Produtor da série de TV de Castlevania: “Videogames são a forma de arte mais animal”

Franquia chega ao Netflix neste ano, e o produtor tem muito a dizer sobre adaptações de games para o formato de cinema e televisão

Alguns dias atrás, espalhou-se a notícia de que um programa de TV sobre Castlevania vai estrear no Netflix em 2017, fazendo surgir imediatamente milhares de piadas citando os diálogos da série de videogames. Em um post de Facebook, o produtor Adi Shankar disse: “eu pessoalmente garanto que vou cortar a corrente e fazer a primeira boa adaptação de videogame feita por um ocidental”. Conversei com Shankar, e ele parece totalmente focado nesse objetivo.

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Talvez essa semana tenha sido a primeira vez que você ouviu o nome Adi Shankar. Então você pode não saber que ele foi produtor executivo do filme Dredd, de 2012, A Perseguição e do exagerado curta Power/Rangers, que gerou burburinho em 2015. Na conversa ao telefone de 33 minutos que tive com ele, Shankar confirmou muito do que foi dito sobre a série Castlevania que está em produção. Warren Ellis, adorado por seu trabalho em quadrinhos em The Authority, Transmetropolitan, Nova Onda e Cavaleiro da Lua, está escrevendo o roteiro, que é baseado em Castlevania III: Dracula’s Curse.

Shankar se recusou a dar uma janela específica de lançamento para o seriado, mas disse que as coisas já andaram bastante. Por mais que não pudesse contar muito sobre a adaptação, ele falou bastante sobre videogames como um meio criativo, a mudança no panorama do entretenimento filmado e se a série irá tentar adaptar os truques de design característicos de Castlevania.

Adi Shankar: Estamos vivendo nesse paradigma diferente do que é a mídia. O que é o entretenimento, e que papel ele tem na vida das pessoas. Eu não cresci nos Estados Unidos, então era muito difícil para mim ver filmes americanos, e eu implorava para meus amigos me darem revistas para eu poder fotos de filmes. Lembro que eu amava RoboCop quando era criança. E eu não sabia que tinha um RoboCop 2… então meu amigo me mostrou uma revista que ele tinha, acho que japonesa, que tinha a capa do RoboCop 3, e ele tinha um jetpack, e isso me impressionou demais. “O quê?! O RoboCop pode voar agora?!”. Esse imaginário funcionou muito bem durante a era da mídia impressa quando tudo era meio focado, e você tinha opções de entretenimento e menos distrações, por assim dizer.

E qualquer revista que você pegasse, ou o que estava passando na televisão. Sabe? E você tinha que sair de casa para consumir mais informação e dados e entretenimento. Não acho que seja um segredo que o negócio do cinema esteja desabando completamente. Todo ano, os filmes estão ganhando cada vez menos dinheiro. E os filmes que conseguem, eu não sou um cara focado no dinheiro, mas certa hora você fica tipo, “cara, você fez esse filme com 200 milhões de dólares, e ele não ganhou nem 20% de volta”. Isso é um problema. Eu acho que muito disso vem de depender muito dos teasers e de dar muita informação até o ponto em que… em muitos desses filmes, o trailer é mais aguardado do que o filme. Isso é estranho.

io9: A distância entre o lançamento do trailer e da estreia do filme, tanta coisa acontece nesse período, você pode ver quando a antecipação meio que morre. Existem sites e contas de Twitter dedicados a quando os trailers saem.

Então, eu não sei se você conhece o curta Power/Rangers que eu fiz.

io9: Sim, eu escrevi sobre ele no Kotaku quando ele saiu.

Animal. Obrigado. A verdade é que ele apareceu do nada, tipo, não teve um teaser. Não teve um grande anúncio tipo, “ei, esses dois atores vão fazer parte! E eles vão fazer esses personagens!” E nós não mandamos fotos de publicidade antes dele lançar. E, sabe, Joseph Khan e eu não estávamos dando entrevista sobre o curta.

