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[Review] Surface Pro: o híbrido ideal da Microsoft ainda não está pronto

O Surface Pro é o mais novo dos dois Surfaces lançados ano passado. Com processador x86, um Core i5 “Ivy Bridge” sob o capô e capaz de rodar todos os apps legados da plataforma, ele foi ansiosamente aguardado após o lançamento morno do Surface RT, modelo com processador ARM e sérias limitações. Testamos o Surface […]

Review do Surface Pro.

O Surface Pro é o mais novo dos dois Surfaces lançados ano passado. Com processador x86, um Core i5 “Ivy Bridge” sob o capô e capaz de rodar todos os apps legados da plataforma, ele foi ansiosamente aguardado após o lançamento morno do Surface RT, modelo com processador ARM e sérias limitações.

Testamos o Surface Pro equipado com a Type Cover, a capinha com teclas de verdade, e a versão Preview do Windows 8.1 instalada. Foram duas semanas usando o híbrido nos dois cenários que a Microsoft vende em sua publicidade: como tablet e como notebook. Essa vida dupla do Surface Pro é boa para o usuário? É o que tentaremos responder nas próximas linhas.

Que belo design, Microsoft

Mais do que um tablet/híbrido legal, o Surface marcou uma ruptura com o modelo de negócios da Microsoft. Até então, a empresa fornecia o software e deixava a cargo de parceiras a produção do hardware. Com o Surface ela passa a fazer tudo e consolida a visão de “dispositivos e serviços” que deve pautá-la nos próximos anos.

Este não é a primeira vez que a Microsoft integra hardware e software próprios: tivemos antes o Zune HD e o Kin, que acabaram sendo fracassos comerciais. Mas esta é a primeira vez que a empresa faz isso usando seu principal produto, o Windows.

E se o Surface Pro for um indício do nível de qualidade do que veremos no futuro, é bom HP, Dell, Samsung e outras ficarem atentas. O aparelho tem problemas, como é típico de “versões 1.0”, mas em linhas gerais ele é bacana.

O esmero é observável a partir da caixa. Ela é simples, quase minimalista, comporta o aparelho, carregador, a stylus (!) e nada mais. Ao pegar o Surface Pro, os dedos gostam do que tocam. O VaporMg, espécie de liga de magnésio que predomina a parte externa do híbrido, emana firmeza e é agradável ao toque, embora não seja totalmente livre de manchas derivadas do contato — nada que um paninho não resolva. Não há rebarbas, partes com aspecto barato ou que entortam, nenhuma escolha exatamente ruim de componentes. Até a parte móvel, o “pézinho” que deixa o Surface de pé em superfícies planas, passa muita confiança e não dá pinta de que quebrará com facilidade.

A disposição de portas e botões nas bordas é bem feliz. O posicionamento deles é convencional e intuitivo, e a oferta é suficiente: há uma porta USB 3.0, entrada para microSD, Mini DisplayPort, fone de ouvido no padrão 3,5mm. O conector de energia é proprietário, mas tem a vantagem de ser como o MagSafe da Apple, ou seja, se alguém esbarrar no fio é o cabo que cai, não o Surface.

Mas poderia ser mais leve e mais ergonômico

Aos olhos, o Surface Pro é puro agrado. Já para os braços… Ele não é leve, pesa 907g. Some aí os 220g da Type Cover e você tem quase o peso de um Ultrabook. A diferença é que enquanto um Ultrabook, com 13 polegadas, tem mais área para distribuir o peso, o Surface Pro tem dimensões menores e, portanto, uma massa mais concentrada. Por isso ele parece uma lajota. Uma lajotinha pesada.

Não espere usar o Surface Pro por muito tempo no modo tablet — além do peso, a bateria também não ajuda. Usá-lo sentado, segurando-o com uma mão e mexendo na tela com a outra, daquele jeito que Amazon e Apple mostram nos anúncios dos seus tablets, é desconfortável. Uma mão? Sem chance, não dá. O Surface Pro como tablet é, sendo bem generoso, desengonçado. O único modo de uso em que seu quase um quilo não interfere muito é deitadão no sofá, lendo ou assistindo alguma coisa. Em todos os demais cenários, o peso é um fardo.

