Senado aprova lei controversa sobre fake news; texto será analisado na Câmara

O Senado aprovou nesta terça-feira (30) o Projeto de Lei 2630/2020, apelidado de “PL das fake news”, por 44 votos a 32 (e duas abstenções). A versão aprovada teve mudanças após as críticas de entidades da sociedade civil e especialistas, mas ainda mantém pontos controversos.
Senado brasileiro. Crédito: Wikimedia
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O Senado aprovou nesta terça-feira (30) o Projeto de Lei 2630/2020, apelidado de “PL das fake news”, por 44 votos a 32 (e duas abstenções). A versão aprovada teve mudanças após as críticas de entidades da sociedade civil e especialistas, mas ainda mantém pontos controversos. O texto agora vai para a análise da Câmara dos Deputados.

O projeto foi apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e aprovado na forma de um substitutivo (texto alternativo) do relator, senador Angelo Coronel (PSD-BA), tramitando em pouco mais de um mês e recebendo inúmeras emendas.

Uma das principais críticas à aprovação do projeto, que foi realizada de forma remota devido à pandemia do novo coronavírus, foi a falta de debates amplos e discussões sobre seus impactos no funcionamento da internet e nos direitos de privacidade e liberdade de expressão.

O projeto é extenso e prevê uma série de regras para “evitar notícias falsas que possam causar danos individuais ou coletivos e à democracia”.

Entre as medidas, estão rastreamento de mensagens encaminhadas muitas vezes em apps de mensagens (como WhatsApp e Telegram), obrigatoriedade de que provedores de redes sociais tenham sede no Brasil e a identificação dos titulares de contas “incluindo a apresentação de um documento válido”.

O texto foi alterado para retirar os trechos em que promovia alterações no Código Penal para punir a disseminação de informações falsas.

Regras sobre identidade

O projeto de lei obriga que plataformas de redes sociais excluam contas falsas, criadas ou usadas “com o propósito de assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público”, exceto em caso de conteúdo humorístico.

Haverá limites para o número de contas vinculadas a uma pessoa, e as redes sociais precisarão viabilizar medidas para identificar contas que apresentem movimentação incompatível com a capacidade humana.

O texto prevê que, caso haja denúncias de desrespeito à lei, os provedores de redes sociais e de serviços de mensagem poderão requerer aos usuários e responsáveis pelas contas que confirmem sua identidade, incluindo a apresentação de um documento válido.

O projeto não exige mais que as pessoas atrelem um número de celular a uma conta de rede social. Por outro lado, a exigência dessas documentações significa que as empresas terão que tratar de dados sensíveis, aumentando os riscos envolvidos com vazamentos.

Aplicativos de mensagens que ofereçam o cadastro vinculado exclusivamente a números de celulares serão obrigados a suspender contas de usuários que tiverem os contratos encerrados pelas operadoras ou pelos consumidores do serviço. É o caso do WhatsApp, por exemplo.

Rastreabilidade de conteúdo

Outro ponto sensível do projeto que foi mantido diz respeito à rastreabilidade de conteúdos considerados “populares”, ou seja, mensagens que são encaminhadas por mais de cinco usuários em um período de 15 dias e que sejam recebidas por mais de mil usuários.

Os provedores precisarão manter por três meses registros de encaminhamentos das mensagens em massa, com a identificação dos remetentes, a data e a hora dos envios e o número total dos que as receberam. Essas informações só poderão ser acessadas por meio de decisão judicial. O relator afirmou que “não haverá brecha para quebra de conversas criptografadas”.

Mais uma vez, especialistas alertam que os aplicativos precisarão armazenar uma quantidade maior de dados de uso de seus serviços.

Outras regras previstas no projeto incluem instituir mecanismo para verificar consentimento prévio do usuário para inclusão em grupo de mensagens e listas de transmissões e desabilitar por padrão a autorização para inclusão em grupos e em listas de transmissões.

Regras sobre conteúdos

O PL afirma que as redes sociais poderão indisponibilizar conteúdo e contas em caso de denúncia ou de medida ou de medidas relacionadas aos termos de uso das redes sociais ou da própria legislação.

Os usuários precisarão ser notificados sobre o processo de indisponibilidade e terão o direito de recorrer.

Os serviços não precisarão notificar quando a não remoção do conteúdo envolver riscos de dano imediato de difícil reparação; de violação a direitos de crianças e adolescentes; de crimes previstos na Lei do Racismo; riscos à segurança da informação ou do usuário e grave comprometimento da usabilidade, integridade ou estabilidade da aplicação.