É meio como se o mistério da experiência com o filme tenha morrido, porque todo mundo tem uma janela para entender como o processo funcionou. As pessoas costumavam chamar de “a mágica do cinema”, sabe? Porque eles eram filmados analogicamente, eles tinham esse tipo de fluxo neles, e era meio como se a sua mente fosse injetada com essas memórias que não eram suas de verdade. E, agora, por causa do HD, esses filmes são mais claros, são mais direcionados pelos efeitos visuais, o que eu não acho que seja uma coisa ruim, não estou fazendo um julgamento artístico sobre isso. Estou só dizendo que é uma forma de arte completamente diferente e uma mídia completamente diferente do que já foi. Todo o propósito do cinema é diferente. E o poder dele é diferente. No final, é nisso que eu quero chegar: o poder dessa forma artística está evoluindo para algo completamente diferente.

Então, por que Castlevania? É uma série sobre a qual os gamers pensam a respeito, de um ponto de vista de design, como uma grande realização. Ela ajudou a criar um gênero e tem muitas falas engraçadas que as pessoas adoram, por causa da localização ruim na época. O que você acha que tinha de novo para ser reinventado em uma mídia diferente?

Qual a sua idade?

Eu tenho 44 anos de idade.

Certo, então, deve ter tido um período na sua vida quando você estava jogando video game, e as pessoas estavam falando, “O que diabos você está fazendo?”.

Ah sim, com certeza. Sim.

CERTO. ISSO É ZOADO, CARA, VIDEOGAMES SÃO A FORMA DE ARTE MAIS MANEIRA que existe, hoje. ME IMPRESSIONA DEMAIS que, tipo, FOTÓGRAFOS, eu não quero citar o nome de ninguém, sejam tratados mais como artistas do que um designer de videogame, isso me deixa impressionado. Isso é ridículo. E o que é maneiro nos videogames é, tipo, você curte tiro em primeira pessoa?

Um pouco, sim.

Ok. Se você nunca jogou Overwatch e você nunca jogou Call of Duty, tipo, você jogou Halo você pode pegar o controle e você sabe EXATAMENTE o que está acontecendo. Você entende a linguagem, porque o que acontece é que a linguagem foi criada, e nós observamos ela evoluir nas últimas décadas. Se você é um gamer, você viu a linguagem evoluir.

Eu vi a sua citação dizendo “Castlevania vai ser a melhor adaptação de videogames” por aí. Qual você acha que foi o problema com as outras tentativas?

O padrão é muito baixo. Certo? E por que o padrão é baixo? As pessoas se fazem muito essa pergunta. As pessoas pensam, “cara, esse cara gosta muito de videogames, ele entende como eles são feitos e as mecânicas, porque os filmes de videogame são tão ruins?” E eu digo: “porque eles são tratados como filmes de videogame”. É só como contar a história. Você está contando uma história. Só que você está contando a história mal.

Você acha que isso é por causa da diferença das mídias?

Eu acho que é falta de respeito. Se você for ver os primeiros filmes de história em quadrinhos, eles são completamente ruins, porque as pessoas entravam nessa relutantemente, e você consegue enxergar isso! Você consegue ver quando o ator, pelo menos eu consigo, eu consigo ver quando o ator está, tipo, colocando a fantasia e pensando como ela é ridícula. E, tipo, “eu não vou me comprometer com esse papel, porque olha que cacete eu tô vestindo”. Você pode de fato saber em alguns frames de filme se alguém está se importando com a coisa que estão fazendo ou não.

E quando as coisas chegam ao departamento de marketing, você pode saber se o estúdio vê o que eles estão fazendo como lixo, entretenimento puro ou arte, sabe? Você vê tipo um pôster de… escolha um filme… O Lutador ou Cisne Negro. Um filme de Darren Aronofsky. Existe pensamento por trás do marketing. Porque o distribuidor está sutilmente comunicando para ele mesmo que, “ei, nós fizemos um filme importante! Nós contamos uma história importante. E ela foi contada muito bem”. De novo, eu não quero ser o cara que fica falando mal das coisas dos outros, porque você consegue ver olhando para alguns pôsteres.

A maioria dos consumidores, que agora estão mais cientes do negócio de fazer entretenimento, conseguem saber hoje em dia também.