Falando em modos de uso, ele é um tanto inflexível aí. As outras posições auxiliadas pelo “pezinho” dobrável não passariam com louvor em um teste de ergonomia. Explico: o Kickstand tem apenas uma posição e só funciona legal em superfícies lisas, como mesas. No colo? Esqueça. É arriscado, ele não fica firme e, com a digitação, tomba facilmente.

Outro problema é o ângulo, fixo e longe do ideal na posição padrão de trabalho (entenda: sentado na cadeira, olhando para baixo). Embora a tela colabore com seus ângulos de visão são extremos, é ruim vê-la “de cima”. Não precisaria ser um ThinkPad com abertura de 180º, mas um ou dois pontos extras na dobra seriam bem-vindos.

Uma tela linda, mas na proporção errada

E já que estamos falando de problemas, vamos à tela. Não que ela seja ruim. Pelo contrário, a tela é fantástica. Uma das grandes críticas feitas ao Surface RT, no Pro sobram elogios. Ela tem 10,6 polegadas e resolução Full HD, resultando em uma alta densidade de pixels que, por sua vez, se traduz em uma excelente definição mesmo dos menores elementos que surgem na tela. Somada essa característica à qualidade do painel escolhido pela Microsoft, o que se vê é uma tela exuberante. Os ângulos de visão são ótimos, o brilho, alto, e no geral não há muito o que reclamar do que se vê ali…

…exceto por uma coisa: proporção. Desde os primeiros tablets Android reclamamos de telas 16:9 porque… bem, porque é ruim. Talvez seja implicância minha, talvez eu não me adapte bem, mas de todas as experiências que tive com tablets grandes (maiores que 9 polegadas), 4:3 é melhor. Há mais área útil explorável e as perdas em cada sentido, retrato e paisagem, são menores do que no formato mais extremo (16:9, ou 16:10).

O Windows 8 ainda tem uma pegada horizontal, assim como os apps que seguem as diretrizes da Microsoft: você raramente “dá scroll” na vertical, e sim desliza o conteúdo da esquerda para a direita. Mas excluindo filmes e jogos, todo o resto fica esquisito em 16:9. Na horizontal, páginas web exigem mais rolagem, textos ficam espalhados ou subutilizam boa parte da tela. O Twitter retrata bem essa deficiência, com muito espaço desperdiçado; o Kindle tenta, à sua maneira (com duas colunas de texto), remediá-lo. Na vertical, é um linguição apertado, o que acaba “sufocando” os apps. Talvez os de leitura pura, como o Kindle e o Adobe Reader, se saiam melhor, mas ainda assim a coluna é muito estreita e muito longa.

E no modo retrato, o próprio Windows fica esquisito — seja na parte clássica, seja na moderna.

Se você assiste a muitos filmes e/ou é um jogador hardcore dos joguinhos móveis casuais, essa desvantagem pode se converter em algo positivo. Para todos os demais casos, é algo que passa a incomodar a certa altura.

E esse teclado?

É bom! A Type Cover é a iteração mais conservadora das duas capas oficiais do Surface — a outra, a Touch Cover, é mais fina e leve, porém tem “teclas” sem retorno tátil que saem da própria capa, como se fossem protuberâncias dela.

As teclas têm pouco espaço entre si, mas a curva de adaptação é curta. Em pouco tempo de uso já dá para digitar rapidamente e com poucos erros. A Microsoft optou por dar preferência a funções do Windows em detrimento das teclas F1-12 (que continuam ali, acessíveis via Fn), e para os desavisados que ainda não conhecem os gestos nas bordas do sistema – abrir a barra de charms, a barra de multitarefa etc. – elas devem ser uma mão na roda.

Só não entendi direito a presença do minguado touchpad. Por um motivo óbvio (pouco espaço), ele é bem pequeno. A sensibilidade é ok, ele todo é um botão, nada a reclamar, mas é tão apertado, e a tela sensível a toques está tão próxima, te chamando, que você só se lembra da presença do touchpad quando esbarra nele sem querer.

