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Alguém precisa falar o óbvio: não faz o menor sentido um celular custar R$ 7 mil

Os telefones já não são mais aqueles trambolhos com discos e botões que ficavam na casa da sua avó quando você era uma criança (certamente) pentelha. Também não são mais aqueles Motorolas “tijolo”, o primeiro celular que eu vi alguém ter – e que custava US$ 1.000, o que fazia total sentido na década de […]

Os telefones já não são mais aqueles trambolhos com discos e botões que ficavam na casa da sua avó quando você era uma criança (certamente) pentelha. Também não são mais aqueles Motorolas “tijolo”, o primeiro celular que eu vi alguém ter – e que custava US$ 1.000, o que fazia total sentido na década de 1990. Lembre-se, gastar US$ 1.000 naquilo, então, era a diferença entre estar conectado o tempo todo ou só falar com as pessoas em casa ou no trabalho.

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Agora, telefone é esse aparelho que liga para as pessoas, manda mensagens, recebe emails, acessa a internet, joga, tira fotos, mede seu ritmo cardíaco e por aí vamos. Acontece que todas essas tecnologias evoluíram em um ritmo desembestado e hoje os aparelhos se tornaram muito mais acessíveis. Porém, surgiu um celular de US$ 1.000. Ou, para nós, 7 mil reais.

Eu não sou muito bom em previsões, por isso não faço muitas. Nem sou especialista em Apple ou em gadgets. Mas se tem uma coisa que me chamou a atenção na apresentação do iPhone X foi a “família”. Note: você não tem mais um iPhone com três diferentes especificações de armazenamento e o modelo do ano anterior.

Agora você tem modelos de US$ 350 a US$ 1.000 nos EUA. Como a Samsung, a LG, a Motorola. Do ponto de vista do negócio, faz total sentido, é até óbvio. Criou-se uma marca com alto valor agregado, desejada por todos. Se você oferece essa marca a pessoas de todo tipo de poder aquisitivo – ou pelo menos a uma gama maior de poderes aquisitivos –, vai ganhar mais dinheiro; aula 1 de Economia 101: o objetivo de toda empresa é gerar valor ao acionista.

Pois bem: há aí uma armadilha gigantesca. O iPhone é desejado porque era algo único, exclusivo. Porque se você tinha um iPhone a única pergunta era se era o desse ano ou o do ano passado – no máximo o do ano anterior. Se, porém, isso é acessível a todos, perde-se o fator exclusividade. E é aí, acho, que alguém teve a idéia brilhante de dizer: “A não ser que a gente cobre mil doletas por um deles!” Mil doletas lá, aqui: sete mil reais.

Não é que não possa dar certo. Existem impérios no mundo da moda que vendem bolsas e sapatos por dezenas de milhares de dólares, sendo que o custo de produção não chega à centena de dólares e o design às vezes não tem absolutamente nada de especial. As pessoas compram status, e qualquer marqueteiro sabe disso. Só que há tipos diferentes de status. Um cara que comprava um MacBook Air quando ele saiu não fazia isso porque ele era caro, embora ele fosse, como tudo o que a Apple faz, injustificadamente mais caro, mas sim porque aquilo representava uma diferença conceitual em design, tecnologia e usabilidade.

A primeira vez que eu tive um MacBook o que me encantou foi simplesmente que, ao contrário de todos os PCs que eu tinha usado antes, ele funcionava muito bem! Eu tive um Vaio que era lindo, fininho, só que o sistema operacional dele era o mesmo Windows que não me apetecia e que também estava nos laptops da Dell, HP etc.

Voltamos então aqui pro mundo do iPhone. Eu não tive o iPhone original – em vez disso, tomei a brilhante decisão de comprar um celular Palm… Quando saiu o iPhone 3G, porém, eu embarquei. Era mais caro? Claro que era, mesmo que a gente se enganasse que era “de graça” (com o contrato de fidelidade da operadora). Mas fazia uma diferença monstruosa. Era um combo de aparelho com funcionalidades que não havia igual. Com o tempo, outras coisas foram entrando na minha conta: integração com o Mac, iCloud, as músicas e filmes que eu comprei na plataforma.

