_Twitter

Como o Twitter está mudando para ficar ainda mais fechado — e enfurecer desenvolvedores

O Twitter, ou melhor, o twttr de 2006 era muito diferente do que está aí hoje, em 2012. As últimas mudanças no microblog mostram um foco bem diferente do de seis anos atrás – e isso não é algo exatamente bom. Agora, o Twitter bloqueia acesso de outras redes sociais. Agora, o Twitter bloqueia apps de terceiros. […]

O novo Twitter.

O Twitter, ou melhor, o twttr de 2006 era muito diferente do que está aí hoje, em 2012. As últimas mudanças no microblog mostram um foco bem diferente do de seis anos atrás – e isso não é algo exatamente bom. Agora, o Twitter bloqueia acesso de outras redes sociais. Agora, o Twitter bloqueia apps de terceiros. E agora, o Twitter é alvo de processo judicial por se tornar cada vez mais fechado.

O que aconteceu? E o que isso indica para o futuro do Twitter – e de suas alternativas? Vamos explorar o que o Twitter era, e o que ele pode se tornar.

O início

Inicialmente uma ferramenta interna da (finada) plataforma de podcasts Odeo, a ideia de Jack Dorsey, Noah Glass, Evan Williams e Biz Stone visava a comunicação rápida com grupos de pessoas usando SMS. É por isso, aliás, que existe o limite de 140 caracteres para as mensagens — a mesma limitação de uma mensagem de texto enviada via celular.

Não demorou muito para o Twitter ganhar popularidade. A troca de mensagens curtas e o fluxo constante delas, enviadas por pessoas que o usuário escolhe seguir, são viciantes. A rapidez com que a informação trafega no Twitter e a quantidade de gente falando de assuntos do dia a dia conferem muitos dados brutos que, ao longo dos anos, o site conseguiu trabalhar bem. A página inicial do Twitter exibe, atualmente, a seguinte frase: “Descubra o que está acontecendo, agora mesmo, com as pessoas e organizações que lhe interessam.” O serviço promete isso logo de cara porque consegue, de fato, ser um espelho da realidade — exceto quando se afoga em picuinhas internéticas, muitas vezes dentro de si mesmo, mas esse é outro papo e, de forma alguma, anula a sua maior virtude.

Nesses seis anos alguns acontecimentos marcantes tornaram-se conhecidos através do Twitter. Sem ficar nos grandes, como a primeira informação do pouso forçado do voo 1549 da US Airways no rio Hudson, em Nova York, ou a morte de celebridades, há inúmeras vitórias publicadas no microblog. Para a maioria, elas não querem dizer muito, mas para cada indivíduo que publica ali seus pequenos grandes feitos para amigos e conhecidos, virtuais ou reais, são eventos que marcam.

É fácil se apegar ao Twitter.

Evoluindo sempre

A premissa original do Twitter era bem simples: 140 caracteres para você escrever qualquer coisa. O nome, a propósito, foi escolhido para representar isso, como contou Jack Dorsey ao LA Times:

“(…) Demos uma olhada no dicionário por palavras próximas [de ‘twich’] e chegamos a ‘twitter’, que era simplesmente perfeita. A definição era ‘uma pequena explosão de informações inconsequentes’ e ‘pios de pássaros’. Exatamente o que o produto era.”

Apesar de a ideia original ser fácil de assimilar, ninguém previu os usos e a evolução natural que o serviço teria. Diversas convenções, da arroba (@) para citar ou responder alguém até o retweet, foram criadas pelos próprios usuários. O Twitter foi esperto e ágil em perceber esses padrões de comportamento e promovê-los à condição de oficiais; essa resposta rápida à comunidade foi bastante benéfica, e um dos primeiros sinais, inocentes à época, de que “controle” é algo que agrada ao site.

As reformulações no layout do Twitter também foram importantes. Como todo site muito popular, sempre que o visual mudava choviam reclamações. Mas enquanto a equipe de desenvolvimento trocava colunas de lugar, acrescentava conteúdo multimídia à timeline e fazia outras alterações que moldavam o modo de usar a ferramenta, um contingente de pessoas que não estavam ligadas diretamente ao Twitter trabalhava duro. Os desenvolvedores.

Graças a uma API pública, esse monte de informação que é gerada todos os dias no Twitter está à disposição de desenvolvedores independentes. Eles podem integrar o Twitter às suas aplicações, desenvolver apps e serviços derivados do Twitter, usá-lo como autenticador para outros sistemas. A simplicidade e a atenção da equipe responsável às ações inventivas dos usuários formavam, com a API e o apoio maciço de desenvolvedores, a tríade de características matadoras que catapultaram o Twitter ao mainstream, à massificação.

