“Como torturar um robô” e outras coisas que vi no SXSW, festival de inovação no Texas

Tenho problemas com multidões e excesso de informação. Acho networking uma forma de masturbação sem prazer. Mesmo assim, gostei do meu primeiro SXSW

Ninguém acredita, mas é verdade. Sou tímido e não curto interações aleatórias. Gosto de ver jogos do Palmeiras sozinho, por exemplo. Futebol é mais alívio do que felicidade, mais sofrimento do que festa. Por isso sempre procuro o lugar mais vazio do estádio, para definhar em paz. Além disso, tenho um gigantesco problema com excesso de informação. Isso aciona um doloroso mecanismo que venho tentado controlar ao longo do tempo: a pororoca de ansiedade, a sensação de que não vai dar tempo de ver tudo o que eu preciso ver ao longo da vida, o medo de perder algo que faria uma diferença fundamental na minha vida.

SXSW 2015

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Pois bem. O SXSW (South by Southwest) é tudo aquilo que a, princípio, me faria querer ficar dentro de casa lendo, quietinho, tranquilo — de preferência a milhares de quilômetros de distância, em posição fetal.

O festival, que reúne música, cinema e inovação em Austin, na capital do Texas, atrai todo ano cerca de 100 mil pessoas para uma cidade com cerca de 900 mil pessoas. A cidade já é animadinha — ela se define como a capital da música ao vivo no mundo. Pela concentração de bares com bandas, faz sentido. Com esse fluxo de gente, Austin enlouquece — mas de um jeito muito peculiar.

A mistura de empreendedores, designers, programadores, cineastas, músicos, publicitários, jornalistas, chefs de cozinha, ativistas e o que mais estiver minimamente relacionado aos eixos do festival transforma a cidade numa micareta de inovação. Palestras, contatos, festas, reuniões, mais festas, contatos, aulas públicas dão a refrescante sensação de que o mundo é um lugar muito mais interessante do que a nossa rotina deixa transparecer. Eu poderia passar muitos e muitos dias aprendendo, construindo… e festejando.

Agora, vamos a alguns pontos que aprendi durante essa micareta.

Robôs 

Era só pegar o livrão com todos os eventos para perceber logo. Robôs, robôs em todos os lugares, e se reclamar vai ter mais robô, sim. Tinha tanta palestra sobre robôs em Austin que uma delas tinha o título “Você pode torturar um robô?”. Tentei ir, mas era impossível. Estava completamente esgotada. Todo mundo queria saber sobre isso (inclusive eu. Para alguém se fazer essa pergunta é porque alguma coisa aconteceu ou pode acontecer…)

O menino, o game e a máquina (foto: Leandro Beguoci)

O menino, o game e a máquina (foto: Leandro Beguoci)

Então deixei o livrão de lado e usei o aplicativo do SXSW para navegar pelo evento, reservando os lugares assim que eles estivessem disponíveis. Pintava um lugar que eu queria? Eu reservava. Quando vi, estava numa palestra em que um pesquisador dizia que, em 15 anos, 60% dos atuais postos de trabalho serão ocupados por robôs. Em outra palestra, o número mudava. Em outra, diziam que a gente caminharia para um futuro mais híbrido, com homens e robôs se complementando em uma série de tarefas. Não foi conclusivo. Lembra do pânico do excesso de informação? Senti isso depois de uma sequência de palestras sobre robôs.

De qualquer forma, dá para cravar sem medo. Vamos falar muito de robôs nos próximos anos. Até porque, né… Você se lembra do exército de robôs do Google? Os robôs já estão aí. Seja no exército do Google, no qual as máquinas têm movimento absurdamente precisos, ou mais perto. Afinal, quem atende o telefone quando você liga para a NET? Um robô animadão. Só depois você é “transferido para um de nossos atendentes”.

Pesquisas sobre o cérebro

Ando meio obcecado com esse assunto. Quer chamar a minha atenção? Me mande um texto sobre cérebro e formas de conectar cérebros e máquinas. Pronto, vou ler. Para minha sorte, houve um mundo de palestras sobre cérebro lá.

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Muitas delas foram sobre interface cérebro-máquina e os desafios de conectar nossa massa encefálica com fios. A cautela predominou nas palestras que eu vi. Muitos pesquisadores diziam que a gente ainda está bem longe de entender o cérebro, quanto mais de criar interfaces poderosas o suficiente para transferir comandos precisos do cérebro para máquinas. O avanço nos últimos anos foi imenso, mas ainda estamos muito longe do que os cientistas sonham — como devolver todos os movimentos de uma pessoa paralisada por meio de um exoesqueleto. É um passo de cada vez, bem lentamente — para a ciência e para as pessoas.

