Esta empresa de vigilância americana diz que pode rastrear vários carros em tempo real
Uma empresa de vigilância chamada Ulysses diz ter acesso a dados de localização de veículos motorizados em escala global. A companhia afirma que deseja usar essas informações para ajudar as agências federais dos EUA a realizar operações militares e de espionagem mais eficientes.
Nas principais informações sobre suas atividades, ela diz que oferece “serviços operacionais e de inteligência de ponta, suporte e equipamentos” para clientes governamentais, e que pode “acessar mais de 15 bilhões de localizações de veículos” em todo o mundo ao longo dos meses. Esses dados, que podem ser visualizados “historicamente” ou em tempo real, devem ser usados operacionalmente pelas agências americanas, conforme relata a empresa.
Um documento obtido pelo gabinete do senador Ron Wyden, que foi relatado pela primeira vez pelo Motherboard e compartilhado com o Gizmodo, mostra que a Ulysses afirma ser capaz de “localizar geograficamente” carros em “quase todos os países”, com exceção de Cuba e da Coreia do Norte. No documento, a empresa explica como isso pode ser útil para uma agência governamental:
O Grupo Ulysses fornece inteligência de localização baseada em telemática, em tempo real e formatos históricos. Os dados podem ser usados para geolocalizar, rastrear e direcionar alvos móveis sensíveis, apontar e indicar outros sensores, desenvolver padrões de vida, identificar redes e relacionamentos e melhorar a consciência situacional entre muitos outros aplicativos. A análise de Ulysses e o acesso existente a dados telemáticos comerciais em massa representam uma oportunidade revolucionária de coletar e analisar dados em tempo real em alvos móveis em qualquer lugar do mundo, sem implantar de maneira prejudicial — quer você queira geolocalizar apenas um ou 25.000.000 de veículos.
Já se sabe há algum tempo que cada vez que os carros se conectam à internet, eles também geram uma quantidade grande de dados, o que inclui localização, taxas de uso, mídia interna e preferências de comunicação, condições das estradas externas e etc. Frequentemente, esses dados são compartilhados continuamente com a montadora, com os fabricantes de autopeças e, às vezes, com terceiros. Nos últimos anos, tem havido uma corrida para vender e lucrar com esses dados, e um ecossistema industrial bastante complicado surgiu em torno disso. Um estudo de 2016 da temida consultoria McKinsey projeta que, até o ano de 2030, a receita global gerada por dados de automóveis pode totalizar entre US$ 450 bilhões e US$ 750 bilhões.
Ao mesmo tempo, as agências federais têm desejado com entusiasmo os dados pessoais dos consumidores coletados por empresas privadas como a Ulysses, em um esforço para aumentar suas próprias operações de vigilância e espionagem. O Departamento de Segurança Interna, o FBI e inúmeras outras agências foram pegos entrando nessa onda. No caso dos dados de localização de carros, as capacidades de espionagem que se podem fornecer são enormes, como Ulysses admite abertamente.
“Os dados de localização do veículo são transmitidos em tempo constante e quase real enquanto o veículo está operando”, afirma a organização no documento. “Acreditamos que este atributo aumentará drasticamente a inteligência militar e as capacidades operacionais, bem como reduzirá os custos e a pegada de risco dos ativos ISR [inteligência, vigilância, aquisição de alvos e reconhecimento] usados atualmente para pesquisar e adquirir alvos móveis de interesse”. A empresa também observa que esse cache de dados só deve crescer. “Em 2025, estima-se que 100% dos carros novos estarão conectados [à Internet] em algum nível — cada um vai transmitir mais de 25 gigabytes de dados por hora”.
Com sede na Carolina do Sul, o Grupo Ulysses diz que tem uma equipe de ex-militares e oficiais de inteligência e está em atividade desde o início dos anos 2000, segundo o site da empresa. Seu presidente, Andrew Lewis, já ocupou vários cargos de alto nível no Departamento de Defesa e outros cargos militares. Registros online mostram que a empresa foi contratada pelo Comando de Operações Especiais dos Estados Unidos (USSOCOM) entre 2016 e 2017. A companhia também afirma ter trabalhado com várias outras agências, prestando serviços relacionados a drones, aeroespacial e dados financeiros. Uma versão do site da empresa, capturada pela Wayback Machine, de julho de 2019, diz:
Ulysses ganhou vários prêmios do Departamento de Defesa para conduzir a segmentação e exploração financeira para a Marinha, Exército e os Fuzileiros dos EUA, incluindo um prêmio 2016-2017 da USSOCOM, por reconhecimento como a única empresa que apoiou o comando no domínio da guerra econômica e financeira. Além disso, a Ulysses deu suporte a quatro contratos diferentes focados em GEOINT para a NGA, além possuir uma vertical de [drones] robusta que abrange plataformas de asa fixa e rotativa que são projetadas e/ou modificadas para uso operacional interno, aproveitando nossos recursos de prototipagem rápida.
Talvez o pior de toda essa história é que não está totalmente claro de onde uma empresa como a Ulysses obtém todos os seus dados. Andrea Amico, fundadora da Privacy4Cars, disse à Vice que, devido à natureza complicada da coleta de dados de veículos, há uma grande variedade de fontes de onde as localizações podem ser obtidas. “A própria empresa que fornece o mapa, por exemplo, teria acesso; a empresa que fornece o sistema de infoentretenimento também, assim como a empresa que fornece os dados de tráfego e os de estacionamento. Agora mesmo, você tem cinco empresas obtendo sua localização.”
Uma ligação foi feita para o Grupo Ulysses, mas ainda não obtivemos retorno. Uma chamada para a Aliança de Fabricantes de Automóveis para comentários sobre esta história também não obteve uma resposta. Aliás, seria bom ter um parecer por parte deles, uma vez que representam os interesses de gigantes automotivos como Ford, Honda, Subaru, Hyundai, BMW, Chrysler e outros, e já publicaram um conjunto das diretrizes de privacidade de dados do consumidor para a indústria. De qualquer forma, atualizaremos esta história quando houver mais respostas.