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Tecido cerebral de mais de 2 mil anos foi encontrado preservado próximo ao Monte Vesúvio

A catastrófica erupção do Monte Vesúvio há quase 2 mil anos é famosa por ter preservado suas muitas vítimas em cinzas vulcânicas. Uma nova pesquisa sugere que essa preservação se estende ao nível celular, devido à aparente descoberta de neurônios em uma vítima cujo cérebro foi transformado em vidro durante a erupção. Uma nova pesquisa […]

Herculano está assim hoje. Imagem: Pier Paolo Petrone

A catastrófica erupção do Monte Vesúvio há quase 2 mil anos é famosa por ter preservado suas muitas vítimas em cinzas vulcânicas. Uma nova pesquisa sugere que essa preservação se estende ao nível celular, devido à aparente descoberta de neurônios em uma vítima cujo cérebro foi transformado em vidro durante a erupção.

Uma nova pesquisa publicada sexta (2) na PLOS One descreve a descoberta de tecido neuronal no cérebro vitrificado e na medula espinhal de uma vítima da erupção do Monte Vesúvio, que explodiu em 79 d.C.

“A descoberta de tecido cerebral em restos humanos antigos é um evento incomum”, disse Pier Paolo Petrone, antropólogo forense da Universidade Federico II na Itália e principal autor do novo estudo. “Mas o que é extremamente raro é a preservação integral das estruturas neuronais de um sistema nervoso central de 2 mil anos, em nosso caso em uma resolução sem precedentes.”

A sala em que o cérebro preservado foi encontrado. Imagem: Pier Paolo Petrone

A erupção do Monte Vesúvio devastou várias cidades romanas antigas, incluindo Herculano, Pompéia, Estábia e Oplontis. Após uma série de terremotos, o vulcão lançou uma enorme coluna de rocha derretida, cinzas quentes e pedras-pomes para o céu. Habitantes de assentamentos próximos sucumbiram rapidamente aos fluxos piroclásticos — avalanches de material superaquecido em movimento rápido. Estima-se que 2 mil pessoas morreram durante a erupção.

A queda das cinzas vulcânicas resultou em enterros rápidos e na preservação de muitas vítimas, as mais famosas delas em Pompeia. Em alguns casos, no entanto, o calor intenso fez com que os crânios das vítimas explodissem, já que as temperaturas subiram repentinamente para 500°C. Em Herculano, alguns habitantes buscaram abrigo nas câmaras de barcos próximas, onde foram cozidos vivos.

Uma pesquisa publicada no início deste ano no New England Journal of Medicine mostrou que as condições extremas naquele dia fatídico também transformaram o cérebro de uma vítima em vidro, descrito em um artigo liderado por Petrone.

A vitrificação é o processo no qual o calor intenso transforma o tecido em uma substância vítrea — um meio razoavelmente bom para preservar a estrutura em escala macro e micro. A vítima do sexo masculino foi encontrada em Herculano, deitada em uma cama de madeira e enterrada em cinzas vulcânicas.

Um fragmento do cérebro vitrificado. Imagem: Pier Paolo Petrone

Petrone, junto com uma equipe interdisciplinar de especialistas, examinou mais profundamente esse mesmo cérebro vitrificado, encontrando evidências de estruturas neuronais nele. Os pesquisadores dizem que esta é uma evidência do rápido resfriamento de uma nuvem de cinzas vulcânicas que atingiu Herculano durante os estágios iniciais da erupção. A vitrificação resultante solidificou as estruturas neuronais do homem, mantendo-as preservadas e no lugar por quase 2 mil anos, de acordo com os cientistas.

Usando um microscópio eletrônico de varredura e uma ferramenta de processamento de imagens projetada para redes neurais, a equipe descobriu vestígios de um sistema nervoso central, incluindo os restos de células cerebrais, axônios, mielina e microtúbulos celulares. As estruturas vistas nessas imagens microscópicas parecem altamente organizadas, sugerindo um notável grau de preservação neste cérebro vitrificado.

Para uma segunda linha de evidência, os pesquisadores analisaram as proteínas que encontraram no início deste ano, descobrindo que os genes dentro dessas proteínas estão associados à expressão de várias estruturas no cérebro humano. Essas proteínas “combinam ainda mais com a origem neuronal do achado arqueológico incomum”, escreveram os autores em seu estudo.