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Porém, houve um outro capítulo interessante sobre cérebro no festival. Há algumas pessoas tentando entender como o cérebro reage a esse nosso mundo cheio de notificações e compartilhamentos. Para alguns pesquisadores, notificações de celular ativam áreas do cérebro relacionadas a alertas de ver-e-correr. Você vê uma notificação e se comporta como o seu ancestral que corria de um tigre. A descarga hormonal, apontam alguns estudos, é muito semelhante de alguém que recebeu um alerta de urgência. É irresistível, é quase impossível controlar a ansiedade e a resposta rápida.

Outros pesquisadores estão estudando compartilhamento. Por que raios gastamos tempo compartilhando coisas na internet? Por que nosso cérebro faz essas coisas com a gente? Várias perguntas estão sem resposta.

Mas é muito interessante pensar nos mistérios do cérebro… Esse aglomerado de sangue e nervo que carregamos em cima do pescoço vai demorar muito tempo para ser completamente compreendido. É como se carregássemos uma galáxia distante dentro da cabeça.

Rio Colorado, que corta o centro de Austin (foto: Leandro Beguoci)

Rio Colorado, que corta o centro de Austin (foto: Leandro Beguoci)

Tecnologia e moda

Nem só de Apple Watch vive essa fantástica intersecção entre tecnologia e moda. Porque, sim, é disso que se trata: tecnologia entrando na moda, moda entrando na tecnologia. São os novos híbridos. É roupa para vestir e roupa para produzir ou trazer dados para você.

Os relógios são apenas uma pequena parte de um movimento muito maior. Sim, eu sei, você já ouviu falar muito de gadgets vestíveis, de tecnologia que se veste. Mas, no SXSW, esse negócio começou a mostrar que pode ser muito maior nos próximos anos porque a nossa relação com as roupas pode mudar.

A gente vai esperar que as nossas roupas sirvam não apenas para vestir, mas para prestar serviços para a gente. Como? Está em aberto, senhoras e senhores.

O festival-startup

O SXSW me lembrou muito o Fórum Social Mundial, de Porto Alegre. Fui a duas edições do fórum, quando estava na faculdade, em 2002 e 2003. Embora o Fórum fosse outro contexto do mundo, a dinâmica era muito parecida. Muita liberdade, muita palestra, muita festa e vontade de construir alguma coisa. E cheiro de churrasco. Porque, tal como Porto Alegre, Austin tem muito cheiro de churrasco.

Embora os eventos sejam muito diferentes, a dinâmica é a mesma. As pessoas precisam de eventos que fujam da lógica “coloque todo mundo num resort e faça a convenção lá mesmo”. É outra forma de se relacionar com o mundo.

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O SXSW nasceu como um festival de música em 1987. Naquela época, Austin estava muito longe de ser a cidade badalada que é hoje. Já tinha a Universidade do Texas, já era capital. Mas lembrava muito mais as pequenas cidades universitárias do interior dos EUA e da Inglaterra do que um centro cosmopolita de inovação, cultura e empreendedorismo. O SWSX poderia ter continuado como um festival de música, apenas. Só que ele não fez isso.

O festival foi incorporando aquilo que fazia sentido na vida de quem ama música. Afinal, quem ama música não ama APENAS música. Ama filme, ama inovação, ama educação, ama estar em contato com outras pessoas. O festival foi sendo construído a partir do interesse de seres humanos apaixonados por bandas, mas cresceu a ponto de ir muito além disso — sem nunca ter perdido sua conexão sonora.

Esse é um baita dilema de quem está construindo uma empresa, um site. Como crescer sem perder a identidade? O SXSW conseguiu incorporar uma série de coisas novas, interessantes, sem perder a força de festival de música e cultura. Está afinado com o espírito do tempo. Vai durar para sempre? Não dá para saber. Mas soube mudar na medida em que as coisas aconteciam. Ele não sentou sobre o sucesso e ficou colhendo o pedágio com o tempo.

Brasil no SXSW

O Brasil foi com uma missão de dezenas de empresas. A Casa Brasil, espaço criado pela Apex (a agência federal de promoção a exportações) estava muito bem localizada, na frente do Centro de Convenções de Austin. Foi o segundo ano em que o país teve uma participação organizada no festival. Tinha gente de música, de cinema, de startups, investidores. Não dava para reclamar que o canal não existia. Estava lá, à disposição de quem quisesse.

