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Adeus, TramaVirtual: o fim do serviço que revolucionou a cena independente de música no Brasil

A TramaVirtual, um dos primeiros sites a permitir que bandas e artistas independentes divulgassem seu trabalho, chega ao fim hoje, dia 31 de março. Criada há dez anos para dar espaço às bandas que não assinavam com a Trama, mas queriam mostrar seu material, a plataforma surgiu num momento em que não havia grandes alternativas. Lembre-se: não […]

TramaVirtual, um dos primeiros sites a permitir que bandas e artistas independentes divulgassem seu trabalho, chega ao fim hoje, dia 31 de março. Criada há dez anos para dar espaço às bandas que não assinavam com a Trama, mas queriam mostrar seu material, a plataforma surgiu num momento em que não havia grandes alternativas. Lembre-se: não havia YouTube ou iTunes Store e o MySpace ainda não tinha emplacado. SoundCloud e Bandcamp? Esses só iam surgir bem depois. Nas circunstâncias em que surgiu, a TramaVirtual foi, de certa forma, a pioneira.

“Conhecemos logo que o site foi lançado, em 2002, 2003. A banda estava começando nessa época e fazíamos perfis em todos os sites de graça disponíveis, mesmo sem ter nada gravado em estúdio ainda.”, diz Gustavo Martins, ex-guitarrista e vocalista do Ecos Falsos. Antes disso, ele diz que a divulgação era feita através de “coisas precárias”: “[Divulgávamos nossas músicas] vendendo nos shows, colocando o mp3 no nosso servidor, mandando CD-Rs pra jornalista, enchendo o saco das pessoas no Orkut.”

Alexandre Capilé, vocalista e guitarrista da Sugar Kane, também recorda aqueles tempos. “Antes usávamos o mp3.com, que acabou inesperadamente, depois disso rolou uma lacuna, que foi logo preenchida pelo TramaVirtual, que era legal por ter o ranking nacional. Lembro que ficávamos no topo com bandas como o Cansei de ser Sexy, Dance of Days, Nx Zero… uma boa época.”

Flávio Seixlack foi repórter do site e também guarda ótimas recordações. “Escrevia matérias diárias, entrevistava bandas independentes, cobria festivais pelo Brasil, gravava podcast, ouvia as bandas pra dar joinha e ajudava no programa de TV do Multishow. Bons tempos. Nada nessa vida vai se igualar ao que era o ambiente na TramaVirtual naqueles anos. Anos dourados da minha vida.”

O ranking não era o único diferencial do site, como conta Gustavo. “A TramaVirtual era diferente dos outros serviços porque tinha uma curadoria, uma equipe de brasileiros que de fato ouvia as bandas, e eu lembro que a partir do momento em que ganhamos um ‘joinha’ e fomos pra home (acho que foi em 2005) nossa moral na cena independente aumentou muito. A partir daí, sempre demos prioridade pra TramaVirtual na hora de colocar músicas na internet.”

Tudo isso contribuiu para que a TramaVirtual conseguisse uma grande importância no meio independente. “Naqueles meados dos anos 2000 o site realmente foi o lugar que todo mundo ia pra saber o que estava rolando no mundo independente”, relembra Gustavo. “‘E o fato de dar uma cara a essa ‘cena’ foi positivo não só pra nós, mas pra todas as bandas.”

Alexandre concorda. “[A TramaVirtual era] uma plataforma super antenada que ajudou muito a espalhar nosso som pelo Brasil. Pra gente, sempre foi um parceiro muito importante.”

O site ainda adotou um modelo de negócio interessante e incomum para a época: o download remunerado. O serviço continuava gratuito para bandas e ouvintes, mas um patrocinador mensal disponibilizava um valor em dinheiro a ser dividido por cada download e pago aos artistas. Era pouca coisa — nunca passou de R$ 10 mil, ficando em meros R$ 1.000 por mês no último ano —, mas era uma boa ideia de como disponibilizar música de forma legal e gratuita ao público e ainda assim remunerar o artista.

“Esse modelo é muito legal, incentivando a iniciativa privada a patrocinar artistas. Ganhamos uma grana legal com isso”, diz Alexandre. “Sendo grátis pra quem baixava e remunerado pro artista, perfeito.”