Imagem de um microscópio eletrônico de varredura mostrando o que parecem ser axônios semelhantes a vermes saindo de células neuronais. Imagem: Pier Paolo Petrone

Nem todos os especialistas estão convencidos

Zachary Throckmorton, pesquisador da Universidade de Witwatersrand em Joanesburgo e professor associado de anatomia do Escola de Medicina Osteopática do Arkansas, apreciou o uso de duas linhas diferentes de evidências pelos autores para apoiar sua descoberta, mas não está totalmente convencido.

“A análise de resíduos de proteína dá base para a afirmação [do estudo], mas a complexidade de como a expressão do gene varia ao longo dos tecidos do corpo torna suas descobertas sugestivas, mas não definitivas”, disse Throckmorton por e-mail.

Por outro lado, as imagens microscópicas mostradas no artigo “sugerem mais fortemente que eles de fato encontraram [células nervosas] preservadas nesta vítima do Vesúvio”, disse ele.

Ainda assim, Throckmorton acredita que as afirmações dos autores poderiam ter sido reforçadas por imagens experimentais comparativas. Para ficar totalmente convencido, ele “gostaria de ver as imagens deles em comparação com tecido do sistema nervoso central de mamíferos vitrificado experimentalmente em condições conhecidas e controladas”.

Tim Thompson, professor de antropologia biológica aplicada da Universidade Teesside no Reino Unido, sentiu que o novo artigo, como alguns dos trabalhos anteriores de Petrone, não continha informações suficientes para “uma pessoa externa fazer uma avaliação adequada”, disse ele durante uma chamada de vídeo.

Os cérebros, segundo Thompson, tendem a não se preservar muito bem e muitas vezes são a primeira coisa a se decompor após a morte. Assim, o novo estudo “destaca a complexidade da preservação em Herculano”.

Thompson disse não saber se os autores realmente encontraram estruturas neurológicas preservadas, mas o novo artigo mostra que nem todas as pessoas atingidas pela onda de gás superaquecido, conhecido como nuvens de onda de calor, foram vaporizadas instantaneamente.

Como especialista forense, Thomas gostaria de saber como uma preservação como essa é possível, dizendo que o novo artigo “realmente não responde isso”.

Durante a mesma chamada de vídeo, Matthew Collins concordou com Thompson. Collins é professor de paleoproteômica (o estudo de proteínas antigas) da Universidade de Copenhagen. Ele disse ter achado “frustrante” os autores não divulgarem todos os seus dados brutos, alegando que Petrone faz disso um hábito. As imagens microscópicas mostradas no artigo parecem “ter estruturas”, mas ele diz que queria ver mais.

Collins acrescentou: “Há claramente algo acontecendo na preservação do cérebro, e isso é muito emocionante.” Que uma preservação como essa seja possível faz sentido, disse ele, já que o corpo humano é um “meio rico em líquidos” em que os pedaços do lado de fora não cozinham tão rápido quanto as partes do lado de dentro.

A frase de abertura do novo artigo afirma que a detecção de tecido cerebral microscópico “em vestígios arqueológicos humanos é um evento raro que pode oferecer uma visão única sobre a estrutura do antigo sistema nervoso central”.

Thompson, Collins e Alexandra Morton-Hayward, arqueóloga da University College London que também participou da conversa por vídeo, respeitosamente discordam.

Um artigo recente que tem o trio como coautor e foi publicado no NEJM argumenta que o tecido cerebral é muito comum no registro arqueológico. Em seu estudo, os cientistas fornecem um grande número de exemplos, incluindo material orgânico encontrado em cadáveres mumificados do antigo Egito bem preservados e crânios encontrados enterrados em poços de lama encharcados.

“Seus leitores precisam estar cientes de que, quando se trata de encontrar tecido cerebral antigo, esta última descoberta não é tão especial”, disse Morton-Hayward, que liderou o estudo publicado no NEJM. “Mais de 1.300 cérebros foram relatados em vários contextos em registros arqueológicos desde meados do século 17. É impressionante neste ponto, e não único, e nem mesmo emocionante em alguns aspectos.” O problema, disse ela, é que esses cérebros não estão sendo suficientemente estudados, o que pode explicar a subnotificação.

Morton-Hayward, na verdade, estava animada com a descoberta potencial de tecido cerebral nos restos mortais vitrificados. Cérebros preservados encontrados em contextos baseados em calor “não são tão comuns”, observou ela, mas acontecem. Ela ainda acrescentou que “não ficaria surpresa” se Petrone e seus colegas de fato encontrassem “microestrutura bem preservada” na amostra.

“Herculano é um local excepcional e com um contexto emocionante”, disse Morton-Hayward. “Estamos encontrando cérebros preservados em todo o mundo e espero que este seja o início de muito mais trabalho nessa área.”

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