Avenida principal de Austin, capital do Texas e sede do SXSW (foto: Leandro Beguoci)

Avenida principal de Austin, capital do Texas e sede do SXSW (foto: Leandro Beguoci)

De qualquer forma, vale pensar em formas de aperfeiçoar a participação brasileira no evento. Esse ano tivemos uma participação bem interessante. A Juliana de Faria, do Think Olga, por exemplo, participou de um painel sobre ódio na internet. Tivemos um filme, sobre Dominguinhos, na programação cinematográfica oficial. Pessoas de agências de publicidade participaram dos painéis dedicados ao futuro das marcas. O país estava lá.

Mas talvez valha a pena pensar em formas de tornar a participação maior e mais efetiva — tanto lá como aqui. É o momento de pensar em como melhorar a vida de quem empreende, inova e faz cultura no Brasil. Estar num evento assim, com gente de tudo quanto é lugar do mundo, é uma ótima oportunidade de reflexão. O que o Brasil faz bem? O que a gente pode fazer melhor? O que a gente precisa para fazer mais?

O SXSW não pode ser um ponto de chegada, mas um ponto de partida para pensar em formas de melhorar o Brasil. Não somos tão ruins quanto pensamos – mas nem tão bom quanto gostaríamos.

Avalanche de informação 

É muita informação, sim. É muita gente no networking pesado. É muita palestra no mesmo horário. Mas, depois de algumas horas e duas cervejas, joguei tudo para o alto. Eu iria naquilo que eu conseguisse ir e conversaria com quem fizesse sentido conversar. O networking pelo networking é como masturbação, mas sem o componente do prazer. É muita energia jogada fora…

Música em todos os lugares

Música em todos os lugares (foto: Leandro Beguoci)

Isso me fez bem. Quando estava atolado de informação, ia andar na beira do rio Colorado. Ele é limpo e corta a cidade. Acabei descobrindo algumas coisas aleatoriamente, como um curioso protesto contra a… circuncisão (isso, isso mesmo) na ponte sobre o rio. Um dos cartazes dizia que a circuncisão retira 16 funções do pênis (eu nunca imaginei que tivesse tanta funções…). Pode parecer bobo, mas para mim é sempre muito interessante entender por que as pessoas se mobilizam em torno de algumas causas. Isso me tira da minha zona de conforto. Às vezes a gente acha que já viu de tudo nesse mundo. Mas, aí, vai parar num lugar e descobre algo absolutamente surpreendente.

Aliás, quando estava bem cansado, fui ver uma palestra sobre pequenas fábricas de comida e bebida no Brooklyn. Há um movimento cada vez maior, nos EUA, de substituir grandes empresas por companhias pequenas, que produzem alimentos muito específicos, geralmente saudáveis. Foi a primeira vez na minha vida que ouvi falar do conceito de “alimentação personalizada em escala”. É a era da personalização de tudo — do seu feed no Facebook à comida que a gente aprecia. São insights valiosos que eu não teria se tivesse entrado na piração de fazer tudo ao mesmo tempo agora.

Games no SXSW 2015

Games no SXSW 2015

É preciso se programar para ir a um evento assim? Claro. Se minha agenda estivesse melhor, eu não teria perdido a palestra sobre robôs torturados ou sobre os dados acumulados pelo Netflix. Teria reservado antes. Tudo bem, aperfeiçoo para o próximo ano. Mas não me arrependo nem um pouco de ter jogado a pressão para o alto nos primeiros dias.

Revi amigos que não encontrava há muito tempo. Conversei com gente interessante. Consegui digerir os excessos da cidade ajustando a cidade ao que eu posso dar conta. Isso me ajudou até a rever um tantinho da minha timidez e da minha aversão a multidões.

Eu não gosto de fazer coisas que eu não vejo sentido porque outras pessoas disseram que aquilo ia ser bom pra mim. Mas foi bom ter ouvido os conselhos e ter ido ao SXSW. Valeu a pena e recomendo com gosto — apesar do preço não ser muito amigável.

Mas é ainda melhor saber que a gente pode viver esse festival como quiser – e pode ser muito feliz assim.

Aliás, tem alguma dúvida? Alguma curiosidade? Pergunte aí nos comentários, vou participar deles durante dois dias, depois que esse texto for publicado.


Mariana Castro e Leandro Beguoci estão cobrindo o SXSW como enviados especiais do Gizmodo Brasil

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