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Satélites Starlink, da empresa de Elon Musk, estão causando dores de cabeça nos astrônomos

Nova leva de satélites Starlink, lançados por empresa de Elon Musk e projetados para fornecer internet, atrapalhou trabalho de observatório chileno.

Observatório Cerro Tololo, no Chile

Vários satélites Starlink em órbita, como visto sobre o observatório Cerro Tololo, no Chile, em 18 de novembro. Crédito: Clara Martínez-Vázquez, Cliff Johnson, CTIO/AURA/NSF

Astrônomos de um observatório chileno ficaram impedidos temporariamente de executar seu trabalho no início desta semana, quando uma sequência de satélites da SpaceX, composto por 60 satélites Starlink, sobrevoou o céu, naquilo que os cientistas terão que aceitar como o novo normal.

Lançado em órbita em 11 de novembro, o “trem de satélites Starlink” levou cinco minutos para passar pelo Observatório Interamericano Cerro Tololo, no Chile, segundo um tuíte da astrônoma Clara Martínez-Vászquez.

“Uou! Estou chocada!!”, tuitou Martínez-Vázquez. “A enorme quantidade de satélites Starlink cruzou nossos céus hoje à noite [no Cerro Tololo]. Nossa exposição no DECam [Câmera de Energia Escura] foi fortemente afetada por 19 deles!”, no que ela acrescentou: “[Isto é] bastante deprimente…isso não é legal!”.

Respondendo a este tuíte, o astrônomo Cliff Johnson, membro e estudante de pós-doutorado CIERA em Astronomia da Northwestern University, disse que a visão atrapalha os dados, mostrando um arranjo de satélites espalhadas em uma imagem do espaço.

Os astrônomos estavam coletando dados usando o DECam, um gerador de imagens de campo amplo e alto desempenho no telescópio CTIO Blanco de 4 metros, como parte da pesquisa DELVE, que atualmente está mapeando as margens externas das Grandes e Pequenas Nuvens de Magalhães, bem como uma fração significativa do céu do sul em comprimentos de onda ópticos. Os principais objetivos do projeto são estudar a auréola estelar em torno das Nuvens de Magalhães e detectar novas galáxias anãs em órbita em torno das Nuvens ou da Via Láctea nas proximidades.

Frame com satélites Starlink na DECam, mostrando trilhas de satélites no campo DE VISÃO. Crédito: Clara Martínez-Vázquez, Cliff Johnson, CTIO/AURA/NSF

Mas esta pesquisa foi prejudicada quando os satélites Starlink passaram pelo local durante a manhã de segunda-feira, 18 de novembro.

“Nesse caso, 1 das cerca de 40 exposições que fizemos durante a meia-noite de observvações foi afetada pelas trilhas do satélite”, disse Johnson ao Gizmodo por e-mail. “ E no caso dessa exposição única, 15% das imagens foram afetadas pelas trilhas. Além da própria imagem, também tivemos que ter cuidado, pois a imagem afetada pela trilha também afetou nossas operações de pesquisa devido ao grande número de artefatos de imagem influenciando nossas medidas de controle de qualidade”.

Tomados como um todo, no entanto, “esses números tendem a mostrar que o efeito em nossa ciência foi mais no nível de aborrecimento do que de uma perturbação total”, escreveu ele. Dito isto, “este pode ser apenas o começo de problemas para os astrônomos, então acredito que a reação e o alarme da comunidade são justificados”. Se realmente forem alcançados, os tamanhos propostos dessas megaconstelações de satélites — projetados para incluir mais de dezenas de milhares de elementos individuais —, “tem potencial de impactar significantemente nossos dados observacionais”, disse Johnson.

Algo semelhante aconteceu no início deste ano, depois que o primeiro lote de 60 satélites Starlink foi entregue em órbita, com algumas pessoas até acreditando que eram OVNIs. Alarmada com o lote inaugural de satélites Starlink, a Sociedade Astronômica Americana emitiu um aviso, dizendo que megaconstelações poderiam ameaçar observações científicas no espaço.

O “efeito de trem”, no qual os satélites estão alinhados ordenadamente em uma linha brilhante, é temporário. Eventualmente, os pequenos satélites se dispersam e entram em suas órbitas próprias e únicas em um processo que leva algumas semanas. Dito isto, o número de objetos no espaço — dispersos ou não — está prestes a experimentar um aumento dramático.

Atualmente, os impactos desses trens de satélites são “administráveis” e os “piores efeitos são temporários”, disse Johnson ao Gizmodo.

“Eu concordo com o tom da recente declaração da IAU (União Astronômica Internacional) que exige uma discussão imediata e significativa entre reguladores, provedores de satélites e astrônomos para destacar maneiras que os impactos à astronomia podem ser minimizados — e não apenas ópticos, mas também a radioastronomia — e governar os piores cenários de lançamentos ilimitados e implantações não verificadas”, disse Johnson ao Gizmodo.

Em resposta a essas preocupações, a SpaceX afirmou que está tomando medidas para pintar a base dos satélites Starlinks de preto, a fim de minimizar o seu brilho. Os especialistas não estão convencidos de que funcione, pois alguns observatórios usam instrumentos super sensíveis para detectar até os objetos mais fracos.

Os cientistas provavelmente terão que se acostumar com esse tipo de interrupção, já que os órgãos reguladores não estão prestando atenção. A SpaceX já recebeu a aprovação da FCC (Comissão Federal de Comunicações dos EUA) para lançar 12 mil pequenos satélites Starlink e, em outubro, a empresa espacial privada de Elon Musk pediu permissão para lançar mais 30 mil satélites adicionais até meados de 2020. Esses trens de satélite, juntamente com suas megaconstelações associadas, em breve se tornarão elemento regular do céu noturno — e isso não inclui constelações que devem ser construídas pelos concorrentes da SpaceX, incluindo redes propostas pela OneWeb, Telsat e Amazon.

Com as noites estreladas já obscurecidas pela poluição luminosa de nossas cidades, parece que uma visão desimpedida do espaço pode em breve ser raridade para os astrônomos.

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