Tomada de três pinos: os argumentos de segurança e impacto econômico

A tomada de três pinos pode deixar de ser o padrão brasileiro se depender do governo Jair Bolsonaro. O secretário especial de Produtividade e Competitividade, Carlos Alexandre da Costa, lidera os esforços para acabar com o padrão definido pelo Inmetro em 2000, mas que só se tornou obrigatório em 2011. Segundo Alexandre da Costa, a […]
Plug e tomada de três pinos utilizado no Brasil
Imagem: IEC

A tomada de três pinos pode deixar de ser o padrão brasileiro se depender do governo Jair Bolsonaro. O secretário especial de Produtividade e Competitividade, Carlos Alexandre da Costa, lidera os esforços para acabar com o padrão definido pelo Inmetro em 2000, mas que só se tornou obrigatório em 2011.

Segundo Alexandre da Costa, a tomada de três pinos foi “rejeitada pela sociedade brasileira” e “afeta a segurança, a concorrência e a produtividade”.

Não é a opinião da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), que diz que um retorno ao padrão anterior traria mais custos à população e seria um “retrocesso” na prevenção de acidentes. A entidade representa os setores elétrico e eletrônico no Brasil.

Abinee quer manter o padrão

De acordo com um comunicado da Abinee, o motivo para a implantação do padrão brasileiro de três pinos foi eliminar riscos de choque elétrico com risco de morte, o funcionamento inseguro com aquecimento e risco de incêndio, e as perdas de energia devido a conexões inseguras.

O terceiro pino dá aterramento aos aparelhos que alimenta, levando a energia excedente para o solo e desmagnetizando o aparelho. É preciso, no entanto, que as tomadas da residência estejam adaptadas ao incluir o fio terra ao sistema elétrico – ou seja, a tomada precisa estar coligada a uma barra de cobre de 3 metros cravada na terra.

Nem todo equipamento tem tomada com três pinos. Refrigeradores, fogões, ferros de passar roupa, fornos de micro-ondas, TVs e computadores costumam ter esse padrão, enquanto que barbeadores, secadores e carregadores de celular possuem dupla isolação e contam com apenas dois pinos.

A organização diz que entre 2000 e 2010, antes da adoção do padrão, a média anual de acidentes fatais provocados por choques elétricos era de 1,5 mil ocorrências. Em 2018, a média foi de 600 ocorrências anuais. A Abinee destaca ainda que a construção de novos edifícios deve diminuir ainda mais os acidentes.

Eles dizem ainda que o próprio design da tomada de três pinos evita choque elétrico, prevenindo o toque acidental com o pino do plugue energizado ou o mau encaixe.

Inconsistência nos dados de segurança e potenciais prejuízos econômicos

No ano passado, a revista Época fez uma reportagem que apontou que, sete anos depois da adoção da tomada de três pinos, os brasileiros tinham gastado pelo menos R$ 1,4 bilhão para se adaptarem. Essa mesma reportagem contradiz a diminuição de ocorrências de choque elétrico apontada pela Abinee, com base nos números da Abracopel (Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade).

O material da revista Época diz que os números oficiais de pessoas atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) por choque cresceram continuamente nos últimos sete anos:

Em 2011, quando a tomada de três pinos se tornou obrigatória, houve 857 atendimentos por exposição a corrente elétrica registrados no SUS em todo o Brasil — boa parte em residências, habitações coletivas e escolas. Em 2017, o Ministério da Saúde registrou 1.307 atendimentos por choque elétrico em todo o Brasil, crescimento de mais de 50% em seis anos. O número de internações por choque também aumentou, saltando de 22 em 2012 para 102 no ano passado. Até janeiro deste ano [2018], houve 64 internações por choque elétrico pelo SUS no país. As mortes por choque elétrico em residências mantiveram-se num gráfico linear. Desde os anos 2000, há uma média de 1.300 por ano.