Aplicativos para desktop, apps móveis, uma infinidade de sites que extraem dados, entregam informações e fazem coisas legais com o seu conteúdo e seguidores no Twitter, além daqueles que ajudam a entender o comportamento de quem está na rede surgiram dessa abertura dada pelo próprio Twitter através da sua API. Tweetie, Echofon, Tweetbot, MetroTwit, Tweetings… Todos esses despontaram como alternativas melhores que as oficiais — tanto que o Tweetie acabou comprado pelo Twitter, em 2010. Mas apps assim, clientes que reproduzem a atividade central do Twitter, estão com os dias contados.

O início do fim?

A liberdade dada pela API pública do Twitter formou, com o passar do tempo, um contraponto com a relação entre o site e os outros. Tomemos como exemplo o uso da marca Twitter. O pássaro azul, segundo as diretrizes de uso, não pode ser modificado — essas montagens que costumamos fazer para ilustrar matérias aqui no Giz são, aos olhos do Twitter, irregulares. O nome “Twitter” é sagrado, não pode ser usado por apps de nenhuma espécie. Por isso o Echofon, que surgiu com o nome TwitterFon, teve que trocá-lo. Tuíte? Twit? Tudo errado. Ao se referir a uma mensagem publicada no serviço, o termo correto e único aceito é tweet. Digo, Tweet — com letra maiúscula.

Marca é uma coisa delicada e toda essa preocupação, embora um pouco exagerada, tem lá sua razão de ser. Há alguns anos o WordPress fez uma mudança extremamente sutil no logo e, caras… deu um trabalhão para convencer todo mundo a parar de usar o antigo. Sem ter controle total, afinal são imagens que qualquer um pega e modifica sem prestar contas ou sem o conhecimento dos detentores, é complicado impôr essas exigências.

Com APIs? A coisa é diferente.

A API se comunica com o serviço, no caso, com o Twitter. Sem Twitter, a API é inútil. Todo o controle está nas mãos dele, que delega os recursos que desejar, nas doses que achar conveniente (ou compatíveis com a sua estrutura ou visão de negócios), para quem quiser. Controlar quem faz o quê com o Twitter através da API é muito mais fácil.

A compra do Tweetie e a conversão dos apps (para iOS e OS X) nos oficiais do Twitter foi, talvez, o primeiro sinal de que mudanças grandes estavam a caminho. No início apenas trocaram o nome; com o lançamento de novas versões, vimos a originalidade e o esmero dos ex-apps da Atebits darem lugar a uma padronização multiplataforma. O Twitter passou a nivelar por baixo os seus apps tendo como justificativa a “entrega de uma experiência consistente”. Isso é legal, mas nivelar por baixo, não. O app para iPad, por exemplo, elegante e bem resolvido em versões passadas, na última grande atualização ficou parecido com a versão do iPhone esticada — ou, em outras palavras, com o Twitter em tablets Android.

Tudo bem, o Twitter que faça o que quiser nos apps oficiais. Afinal, ainda tem um monte de clientes por aí, certo? Por enquanto, sim. Mas isso (também) está mudando.

Se antes o campo para a criação de clientes para Twitter era igualitário, se o Twitter concorria de igual para igual com Tweetbot, Echofon e MetroTwit, não mais. Ao anunciar a API 1.1, ficou claro que esses concorrentes não eram mais bem-vindos (ênfase deles):

“Todos os aplicativos que replicam a experiência central do Twitter, geralmente chamados ‘clientes’, terão algumas restrições aplicadas, incluindo um limite de 100 mil tokens. Para ficar mais claro, o limite de 100 mil tokens só se aplica a um pequeno número de clientes que replicam a experiência central do Twitter — ele não se aplica à maioria das outras aplicações no amplo ecossistema.

Apps que já tinham 100 mil tokens em uso quando a API 1.1 entrou em funcionamento tiveram uma sobrevida de 200% sobre o número da época. Chegou no teto, acabou a brincadeira para futuros usuários? Em tese, não. Em outro documento relacionado, o Twitter diz que:

“(…) nós exigiremos que você trabalhe diretamente conosco se acredita que o seu aplicativo precisará de mais de um milhão de tokens de usuário individuais.