Há situações onde um mouse ainda é indispensável — artes gráficas, softwares de engenharia, programação. Mesmo para trabalhos mais leves, como a escrita, um bom touchpad dá mais agilidade. O Surface, porém, dá uma boa ideia de que a tela sensível pode substituir esses outros métodos de entrada para atividades leves como navegação e visualização de fotos. Claro que se você resolver editar e organizar dez anos de fotos, uma hora isso vai pesar, mas em sessões normais a “síndrome do braço de gorila” não é tão sentida quanto eu imaginava. Dá até para pensar que da mesma forma que o desktop caminha para ser um produto de nicho, voltado a profissionais, o mouse e o touchpad podem acompanhá-lo, embora ainda seja cedo para conjecturar o futuro (é preciso mais bojo, mais casos de uso, mais tempo nesse estado para termos assertiva mais concretas).

Mais notebook do que tablet

Tablet, notebook, tanto faz, certo? Na teoria, sim. Na prática o Surface e o Windows não escondem que puxam a sardinha para o segundo. Isso aqui é mais um notebook com tela sensível a toques do que um tablet.

Três pontos importantes nesse sentido:

Bateria: é pífia. Dura, com uso misto (leitura, música, vídeo, alguns jogos leves) de quatro a cinco horas. Para um Ultrabook já seria meio decepcionante, para um tablet é triste. Alguns pontos-chave da experiência, como “acordar” o Surface, levam intermináveis segundos que seriam impressionantes em um notebook, mas um tempo que ninguém espera em um tablet. É preciso se acostumar a um ritmo mais lento aqui.

Cooler: o Surface Pro tem um cooler, aquelas mini-ventoinhas que se usa em notebooks e desktops para resfriar o processador. Verdade seja dita, ele não fica ativo o tempo todo. Com um jogo mais intenso, ou rolando páginas web pesadas (Tumblr e suas dezenas de GIFs, por exemplo), ele entra em ação. Não é um barulho insuportável, mas é perceptível. (A propósito, o motor do IE 11 renderiza GIFs animados muito bem, melhor que o WebKit do Safari/Chrome.)

Windows: não está pronto. Ainda. Falemos mais sobre.

Windows: quase lá

O Windows 8.1 é um passo confiante e acertado rumo à Era Pós-PC. Ele mescla melhor as duas facetas do sistema, clássica e moderna, e traz ajustes finos que deixam a experiência melhor.

Usar esse novo Windows a sério por um bom tempo em um tablet apenas reforçou a impressão de que manter a porção clássica do sistema foi uma decisão, no mínimo, complicada. A cada vez que, por qualquer motivo, voluntariamente ou não, precisava voltar à área de trabalho, dava um suspiro de desânimo. Como Bill Gates cansou de provar com suas investidas em tablets pré-iPad, o Windows clássico, aquele com menu Iniciar, janelas e botões minúsculos, não foi feito para esse formato.

Já na porção moderna, as coisas são mais divertidas. A interface é fluida; as animações, agradáveis. A base parece pronta, mas os apps ainda estão alguns passos atrás da concorrência, especialmente quando comparamos os multiplataformas. Kindle e Twitter parecem “frágeis”, têm uns glitches esporádicos e estranhos que deixam o usuário desconfiado. O Twitter, coitado, está abandonado, com bugs terríveis há mais de três meses. Reckless Racing, joguinho de carro com versão para iOS, sofre com engasgos no Surface, enquanto que em um quase arcaico iPad 2 ele roda liso. O app da Wikipedia não funciona direito em português; e o Reading List, novo app nativo da Microsoft, é uma oportunidade perdida de ser um Instapaper do universo Windows.

