
Anéis de Saturno mais antigos do que se pensava? Cientista brasileiro analisa
A idade dos anéis de Saturno é tema de debate científico há muitas décadas, com estimativas sugerindo que os icônicos anéis são antigos quanto o planeta. E outras apontam para uma formação relativamente recente.
No entanto, de acordo com uma nova pesquisa, os anéis de Saturno podem ser muito mais antigos do que se pensava anteriormente. E convergem com a estimativa de formação conjunta com o planeta, de acordo com um novo estudo.
Publicado na última segunda-feira (16), um estudo coordenado no Japão — inclusive, com a presença de um pesquisador brasileiro — não aponta uma data exata para a formação dos anéis de Saturno (ainda). Mas gerou um debate científico acalorado.
O consenso no século 20 era que os anéis de Saturno se formaram junto do planeta. No entanto, em 2004, quando a sonda Cassini, da NASA, as imagens, que mostraram o aspecto limpo dos anéis, indicando um acúmulo mínimo de impactos de micrometeoritos, sugerindo uma formação mais recente. Segundo um estudo de 2023, os anéis se formaram entre 100 e 400 milhões de anos atrás.
Porém, o cientista planetário Ryuki Hyodo, do Instituto de Ciências de Tóquio, no Japão, refuta a tese de que os anéis de Saturno — devido ao seu brilho e aparência mais limpa — sejam mais novos que o planeta em si.
Hyodo, um dos autores do estudo, diz que a interpretação sobre a “limpeza” dos anéis de Saturno “como uma evidência para sua idade é falha”. “O Sistema Solar era muito mais caótico quando Saturno se formou, particularmente durante a era que chamamos de Intenso bombardeio tardio, há cerca de 4 bilhões de anos”, diz o cientista.
Simulações explicam o aspecto limpo dos anéis de Saturno
Com base nessa tese, os cientistas japoneses desenvolveram simulações em 3D dos impactos de micrometeoritos nos anéis de Saturno. Nas simulações, as colisões aconteceram em velocidades extremas, chegando a 108 mil km/h, gerando temperaturas intensas que superavam 9,7 mil graus Celsius.
De acordo com os cientistas, essas condições extremas transformaram os micrometeoritos em um gás, que foi resfriado e condensado no campo magnético de Saturno. O resultado foram partículas carregadas de íons, que escapariam da influência gravitacional de Saturno, colidiriam com o planeta ou seriam puxadas para sua atmosfera.
Desse modo, esse processo reduziria significativamente a quantidade de materiais que contaminariam os anéis, explicando a aparência limpa. Portanto, com base nas simulações e o nível de acreção, o estudo conclui que os anéis de Saturno podem ter bilhões de anos, sendo assim são tão antigos quanto o planeta.
Debate acalorado
Pouco tempo após sua publicação, o estudo gerou polêmica entre alguns astrônomos, especialmente os que fizeram a modelagem de 2023 e afirmaram que os anéis eram mais recentes.
Os cientistas, no entanto, enfatizam que a descoberta não invalida os dados da sonda Cassini, mas oferece uma revisão na interpretação. Aliás, entre os cientistas, temos o brasileiro citado mais acima. Gustavo Madeira, pesquisador do Instituto de Física de Paris, realizou as simulações de modelagem dinâmica de partículas carregadas de íons.
O trabalho dele foi crucial para o estudo, tendo em vista as interações eletrodinâmicas nos campos magnéticos e gravitacionais. Assim, ao lado dos pesquisadores japoneses, Gustavo demonstra que “um mecanismo resistente à poluição pode contradizer” a tese atual. Em suma, os cientistas descobriram que ‘resíduos’ de micrometeoritos são removidos dos anéis de Saturno de maneira eficiente pelas interações de partículas carregadas.
Contudo, Sascha Kempf, da Universidade do Colorado e um dos autores do estudo de 2023 que calculou a idade mais nova dos anéis de Saturno, é um dos que discordam.
Em entrevista à revista New Scientist, Kempf afirma que ele e seus colegas usaram um método mais complexo do que “apenas a eficiência de poluição dos anéis [acreção]” para calcular a idade. O astrônomo afirma que os valores de acreção que o novo estudo calculou não alteram a tese anterior sobre a idade dos anéis de Saturno.
Kempf enfatiza ainda que os resultados do novo estudo “não serão um motivo para reavaliar” a estimativa do seu trabalho. Hyodo, por sua vez, discorda da alegação do colega sobre os cálculos de acreção não indicarem que os anéis de Saturno sejam tão antigos quanto o planeta.
Brasileiro explica modelo do estudo sobre anéis de Saturno

Imagem: Instituto de Física de Paris/Divulgação
Em entrevista exclusiva ao Giz Brasil, Gustavo Madeira explica com mais detalhes como o modelo do novo estudo pode ser mais eficiente para a datação dos anéis de Saturno. Sobre o método do estudo, o astrofísico ressalta a eficiência de comprovação teórica, mas ressalta que não é sobre os anéis de Saturno serem jovens ou velhos, mas, sim, sobre um método de medição, ou datação, mais eficiente.
“Alguns argumentos que a equipe da Cassini usa, que eles mesmo chamam de argumento fraco, é o argumento do transporte balístico: os anéis estão migrando para Saturno, então, estão caindo em Saturno. E quando você mede o tempo de migração de satélites, você encontra algo na ordem de 400 milhões de anos. Então, uma conclusão é: ‘se os anéis devem desaparecer em 400 milhões de anos, talvez eles se formaram na mesma época’. Mas o argumento mais forte é a poluição desses anéis, que é a concentração de silicatos. E o principal argumento deles é que você tem esses impactores externos. E esses impactores (que são micrometeoroides) têm tamanhos nanométricos. Eles presumem que 10% desse material é retido, então 10% desses silicatos que colidem com as partículas de anéis são retidos no anel. E o anel é formado de gelo. Então, você tem ali essa inclusão de silicato com tempo e o argumento deles é: os anéis são verificados [pela sonda Cassini] e são pouco poluídos, então devem estar ali muito pouco tempo por não estarem recebendo esse fluxo [de detritos de impactores]”.
O estudo publicado nesta semana é resultado de um trabalho de 2 anos de Ryuki Hyodo, Hidenori Genda e Gustavo Madeira. O brasileiro conheceu Hyodo na França e destaca que a principal diferença do estudo do trio é o foco do modelo.
“A principal diferença do nosso modelo é justamente no impacto. A gente faz uma modelagem bastante completa dos impactos entre uma partícula de anel e esse impactor”, diz o cientista.
Gustavo explica as reações químicas que os impactores causam Saturno, como a recondensação, gerando partículas nanométricas ionizadas. Por ionizadas, significa que essas partículas possuem uma carga elétrica, logo, interagem com o campo magnético de Saturno.
“Essa interação faz toda diferença porque boa parte das partículas nanométricas são injetadas nos anéis de Saturno, originando um fluxo de partículas emitido pela Cassini, a Extreme Particles. No entanto, nosso modelo explica esse mecanismo. E também explicamos outro mecanismo, outro fluxo também medido pela Cassini, o Ring Rain”.
“Ring Rain” são partículas recondensadas que interagem com o campo magnético que, quando injetadas nos anéis de Saturno, uma parte colide com o planeta e 1% colide com os anéis. Portanto, esse pequeno percentual explica a possibilidade dos anéis terem a mesma idade de Saturno.
“Com isso, a gente basicamente conclui que existe um mecanismo que a gente não chama de mecanismo de limpeza porque não está, de fato, limpando o anel, mas é uma resistência de poluição dos anéis”.