Adicionalmente, se você estiver construindo um aplicativo de cliente para o Twitter que acessa as APIs da timeline, configurações da conta ou mensagens diretas (normalmente usadas por aplicativos de clientes tradicionais) ou que use o nosso produto User Streams, você precisará da nossa permissão se seu aplicativo precisar de mais de 100 mil tokens de usuário individuais.”

Nenhum app chegou ao estágio de “colaboração direta” com o Twitter — pelo menos, não se tem conhecimento de nenhum até o momento. O que essa proposta indecorosa do Twitter significa permanece um mistério, mas há boas apostas em publicidade. Marco Arment acredita que a exigência se traduza na exibição dos anúncios que já povoam a timeline dos clientes móveis oficiais do Twitter.

A mudança, obviamente, irritou profundamente vários desenvolvedores que dedicaram tempo, dinheiro e esforço na construção de apps melhores que o oficial e em faturar com isso. Ela pôs em xeque o futuro desses aplicativos. O primeiro a sentir o impacto das restrições da API 1.1 foi o Tweetro, um cliente feito especialmente para o Windows 8.

Quando ele chegou ao limite de 100 mil usuários, Atta Elayyan, co-fundador da Lazyworm Applications, desenvolvedora do Tweetro, entrou em contato com o Twitter para perguntar se rolava uma daquelas exceções, trabalho em “colaboração direta” etc. Recebeu a seguinte resposta:

 “Obrigado por entrar em contato para saber mais sobre as nossas políticas para desenvolvedores. Como você sabe, nós desencorajamos desenvolvedores a criarem apps que repliquem a nossa experiência central (‘clientes de Twitter’). Sabemos que existem desenvolvedores que querem demonstrar sua paixão pelo Twitter e seu ecossistema em situações peculiares carentes de atenção. Assim, demos alguma flexibilidade à nossa política no que diz respeito aos tokens de usuário — que entrou em vigor no dia 5 de setembro de 2012.

(…) Infelizmente, parece que o seu serviço não supre uma lacuna que nossos produtos atuais ou futuros já não supram. Assim, ele não é elegível para uma ser uma exceção.”

A situação do Windows 8 é um tanto delicada e representa bem como o ecossistema e, principalmente, os usuários do Twitter podem sofrer com essas alterações. Temos Tweetro, Rowi e MetroTwit como clientes de Twitter para a plataforma. Um já caiu — você não acha mais o Tweeto na Windows Store. O destino dos outros dois parece o mesmo. Sobra o vindouro cliente oficial, que já foi confirmado. Opções? No mundo ideal do no novo Twitter, só existe um cliente – só existe o oficial.

Qual o sentido de todas essas mudanças?

Por mais maluca que seja essa reviravolta nos bastidores do Twitter, ela tem uma razão de ser. O Twitter está mudando, deixando de ser uma ferramenta de comunicação para ser uma plataforma de descobertas.

Aquela aba “Descobrir” que todo usuário assíduo do Twitter jamais abre vem ganhando bastante atenção nos últimos tempos. Aquilo tem valor, é o resultado do processamento de todo o conteúdo que é gerado dentro da rede e um grande chamariz para quem não se deixou fisgar pelo vício, ou uso contínuo, do Twitter. Essas pessoas, por mais que não pareça, formam uma massa considerável — as últimas estimativas dão conta de que apenas 27% da base de usuários seja ativa, o que nesse contexto significa ter feito alguma coisa (mudado o avatar, configurações ou mesmo ter enviado um tweet) nos últimos três meses.

Falar para as paredes esperando que alguém interaja é algo que não tem muito apelo junto à maioria. Conheço, e aposto que você também, muita gente que tem um perfil no Twitter, acessa com certa regularidade, mas raramente se manifesta. Essas pessoas consomem o que aquela minoria produz. Seria ingênuo, como foi no início, imaginar que todos no Twitter se manifestassem na mesma intensidade dos heavy users. A Internet inteira sempre funcionou de maneira oposta e nem o “boom” da publicação pessoal, via blogs, mudou isso. Muita gente escreve, canta, desenha e grava vídeos públicos na web, mas esse crescimento acompanhou o da própria população online.

O Twitter está se expandido, se adaptando para essa maioria. Os recursos para consumo de informação dentro da rede estão surgindo em um ritmo alucinante. Começou com a inclusão de fotos e vídeos de uns poucos parceiros selecionados. Hoje, mais de dois mil parceiros já exibem conteúdo estendido nas timelines. Agora temos excertos de artigos (o que, de certa forma, subverte a emblemática limitação dos 140 caracteres), busca por fotos, perfis com “fotos de capa”. A aba Descobrir foi a estrela da última atualização dos clientes móveis.