O Gizmodo Brasil consultou os dados do DataSUS e confirmou que os óbitos nos itens “exposição elétrica não-especificada” e “exposição a outra corrente elétrica especificada” (excluindo apenas linhas de transmissão) registra, anualmente, entre 1.100 e 1.300 mortes por ano. A diferença dos números do SUS e da Abracopel se dá pela metodologia, uma vez que Abracopel “utiliza a informação eletrônica como forma de descobrir os acidentes de origem elétrica que acontecem no Brasil”. Conforme o documento:

Assim como estatísticas de descargas atmosféricas usam sensores espalhado pelo país, os profissionais de mídia (jornalistas, blogueiros, entre outros) são nossa maior fonte de informação. Uma ferramenta criada pelo Google, conhecido como alerta de notícias, nos permite acompanhar qualquer notícia com palavras chaves específicas (enviadas para o nosso e-mail). Nossa equipe depura cada notícia, lendo e verificando sua veracidade uma a uma. A partir daí, as informações extraídas são segmentadas utilizando um documento de base de dados com os detalhes que a entidade considera importantes, como: data, estado, cidade, gênero, faixa etária, ocupação, tipo de acidente, fatal ou não, dentre outros.

O diretor técnico da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), Guilherme Tolstoy, adotou um tom similar ao ser consultado pela revista Época em uma reportagem recente, dizendo que a possibilidade de alteração seria um “retrocesso” e que “seria caótico” fazer uma mudança.

“Quantas construções foram feitas no Brasil nos últimos oito anos com esse modelo de tomada? Todos os fabricantes de eletrodomésticos e produtos elétricos estão fabricando com o novo modelo de plugue”, disse Tolstoy.

Fim dos três pinos?

A ideia de “se livrar” do padrão da tomada de três pinos circula entre diversas alas do governo de Bolsonaro. No dia 6 de abril, o assessor internacional do Planalto, Filipe Garcia Martins, tuitou após o presidente decretar o fim do horário de verão: “Temos que nos livrar da tomada de três pinos, das urnas eletrônicas inauditáveis e do acordo ortográfico”.

Era a primeira afirmação pública de um dos integrantes do governo. A ideia, já rondava em Brasília: no início do ano, Alexandre da Costa havia pedido à presidente do Inmetro, Ângela Flores Furtado, uma manifestação da autarquia sobre o assunto.

De acordo com fontes ouvidas pelo Valor Econômico, a análise de impacto regulatório foi desfavorável à ideia de mudança. Após apresentar o documento, Ângela teria “levado uma bronca” e posteriormente assinou uma nota técnica em que ratifica a segurança do padrão brasileiro, mas considera “tecnicamente viável a disponibilidade de outro padrão internacional de tomada”.

“Hoje existem no mundo 110 diferentes configurações de padrões adotados. Flexibilizar a adoção de outro padrão de tomada preferido pelo consumidor, de acordo com a melhor aderência aos plugues de seus equipamentos eletroeletrônicos, pode ser considerado”, disse Ângela, por meio da assessoria.

Aparentemente, a ideia do governo não é acabar de vez com a tomada de três pinos, mas torná-la não obrigatória – deixando o país sem padrão definido – ou definir um modelo híbrido, compatível com os dois anteriores e com outros modelos já existentes no exterior.

Alexandre da Costa diz que o modelo atual dificulta a entrada de equipamentos elétricos importados e aumenta os custos de adaptação. Ele diz ainda que apenas 20% das tomadas de dois pinos foram efetivamente trocadas até agora, mas não diz de onde vem esse número.

É fato que a mudança de padrão em 2011 surpreendeu muita gente. Apesar de a Abinee dizer que “a implementação do padrão é fruto de uma ampla discussão” e que a obrigatoriedade em 2011 veio após “um cronograma de implantação gradual”, muita gente ainda tem que comprar adaptadores ou preferem arrancar o terceiro pino.

A discussão, no entanto, deve levar um bom tempo. Para flexibilizar a tomada de três pinos, é necessário convocar uma reunião do Conmetro, conselho que reúne nove ministros e presidentes do Inmetro, ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor) e outras entidades.

Justamente pela complexidade, a equipe econômica do governo se preocupa que a convocação de nove ministros para endossar a mudança de padrão passe a imagem de que perde-se muito tempo com discussões pouco importantes.

[Abinee, Valor Econômico, Época (1) e (2)]

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