Gustavo também elogia a iniciativa. “O modelo ainda me parece bem engenhoso, tanto é que o Youtube usa mais ou menos o mesmo até hoje, e dava uma sensação de ‘estamos todos juntos nessa, galera!’. Pena que um site de música autoral de bandas independentes não é exatamente o que se pode chamar de ímã de anunciantes”

A queda

O problema era encarar o download faixa a faixa para dar um apoio ao artista: era muito mais fácil procurar em outro lugar.  O funcionamento do site ainda tinha resquícios de um tempo em que a banda larga era restrita. Em pleno 2013 ainda não era possível fazer download de discos inteiros em um único arquivo, apenas faixa a faixa. Reflexos de um tempo em que 60MB eram muita coisa.

O serviço, pensado para os tempos da internet discada, não conseguiu se reinventar para encarar os novos tempos. “Acho que porque não conseguiu descobrir uma forma de ganhar dinheiro com a coisa toda.”, comenta Flávio. “Hoje em dia é tão fácil abrir um serviço na internet quanto morrer algum tempo depois. A TramaVirtual durou bastante tempo e sempre manteve a dignidade. Então, palmas pra eles.” Em entrevista à Folha, João Marcello Bôscoli, um dos sócios da gravadora Trama, também diz acreditar que o site foi mais longe do que se esperava. “Nós achávamos que iríamos durar sete anos, pela obsolescência programada. Dez anos no mundo digital é muito tempo.”

A chegada de gigantes também dificultou a concorrência. Fato é que as bandas não vão ficar virtualmente desalojadas, sem ter um lugar para mostrar seu trabalho. SoundCloud e YouTube servem muito bem para quem quer deixar seu trabalho livremente na rede. Para quem quer ganhar alguma coisa, serviços de streaming como Rdio e Spotify abrem suas portas, além da iTunes Store, e também há o Bandcamp, em que a banda define o valor que quiser para seu disco — até “pague quanto quiser” é uma opção.

Estes serviços podem até ser úteis para bandas e fãs, mas nenhum deles chegará a ser a nova TramaVirtual. “Tem muitos lugares pra colocar suas músicas se você é uma banda, como o Bandcamp, por exemplo… mas o lance de reunir toda a música independente de um país num só lugar? Acho difícil.”, comenta Flávio. “E também tinha essa proximidade da equipe com os artistas, a oportunidade que o site dava pra todos eles, o fato de a gente ouvir tudo e dar joinha era algo bem legal. A mistura de conteúdo jornalístico com Myspace era algo possivelmente único. Infelizmente acho que não tem nada similar por aí.”

Mas, se comparado ao que temos hoje, a TramaVirtual fica para trás, ela era muito boa dentro do contexto em que surgiu. Muito mesmo. Lembro que peguei muita coisa de punk rock e hardcore na minha adolescência pelo site, nos sábados e domingos em que o preço da conexão discada era menor. Era realmente muito legal ter um site para baixar músicas de bandas pouco conhecidas sem ter que apelar para P2P, que era a única alternativa — torrent e sites de compartilhamento ainda estavam começando naquela época.

A TramaVirtual foi responsável por uma parte considerável do que eu ouvia quando tinha 13 anos. Não sei se dá para chamar de “bons tempos” — a tecnologia tornou todo o processo bem mais prático; é muito melhor ouvir coisas por streaming hoje e não ter que esperar dar 14h de sábado ou meia-noite para entrar na internet —, mas é uma época que eu guardo com carinho na memória.

“Vamos continuar divulgando [nossas músicas] pelo Facebook aliado ao SoundCloud, Bandcamp, ONErpm … muita coisa surgiu pra divulgar o som virtualmente, mas com certeza o TramaVirtual vai deixar saudade, ele representou muito pra gente”, confessa Alexandre.

Para quem ainda quer viver seus últimos momentos no site, o blog do Zona Punk fez uma bela seleção cem bandas para você baixar por lá. Aproveite, é só até dia 31. E tenha paciência para baixar música por música. Lembre-se: há dez anos atrás, você nunca reclamaria disso.

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