David Hansson, da 37signals, descreveu a nova postura do Twitter como “extrativista”. A mesma dos reinados europeus em relação à América no século XVI. Olhe para trás, para aquela passagem histórica, e você verá que isso não funciona muito bem a longo prazo. Que tratar bem a fonte do que lhe interessa é muito, mas muito importante… ou os produtores do tão valorizado conteúdo do Twitter entrarão em extinção.

Alternativas

Não é como se faltassem alternativas ao Twitter. Elas existem. No passado, na época em que o Twitter explodiu em popularidade, haviam vários: Pownce, Jaiku (comprado e abandonado pelo Google), Plurk. Nenhum aguentou muito tempo. Hoje, as opções são mais restritas e modestas: identi.ca, Heello e, talvez o mais forte deles, App.net.

O App.net merece uma atenção especial por ser o oposto de tudo que o Twitter, o de 2012, prega. Ele não tem anúncios. Não registra seu comportamento ou informações. Não implica com a propriedade sobre o material produzido pelos usuários. Respeita e incentiva muito os desenvolvedores. A grande diferença? Ele é pago. Custa US$ 5 por mês.

Você pagaria para usar o Twitter? É uma questão delicada. O Twitter é essencial para muita gente, mas para outro tanto considerável é mais um passatempo, algo que você olha quando está entediado, ou na fila do banco, ou só bisbilhota de tempos em tempos pela curiosidade, para dar umas risadas, receber informação em primeira mão, coisas que não são classificadas como essenciais. O modelo do App.net é assim porque sem dinheiro não há site que se sustente, e como a porta padrão para a entrada da grana (anunciantes) vai contra os princípios do site, não sobrou alternativa. Rentabilizar sites é uma questão complicada, ainda estamos todos nós buscando uma forma que seja viável para o site e transparente para os usuários.

Mas mais do que um concorrente, o App.net é, como disse o Pedro no quarto Gizmodo Acústico, um manifesto, uma bandeira levantada contra o caminho natural que sites como Twitter, Facebook e Google traçam para se sustentarem e fazerem fortuna para seus criadores. O DuckDuckGo também se apega a essas características (transparência e respeito) e vem se firmando, embora muito, mas muito longe da popularidade do Google, como uma alternativa “limpa” para buscas na web. Hoje eles não dizem muita coisa. A pessoa que não lê o Gizmodo ou qualquer outro site de tecnologia – e só ficou sabendo do Twitter pelo Fantástico – de forma alguma  chegará ao App.net. E mesmo que chegue, em hipótese alguma pagará para ler umas piadas do elenco do CQC/Pânico e tentar falar com seus ídolos musicais (eles não estão por lá). É uma coisa de nicho, extremamente focada, mas uma voz dizendo que dá, sim, para fazer diferente.

Recentemente Peter Chernin foi nomeado para o conselho do Twitter. Esse cara foi presidente da News Corp. na época em que ela comprou o MySpace e… bom, o resto da história você deve saber. Este foi o tweet de boas-vindas dele:

“Sou um usuário de longa data do Twitter para notícias e informações. Feliz em fazer parte do conselho desta empolgante empresa.”

Foi o primeiro tweet da conta que, segundo a apuração completa (e bem sacada) de Dalton Cardwell, parece ter sido criada em 2010. Ele pode tê-la configurado para ver qual era e nunca mais ter voltado, ou para de fato somente ler tweets dos outros, ou configurar um app terceiro, como o Flipboard. Em qualquer caso, essa situação é simbólica para o estado atual do Twitter. E deveria servir de alerta também. Caldwell traça um assombroso paralelo entre a ascensão e queda do MySpace e o Twitter de hoje. São dois serviços bem diferentes em momentos diversos.

O futuro do Twitter é incerto. Empresas que dependem da plataforma Twitter podem bater o pé e questionar na justiça a validade desse “fechamento”. A primeira delas, em um caso que aparentemente não se relaciona com a alterações na API, mas pode servir de precedente, foi a PeopleBrowsr. Ela conseguiu uma liminar que mantém o acesso completo ao Twitter, antes previsto para ser bloqueado no final de novembro, funcionando até o julgamento da ação.

O Twitter pode muito bem se estabelecer como uma fonte única de informações atuais, mas hoje corre o risco de sufocar e dispersar aqueles que fizeram o seu sucesso.

[Imagem: Shutterstock. Screenshot do layout antigo do Twitter por Thrilling Heroics.]

Sair da versão mobile