Após anos sem grande avanço, cientistas estão cautelosos mas otimistas com nova estratégia contra o Alzheimer

Depois de fracassos durante 15 anos, pesquisadores por trás de novo estudo apostam em nova hipótese, mas preferem ter cuidado antes de se animar demais
Instituto Nacional de Envelhecimento dos EUA, NIH/Flickr

O campo da pesquisa de Alzheimer é repleto de decepção. Ainda na semana passada, mais um medicamento falhou em seu ensaio clínico de Fase 3, continuando os 15 anos de derrotas desde que um tratamento verdadeiramente novo para a doença de Alzheimer foi aprovado pela FDA (órgão norte-americano equivalente à Anvisa).

Mas uma equipe de cientistas disse nesta semana que encontrou evidências iniciais — em ratos — de que uma classe de drogas existente pode atacar o Alzheimer e doenças semelhantes a partir de um ângulo diferente daquele das tentativas anteriores fracassadas.

A questão do que causa o Alzheimer não tem respostas simples. Sabemos que duas proteínas naturalmente produzidas no cérebro — beta-amiloide e tau — estão intrinsecamente ligadas à doença neurológica. Em um paciente com Alzheimer completo, aglomerados anormais de ambas as proteínas, chamados de placas e emaranhados, respectivamente, se formam e sujam o cérebro (as placas são principalmente encontradas no espaço entre as células nervosas, enquanto os emaranhados se formam majoritariamente dentro das células nervosas). Mas não sabemos se uma ou ambas dessas estruturas são as principais responsáveis pelo dano cerebral progressivo e pelo fim fatal visto no Alzheimer.

Como eram os tratamentos

A teoria mais amplamente endossada da doença é de que a beta-amiloide é a vilã principal, em parte porque as placas parecem aparecer antes dos emaranhados de tau. Portanto, cientistas e empresas farmacêuticas têm depositado suas esperanças em medicamentos capazes de romper essas placas ou evitar sua acumulação no cérebro. Mas teste após teste dessas drogas antiamiloides falharam em melhorar significativamente os sintomas das pessoas ou diminuir a progressão da doença. Muitas vezes, a falha do medicamento só se torna clara na linha de chegada do teste com humanos.

“Este medicamento vai atrás de um alvo diferente da maioria destes ensaios de alto nível. Mas talvez até mesmo a proteína tau pode não ser o alvo correto.”

Os ensaios malsucedidos mais recentes do Aducanumab, que foram interrompidos cedo pela Biogen e pela empresa farmacêutica japonesa Eisai na semana passada, foram especialmente desanimadores.

O Aducanumab parecia ser melhor em limpar placas do que as drogas anteriores e foi testado em pacientes nas primeiras fases clínicas do Alzheimer, dois fatores que deveriam ter aumentado suas chances de sucesso. Esses fracassos mais uma vez provocaram apelos da comunidade científica para repensar ou mesmo desviar o foco e os recursos completamente para longe da hipótese amiloide da doença, como é chamada.

A nova linha de pesquisa para tentativa de cura

Os pesquisadores por trás desse estudo atual, publicado na quarta-feira (27) na Science Translational Medicine, vêm buscando uma dessas alternativas há anos.

Sua pesquisa, liderada por Kenneth Kosik, neurologista da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, focou na tau como o principal motor da doença de Alzheimer ao invés do beta-amiloide. Embora os emaranhados de tau apareçam mais tarde no desenvolvimento da doença, algumas pesquisas mostraram que a disseminação anormal de tau se correlaciona melhor com a progressão visível da doença do que o beta-amiloide (em contraste, placas podem ser encontradas no cérebro de pessoas sem demência visível). E já sabemos que existem outros distúrbios neurológicos, como a demência frontotemporal, que são quase certamente conduzidos apenas por emaranhados de tau. Muitas pessoas com demência frontotemporal também herdaram mutações genéticas envolvendo a produção de tau, o que aumenta muito o risco de emaranhamento.

“No Alzheimer, você pode debater onde está o problema, mas com esses casos, não há dúvidas sobre isso”, disse Kosik ao Gizmodo.

