Os truques psicológicos do Uber para manter os motoristas a serviço de seu interesse

Gameficação, com recompensas sem valor financeiro, é usada no processo, assim como algoritmo similar ao de reprodução automática do Netflix

A relação entre o Uber e seus motoristas há algum tempo vem se deteriorando, e por isso a empresa fala agora em um plano de “reexaminar tudo o que foi feito para reconstruir esse amor”, após reconhecer que o investimento na experiência do motorista tem sido menor do que deveria. No entanto, uma matéria no New York Times mostra como a companhia tem usado truques psicológicos para manipular os motoristas, fazendo-os trabalhar por mais horas, cobrindo uma área maior do que cobririam.

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O Uber contratou centenas de cientistas sociais e de dados, experimentando técnicas de videogame e recompensas não-financeiras, buscando induzir os motoristas a dirigir por mais tempo e com mais dedicação, às vezes até mesmo em horários e locais menos lucrativos para eles, segundo a reportagem. Esses incentivos psicológicos fazem parte de um esforço de buscar um sistema de eficiência máxima, um equilíbrio entre demanda e oferta, ao menor custo para passageiros e para a empresa. O impacto, então, fica com o motorista.

Essa influência acontece por meio de técnicas às vezes de gamificação, como alertar um motorista que ele está a tantos quilômetros de bater uma determinada meta no momento em que ele decide fazer desligar o sistema. Entrevistado pelo NY Times, Josh Streeter, ex-motorista do Uber, revelou uma das maneiras como isso acontece. Ao tentar sair do aplicativo às 7h13 da manhã de ano novo em 2016, ele recebeu uma mensagem do Uber, dizendo: “Você está a US$ 10 de chegar a US$ 330 de lucro líquido. Tem certeza de que deseja ficar offline?” Nas opções, “Continuar dirigindo” aparecia destacada.

De acordo com o jornal americano, o Uber estaria até mesmo usando um algoritmo semelhante ao do Netflix de carregar automaticamente o próximo episódio, o que, acreditam especialistas, contribui significativamente com a prática de passar horas a fio assistindo a uma série. No caso do aplicativo de corridas, isso acontece com o motorista recebendo notificação de uma próxima corrida enquanto a atual está no fim do trajeto.

As inovações do Uber, em vez de um esforço singular e localizado, na verdade mostram as novas maneiras como as empresas têm lidado com os trabalhadores em uma economia cada vez mais baseada em trabalhos temporários. Oficialmente, os motoristas são funcionários independentes, que fazem seu próprio horário e administram sua rotina. Porém, com truques psicológicos como os citados acima, as companhias conseguem cada vez mais colocar esses funcionários a serviço dos objetivos das grandes corporações.

O New York Times destaca que a economia americana está cada vez mais abrindo espaço para trabalhos mediados via plataformas, como o Uber, e a maneira como a empresa tem usado artimanhas psicológicas tem efeito no modo como empresas em geral podem passar a administrar seus funcionários.

“Estamos falando de um tipo de manipulação que literalmente afeta a renda das pessoas”, disse Ryan Calo, professor de direito na Universidade de Washington que estuda o modo como empresas usam algoritmos e dados para explorar fraquezas psicológicas de funcionários, em entrevista ao New York Times. Segundo ele, os executivos do Uber “estão usando o que sabem sobre os motoristas, seu controle sobre a interface e sobre os termos de transação para canalizar o comportamento dos motoristas na direção que desejam”.

[The New York Times]

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