Nem tudo é tristeza, porém. O NextGen Reader é exemplar, vale cada centavo. O Bing Tradutor (gratuito) também é legal. Dentre os multiplataforma, destaque para o Netflix, que nada deve às outras versões. Alguns outros poucos apps dão conta do recado. O maior problema, fora a precariedade da maioria deles, é disponibilidade: faltam apps básicos e o excesso de cópias descaradas na loja incomoda — cópias que, sejamos sinceros, toda loja tem, mas que nas mais populares acabam soterradas por aquelas coisas inovadoras e geniais, incluindo jogos, que aparecem com boa frequência. Usar o Surface ou qualquer tablet Windows é privar-se de boas surpresas e utilitários, ou de uma grande e importantíssima parte do que faz um tablet ser… bem… um tablet.

Diversos mecanismos de integração e vinculação com a nuvem estão presentes e, à sua maneira, a Microsoft parece estar conseguindo manter o Windows competitivo frente a iOS e Android. Apesar disso, pontos basilares do sistema não são tão intuitivos ainda e dada sua natureza, a menos que haja uma massificação rápida e avassaladora da plataforma, ainda teremos uns bons anos de gente se confundindo e se surpreendendo com a Charm Bar e a multitarefa do Windows 8. Acontece muito ainda, acredite.

Exemplo? Quando eu descobriria que no Windows 8.1 o gesto para fechar apps mudou? Jamais, se alguém não tivesse questionado isso diretamente no Twitter. Essa situação se estende a todas as interações básicas com o sistema para leigos que estão tendo só agora seu primeiro contato com o Windows. A queixa sobre o botão Iniciar é muito mais profunda do que aparenta: é uma reclamação da falta de informação visual, acessível de cara, a elementos imprescindíveis ao manejo do sistema. O que sobra de interatividade e excelência nesse ponto extremamente básico de usabilidade na Tela Inicial, com blocos dinâmicos que exibem informações logo de cara, é nula nas ações que se desempenham a partir das bordas. Ações que deveriam ser mais explícitas, bem mais explícitas.

Pedi para meu primo trazer um dos EUA. Cancelo a compra?

Este Surface Pro, versão com 128 GB de espaço interno, custa US$ 999. A Type Cover, US$ 130. Com US$ 1.129 você compra ou um Ultrabook, ou o tablet da concorrência. Se não exigir a leveza e o SSD de um Ultrabook e achar que ~7 polegadas são o bastante em um tablet, os dois. E embora isso possa (e eu acredite que vá) mudar no futuro, hoje a ideia de juntar tablet e notebook em um equipamento, pelo menos na proposta da Microsoft, não funciona. Então sim, peça para seu primo comprar outra coisa nos EUA. O Surface Pro não vale a pena.

Entenda: é bem legal ter seus arquivos e configurações de dispositivos outrora separados sempre juntos. A ideia de não trocar de máquina no trabalho e no lazer é perseguida há tempos, advém dos notebooks pré-históricos que pesavam quilos. Mas se até hoje ninguém conseguiu encontrar as medidas exatas que viabilizem sem comprometimentos esse cenário ideal, é porque é bem difícil. Mesmo. No papel o Surface é perfeito, ele tem configurações impressionantes e o Windows 8 se apresenta como um sistema tudo-em-um, mas as concessões que hardware e software pedem ao usuário extrapolam o razoável. Como tablet o Surface é ruim (bateria risível, ergonomia horrível). Como notebook, não dá conta (ângulo de tela fixo, uso com teclado espremido e desengonçado no colo).

É apenas a primeira versão do Surface e nesse intervalo de quase um ano desde o seu lançamento muita coisa já mudou. O Haswell, codinome da nova geração de processadores Intel, promete autonomia de mais de dez horas de uso ininterrupto. A geração seguinte dos Core deverá rodar sem coolers e em perfis bem finos. É provável que o Surface Pro tenha sido um produto lançado muito “cru”, uma versão 1.0 que mereceria, no máximo, um rótulo de “beta”. Tecnicamente ele é muito bom, possui algumas virtudes, como acabamento e tela indiscutíveis, mas no fim das contas, na hora de trabalhar ou se divertir, ele falha. Que o Surface 2 ou qualquer que seja o nome da próxima versão faça melhor o que essa primeira tentou e não conseguiu.

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