Foi no estudo dessas mutações de tau que Kosik e sua equipe fizeram uma descoberta. Eles afirmam ter encontrado um caminho regulador nunca antes visto nas células que pode desencadear a degradação da proteína tau saudável. Essa via parece operar por meio de uma proteína chamada Rhes, que pertence a uma família maior de proteínas chamadas RAS . A família RAS é regulada por uma enzima chamada farnesiltransferase. E, por sorte, já existem drogas conhecidas por inibir a farnesiltransferase.

Esses inibidores de farnesiltransferase (FTIs, na sigla em inglês) foram originalmente desenvolvidos como drogas anticancerígenas, já que a proteína RAS mutada também é comumente encontrada em tumores, e algumas até chegaram a ensaios em humanos. Porém, embora fossem considerados seguros o suficiente para as pessoas usarem, os medicamentos não foram aprovados como tratamentos de câncer. Kosik e sua equipe, entretanto, teorizaram que os FTIs poderiam ser redirecionados para tratar distúrbios do cérebro relacionados à proteína tau, incluindo a doença de Alzheimer.

Até agora, o trabalho inicial em ratos e neurônios humanos (cultivados a partir de células-tronco de pessoas com demência frontotemporal geneticamente ligada) parece confirmar o palpite. Quando eles deram um FTI, chamado Lonafarnib, a ratos criados com uma forma de demência frontotemporal, a progressão dos sintomas da demência diminuiu visivelmente. Os cérebros dos ratos tratados também tinham menos tau anormal e inflamação do que os ratos do grupo de controle. E, em uma placa de petri, os neurônios humanos danificados foram mais capazes de produzir tau saudável quando expostos ao Lonafarnib.

É claro que essa não seria a primeira vez que estudos em animais dão uma pequena esperança de um potencial novo tratamento para demência. Mas Kosik observou que uma vantagem do lonafarnib, em comparação com outras drogas experimentais, é que ele já foi bem estudado.

“Essa é uma droga que é segura em humanos. Isso significa que ela pode ser redirecionada para uso em indivíduos que contraem doenças relacionadas a emaranhados [no cérebro]”, disse Kosik. “Uma vez que você esteja fazendo testes em humanos, eles devem ser feitos com pessoas com doenças muito leves ou mesmo antes de apresentarem sintomas. E eu acho que esse deve ser um dos próximos passos.”

Apesar desse otimismo, a equipe de Kosik enfrentou alguns obstáculos para continuar estudando a droga. O Lonafarnib está também sendo estudado para a sua utilização no tratamento da rara doença progéria, que causa o envelhecimento rápido, com ensaios clínicos promissores que irão provavelmente abrir caminho para a sua aprovação pela FDA. Mas Kosik diz que a fabricante do medicamento, a Eiger BioPharmaceuticals, se recusou a fornecer mais do medicamento à sua equipe para uma pesquisa contínua em humanos. Se o Lonafarnib já não puder ser usado, acrescentou, a sua equipe teria que encontrar outros inibidores de farnesiltransferase.

Tirando a logística, Kosik está bem ciente dos desenvolvimentos sombrios recentes na busca de um novo tratamento para doenças neurológicas como o Alzheimer. Mas ele espera que ele e outros tenham aprendido e continuem a aprender com os erros do campo, seguindo suas próprias pesquisas.

“Este medicamento vai atrás de um alvo diferente da maioria destes ensaios de alto nível. Mas talvez até mesmo a proteína tau pode não ser o alvo correto. Talvez tenhamos que analisar outros aspectos da doença, como a inflamação”, disse.

Apesar de sua própria teoria, Kosik não endossa a ideia de se afastar totalmente da beta-amiloide, mas sim de ser mais inteligente sobre como realizamos a pesquisa de Alzheimer em geral e buscar múltiplos caminhos potenciais de tratamento que são fortemente apoiados pela pesquisa básica.

“As lições que devemos aprender com esses ensaios não é fechar um aspecto do estudo da doença, mas, sim, reavaliar a forma como abordamos esses ensaios clínicos em primeiro lugar”, disse Kosik. “Também sou clínico e entendo que, quando você tem um paciente implorando por algo, qualquer coisa que possa ajudar, a tentação é muito forte para tentar algo. Mas muitas dessas tentativas são um ato desesperado que passa. O que nós realmente precisamos, mais do que qualquer outra coisa agora, é de uma compreensão mais profunda da biologia celular que está por trás dessa doença.”

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