Hoje, quando meu telefone começa a ratear, eu não vou na loja da minha operadora, vou direto na Apple. Não é porque eu ache que um Samsung ou um Motorola não pode me servir, é porque o que eu tenho eu já conheço e uso, e eu tenho uma baita de uma preguiça de pensar em mudar de “sistema”. Só que começam a aparecer as primeiras fissuras nessa lealdade, e certamente não só na minha.

Ano passado, por motivos familiares complexos, eu queria trocar de telefone e estava nos Estados Unidos quando saiu o iPhone 7. Minha mulher tinha um, mas eu não conseguia enxergar qualquer vantagem dele para o da minha filha, que era um 6S. Câmera melhor? Sério? Não, não muda minha vida. Mais “rápido”? O que é exatamente um celular “rápido”? O meu é suficientemente rápido, obrigado. Para completar, eu tenho uns 20 fones de ouvido que não iam entrar no 7. Então eu comprei um 6S, mesmo. Garanto, funciona perfeitamente bem, como funcionaria. Como, diga-se, o SE da filha mais nova continua funcionando até hoje para quem não exige tanto.

O iPhone SE custa R$ 1.999. Eu consigo entender porque alguém pode preferir comprar um 6S, um 7. Há, nesse caso, uma diferença de câmera e de processador que em alguns casos pode fazer diferença, além do tamanho da tela. Eu consigo até entender porque alguém pode achar que as diferenças incrementais entre o 7 e o 8 valem R$ 800 a mais, nem todos os consumidores são velhos ranzinzas com diversos fones de ouvido antigos, afinal. Mas eu não consigo, e acho que não conseguirei nunca, entender porque alguém pagaria R$ 7.000 por um celular cuja principal novidade é ele reconhecer a sua cara, além de uma tela que ocupa toda a parte frontal e uns emojis animados.

Não, não estou dizendo que a Apple lançou um celular qualquer de 7 mil reais, não é isso. O telefone reconhecer a sua cara pode não ser revolucionário no seu dia a dia, mas pode trazer uma camada extra de segurança para os seus dados. Além disso, o DisplayMate considerou a tela do iPhone X a melhor em um smartphone, com uma pontuação mais alta até mesmo que alguns monitores profissionais, o que pra muita gente é importante, e para todo mundo é uma vantagem perceptível. O problema é o que se paga por essas melhorias. Com R$ 7.000 você pode comprar:

Um MacBook Air de 13 polegadas à vista
Dois Samsung Galaxy S8
Um notebook bom o suficiente para jogar títulos recentes
Um laptop para games mais barato E AINDA um iPhone SE
Uma Honda CG125

Entende? Não faz muito sentido.

Tudo isso que eu escrevo pode se mostrar uma enorme bobagem a hora que o X chegar às nossas mãos… Evidente: a diferença entre ter um botão ou não pode se revelar revolucionária. Mas alguém realmente acredita que isso pode acontecer?

No frigir dos ovos, você vai pagar quase o dobro do valor por um telefone porque ele – nem sempre – vai destravar quando você olhar para a tela. Parece que Apple mudou de aposta. Parou de apostar em quem gosta de coisas bem feitas para apostar em quem quer ter coisas caras e exclusivas. Eu não faço nenhuma questão. Fico com o meu 6S por enquanto. Ano que vem, quem sabe, troco por um 8. Ou por um Motorola. Achei o design do novo bem interessante. Mas R$ 7 mil por um telefone só porque ele sabe – às vezes – que eu sou eu e não o Brad Pitt (pareço muito) ou o Will Smith? Não, obrigado.

Imagem do topo: AP

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