O projeto fala, inclusive, sobre deepfakes. Em casos que a imagem a ou voz de alguém é manipulada para imitar a realidade, os prazos para recurso será estendido – de acordo com o texto, a extensão do prazo para que o conteúdo volte à plataforma não vale para as publicações humorísticas e será aplicada apenas quando houver objetivo de enganar as pessoas sobre a identidade de candidato a cargo público. A ideia do relator é “proteger os candidatos, para que eles não corram esse risco devido à ação de criminosos ou de adversários que queiram tirá-los [da corrida eleitoral]”.

Regras para contas públicas

As contas de órgãos públicos e de detentores de mandato, ministros, entre outras autoridades, serão consideradas de “interesse público”, de acordo com o projeto. Essas contas não poderão restringir o acesso de usuários às publicações – ou seja, figuras públicas não poderão bloquear os usuários ou trancar seus perfis.

O relator incluiu uma exceção, abrindo a possibilidade do agente político ter uma conta pessoal em que definirá as próprias regras. Será preciso que o político indique a conta que represente oficialmente o mandato ou cargo.

Os órgãos precisarão fornecer nos portais de transparência dados sobre a contratação de serviços de publicidade e propaganda e o impulsionamento de conteúdo por meio da internet, além de oferecer ao público mecanismos para que o cidadão possa pedir a revisão ou a remoção das postagens.

Regras para propaganda

O projeto também coloca em forma de lei algumas das iniciativas que vêm sendo tomadas por plataformas como o Facebook para indicar propagandas políticas. Segundo o texto, todos os conteúdos pagos terão que ser identificados, inclusive com informações da conta responsável pelo conteúdo.

As plataformas terão que disponibilizar ao público o valor gasto com a publicidade, identificação do anunciante pelo CPF ou CNPJ, tempo de veiculação e características da audiência contratada.

As empresas também precisarão solicitar aos anunciantes e aos responsáveis pelas contas que impulsionem conteúdos que confirmem a identidade, que poderá ser mantida em sigilo pelas empresas, mas poderá ser exigida por ordem judicial.

Sanções

A proposta diz que as plataformas digitais que descumprirem a legislação estarão sujeitas a advertência, com prazo para correção dos problemas, e multa de 10% sobre o faturamento do grupo no Brasil no último ano. Os valores seriam destinados à educação.

Conselho

O texto cria ainda um conselho para supervisionar as redes sociais e os aplicativos de mensagem, que será responsável por definir diretrizes para a autorregulação e um código de conduta para o setor; avaliar os relatórios trimestrais e publicar indicadores; e analisar os procedimentos de moderação. O conselho pode chegar a 21 membros, que precisarão ter mais de 18 anos e que não serão remunerados pelo serviço.

Não poderão integrar o colegiado membros do Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário ou filiados a partidos políticos.

Repercussão

Entidades ainda se mostraram preocupadas com o projeto, apesar das alterações. A Coalizão Direitos na Rede apontou, em uma sequência no Twitter, alguns problemas da versão aprovada no Senado. O coletivo disse que ainda há uma “nova batalha na Câmara dos Deputados”.

Alguns senadores se posicionaram contra o projeto e reforçaram que não foi possível realizar um debate amplo sobre o tema. Outros apontaram que as regras podem inibir investimentos no Brasil, como aponta a reportagem do G1.

O WhatsApp, por sua vez, enviou um comunicado à imprensa afirmando que “estavam decepcionados com a decisão do Senado”:

“As notícias falsas são um grande problema social que existe há séculos em toda forma de comunicação. Estamos combatendo a desinformação por meio de mudanças significativas para reduzir mensagens em massa e virais, que geraram uma redução de 70% nas mensagens altamente encaminhadas no WhatsApp. Forçar as empresas a adicionar um carimbo permanente a todas as mensagens privadas enviadas pelas pessoas marcaria o fim das conversas particulares – tudo o que você disser ou encaminhar seria rastreado e poderia ser usado contra você. Esperamos que a Câmara dos Deputados defenda o direito de longa data à privacidade para os brasileiros e reconheça que enfraquecer a privacidade de todos e colocar pessoas inocentes em risco não é a solução.”

Você pode conferir o texto integral do PL aprovado neste link e a relação com os senadores que votaram a favor ou contra do projeto aqui.

[Agência Senado]

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