E eu acho, também, que existem certas noções pré-concebidas, isso de maneira alguma se aplica a Castlevania, é só literalmente uma observação minha: existem essas regras firmes que os executivos fazem para falar para você: “ei, se você fizer isso, os fãs vão ficar muito chateados”. E uma delas é tipo: “não mude a história de origem do personagem”. Olhe para Super-Homem entre a foice e o martelo. É animal! E a história de origem mudou completamente. Então, eu não acho que nenhuma das regras tem que ser aplicada necessariamente. Acho que nós estamos chegando ao ponto em que a cultura é uma cultura de autenticidade.

O que pode ser limitador.

Eu acho que as pessoas estavam respondendo [no caso de Power/Ranger] que, na verdade, não, isso não estava tentando tirar seu dinheiro. Não havia incentivo monetário nisso.

Eles tentaram tirar do ar depois de um dia, certo?

Shankar: Exatamente, e nem era uma tentativa minha, ou de Joseph, de fazer um pitch para conseguir alguma coisa. Foi literalmente tipo: “eu via esse programa quando era criança. Eu achava animal. Isso é uma carta de amor para ele”. Sim, era uma paródia, mas no fim ela veio de um amor autêntico. E, infelizmente, para responder sua pergunta sobre videogames e tal, muitas das pessoas que fizeram adaptações de videogame no passado não eram fãs deles. É tipo: “ah, ok, aqui está uma propriedade intelectual, vai fazer um filme”. Existe um bom ponto de vista sobre praticamente qualquer coisa, a partir do momento que você entende as mecânicas básicas dessa coisa.

Mas tem o argumento oposto também: é possível ser fã demais. Às vezes, a perspectiva de fora pode trazer força nova para um personagem ou conceito que você ama. Ou você acha que esse não é o caso necessariamente?

Não, eu absolutamente acho que esse é o caso. Joseph e eu colaboramos naquilo e, você sabe, Joseph não era um fã de Power Rangers. Não mesmo. E James Van der Beek também não era, e Katee Sackhoff também não era, eu acho que Katee fez o teste para ser a Ranger Rosa, ou algo assim? Eles não eram fãs. Mas foi tudo tratado como…. correndo o risco de soar como um completo babaca, nós sentimos que estávamos fazendo uma peça de arte, sabe? Se você vê os videogames, muitos deles são trabalhos de arte. Não é como aquele cara que foi lá e fez Diablo e foi um lixo. É tipo: “não, não tinha nenhum mérito artístico envolvido. Você basicamente está tentando me atrair, porque você está se aproveitando do fato de eu ser um fã do jogo, então eu vou ver o filme, embora o filme não tenha nem uma fração do mérito artístico que você encontra no jogo”.

Justo. A notícia de Castlevania meio que apareceu do nada. Por que você acha que as pessoas se preocupam tanto com essas notícias?

Eu acho que é porque as coisas de nicho que nos tornaram estranhos agora são, tipo, completamente mainstream. É tão estranho, e quase parece ser um truque de mágica. “Ah não, tudo uma hora vai ser retomado.” Tipo, na noite passada, eu pensei em uma história de um anime dos Power Rangers, tipo uma versão super violenta em anime dos Power Rangers. Que seria meio tipo um Dragonball Z. Então, quando eles morfam, os Rangers seriam tipo super sayajins. Em qualquer outro ponto da história, seria tipo uma fantasia que passaria na minha cabeça. Mas até a minha mente teria censurado isso. “Por que você está pensando nisso? Isso não faz sentido. Isso nunca vai acontecer.”

Seria o tipo de coisa que você falaria sobre no recreio com os seus amigos.

