa do Google e o Google Notícias ajuda os editores ao enviar “grandes quantidades de tráfego para os veículos”. Essa justificativa não leva em consideração o fato de que o Google muda periodicamente seu algoritmo de busca, mas não revela os detalhes das mudanças feitas, deixando as empresas de mídia se perguntando se cada atualização irá derrubar o tráfego da noite para o dia, como uma atualização recente em novembro de 2019 que prejudicou muitos sites.
Ou o fato de que o Google (e o Facebook) abocanha um pedaço das receitas quando a mídia digital coloca anúncios em sites, e depois abocanha outro pedaço dos anunciantes que usam a tecnologia de anúncios do Google (e do Facebook) para veicular essas publicidades.
O resultado final é o Google e o Facebook levando para casa cerca de 60-70% de cada dólar gasto em publicidade digital que supostamente ajuda as redações a se manterem, enquanto pinta a si mesmo como um serviço que ajuda os veículos. E, mesmo se os veículos quisessem ir a outro lugar, eles não têm escolhas. Um relatório da News Media Alliance diz que o Google é responsável por 90% do tráfego vindo de pesquisas web e quase 70% do mercado de tecnologia de anúncios online.
Ainda assim, pagar aos veículos é um passo em uma direção melhor. Mesmo assim, isso não deveria ficar a cargo da “generosidade” arbitrária de uma bigtech que, no fim das contas, pode estar querendo apenas dar uma mãozinha para empresas jornalísticas que estão passando por dificuldades como forma de afastar sua reputação ruim.
Em abril, o governo australiano revelou que pretendia obrigar o Google e o Facebook a compartilhar parte de sua receita publicitária com os veículos de imprensa australianos – um movimento que desagradou a ambas as empresas. No passado, a companhia retirou o Google Notícias da Espanha após ser cobrado por taxas de direitos autorais e, no início deste ano, recebeu ordens das autoridades francesas para começar a pagar aos veículos.
O Google gosta de lembrar a todos que criou um Fundo de Auxílio Jornalístico de Emergência, abriu mão de uma taxa de veiculação de anúncios no Google Ad Manager e contribuiu com US$ 15 milhões em uma campanha de Apoio às Notícias Locais para aliviar o golpe financeiro que as redações sofreriam devido à pandemia do novo coronavírus.
Mas as centenas de milhões que o Google diz estar dedicando a ajudar as redações é só uma gota no oceano quando consideramos que o Google arrecadou cerca de US$135 bilhões em receitas de anúncios somente em 2019.
Se essas medidas fossem remotamente suficientes, talvez a News Media Alliance não tivesse sentido a necessidade de enviar um artigo técnico intitulado “How Google Abuses Its Position as Market Dominant Platform to Strong-Arm News Publishers and Hurt Journalism” (Como o Google abusa de sua posição como plataforma dominante no mercado para forçar veículos de notícias e prejudicar o jornalismo, em tradução livre) na semana passada ao Departamento de Justiça dos EUA, pedindo uma investigação sobre seu comportamento anticompetitivo.