Isso. E agora estamos vendo que isso não é necessariamente o caso. Se você voltar uma década atrás, e estávamos pensando na Comic-Con dez anos atrás e conversávamos sobre um filme do Deadpool, tipo, nunca iria acontecer. Seria tipo uma conversa de mundo paralelo. Agora nós vivemos em um mundo onde o filme do Deadpool pode existir e foi um dos maiores filmes do ano passado. Isso é uma mudança de paradigma. É a diferença do Hulk e do Wolverine antes do primeiro filme dos X-Men ter sido feito. Tipo, se você visse a série animada dos anos 90, ou se você curtisse os X-Men de alguma forma, você podia dizer que o Wolverine era muito pouco conhecido fora dos quadrinhos, não? O Wolverine era muito pouco conhecido, e o Hulk era muito mais conhecido. O Hulk era um nome da marca! O Hulk estava em camisetas, teve diversos programas de TV, HQs, todo mundo conhecia o Hulk. Hulk fazia parte do vocabulário mainstream, era usado para descrever alguma coisa.

A diferença era que, se você era um fã, você realmente se preocupava com o Wolverine ao ponto que haviam discussões na escola quando você brincava de X-Men, tipo, você arrumava uma briga para ver quem ia ser o Wolverine. Você não tinha isso com o Hulk. E isso continuou com os anos, com o Wolverine virando um ícone no nível mainstream, e aconteceu a mesma coisa com o Deadpool. Por causa da internet, fazer parte de um nicho não é mais uma coisa ruim. Ter um público pequeno mas dedicado não é mais uma coisa ruim, certo? Caras como John Carpenter estão retroativamente sendo enxergados através de outras lentes. Eles são famosos o bastante para serem reconhecidos no shopping? Não. Mas tem uma subcultura na internet que diz: “esse cara é animal, todos os filmes dele são animais”.

Você se preocupa que o ecossistema da cultura geek esteja supersaturado hoje em dia?

Não, não mesmo. Se eu acho alguma coisa, é o fato que ela virou o novo normal contra, se você curtia muito o Homem de Ferro nos anos 90, as pessoas ficavam tipo: “o quê?” Hoje em dia, o Homem de Ferro é mais conhecido que o King Kong ou o Godzilla. A cultura geek é o novo normal. Eu acho que foi o Todd McFarlane que ficou tipo: “cara, os geeks venceram. Eu não sei porque todo mundo ainda está bravo!” Eu acho que sim, tem essa raiva dentro da subcultura às vezes. O que precisa ser abordado. Porque eu acho que é um problema muito sério.

Eu acredito fundamentalmente que nós, os artistas desse planeta, somos outro braço do governo global. Nós somos a consciência da humanidade. Nós estamos lá para mostrar às pessoas um caminho melhor! Nós estamos imaginando um mundo melhor para que as gerações futuras possam crescer vendo esse mundo. Eu quero criar isso de verdade! Esse é de fato o nosso único trabalho. Mas se tiver muita crítica interna e as pessoas estiverem assustadas de criar as coisas, ou serem sinceros com eles mesmos por causa de ódio ou algo parecido, é muito ruim! Isso é uma geração inteira se auto-censurando.

Então, voltando para Castlevania. Um dos motivos dos jogos serem tão populares é que o ambiente era como um grande quebra cabeças, certo? Não era o seu jogo padrão no qual você vai da esquerda pra direita e eventualmente, se você for pra direita o bastante, e você derrotar os inimigos todos, você vence o jogo.

Castlevania faz você ir pra frente e pra trás e pra cima e pra baixo, e você transforma o castelo. Você destrava novas áreas com coisas que você encontra. Você consegue trazer algum desses elementos para o formato de uma série de TV?

Não, porque, fundamentalmente, as limitações filosóficas do que é um programa são a história dita de um ponto de vista. A forma como a câmera se move é quase como uma história se desdobrando como memórias suas. Contra tipo, quando você joga um jogo, é diferente. Então eu diria que a diferença entre ver um filme ou um programa de TV é quase, tipo, um monte de amigos sentados ao redor de uma fogueira de acampamento, dizendo o que aconteceu com eles, contra um videogame, que é como praticar um esporte. Você está participando e tem um objetivo final.

Então, a natureza de quebra-cabeças dos jogos não é algo que vocês estão tentando recriar na série?

Eu não diria que você não pode fazer algo como o que os jogos fizeram, mas são formas de arte fundamentalmente diferentes.

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