
Um satélite projetado para localizar náufragos
Um nanossatélite desenvolvido por pesquisadores e alunos do curso de engenharia aeroespacial da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), com apoio financeiro da Agência Espacial Brasileira (AEB), poderá ajudar as autoridades costeiras do país em missões de busca e resgate de pequenas embarcações pesqueiras que enfrentam dificuldades no mar. O aparelho – tecnicamente um cubesat padrão 1U, dispositivo com formato cúbico e 10 centímetros de lado – também será empregado para localizar queimadas, usando plataformas de coleta de dados ambientais.
Cinco anos depois do início do projeto, o satélite, batizado de Aldebaran-I, passou pela última bateria de testes em janeiro deste ano. “Um dos ensaios a que foi submetido foi o de vibração, essencial para nos certificar de que suportará as condições extremas de lançamento”, diz o engenheiro aeronáutico Carlos Alberto Brito Rios Junior, professor da UFMA e coordenador-geral do projeto. “Correu tudo bem e o satélite está pronto para ser enviado à Índia. Ele será colocado em órbita pelo foguete Polar Satellite Launch Vehicle [PSLV].” O lançamento está previsto para ocorrer em junho, em data ainda a ser definida.
O nome Aldebaran-I é uma referência à estrela mais brilhante da constelação de Touro. “O nome tem origem árabe e significa o seguidor, que tem a ver com a missão do satélite. Ao mesmo tempo, Aldebaran aparece em várias canções regionais, e algumas pessoas dizem que é o nome da estrela que vai na testa do boi, o protagonista da mais tradicional festa de nosso estado, o Bumba Meu Boi”, diz Brito, destacando que vários trabalhos acadêmicos sobre o dispositivo já foram apresentados em congressos da área.
O projeto do Aldebaran-I integra uma iniciativa do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), cujo foco é a construção de nanossatélites acadêmicos, dispositivos de baixo custo e ciclo de desenvolvimento mais curto. “Temos diversos projetos de satélites em andamento no país, de diferentes portes e missões, alguns liderados por centros de pesquisa governamentais, como o Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], outros por empresas privadas. Um grupo de dispositivos está sendo projetado por universidades”, conta o diretor de Gestão de Portfólio da AEB, Rodrigo Leonardi. É o caso do Aldebaran, do Itasat-2, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), do Golds, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e do PdQSat, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Além de fomentar o desenvolvimento tecnológico nacional, ressalta Leonardi, o programa de nanossatélites tem como objetivo capacitar mão de obra no setor espacial e criar competências em engenharia aeroespacial nas universidades brasileiras. “É importante destacar que todo o ciclo de desenvolvimento do Aldebaran, desde sua concepção, passando pela construção, integração e operação, foi feito em uma instituição de ensino superior do país”, diz o diretor da AEB. “O Brasil domina a tecnologia de nanossatélites, não apenas no âmbito da indústria, mas também da academia.”
Esses dispositivos são utilizados para diversas finalidades, como observação da Terra, estudos científicos, testes de dispositivos espaciais e desenvolvimento de tecnologias para emprego no espaço. “Os nanossatélites e os cubesats foram desenvolvidos pela primeira vez para fins educacionais”, informa um grupo de pesquisadores do Inpe em artigo publicado na Revista Ambiente & Água, em 2020. “Embora ainda incipientes, as aplicações de nanossatélites e as missões propostas estão crescendo constantemente em diferentes campos científicos.”
Prova de conceito
O nanossatélite da UFMA é uma prova de conceito, ou seja, um protótipo que será usado para validar uma nova tecnologia espacial. “Queremos saber se ele será efetivo em missões de salvamento no mar”, afirma Brito. Para isso, durante um período experimental, um conjunto de pequenos barcos de pesca maranhenses receberá um sistema de transmissão que mandará sinais com sua localização para o satélite. “Esses sinais serão reencaminhados para uma estação em terra, que enviará uma mensagem de emergência para serviços de salvamento, indicando a hora e a localização do suposto naufrágio”, explica o matemático e doutor em engenharia Luís Claudio de Oliveira Silva, líder do Laboratório de Eletrônica e Sistemas Embarcados Espaciais (Labesee) da UFMA, que abrigou o projeto.
No caso da prevenção de queimadas, plataformas de coleta de dados equipadas com sensores de temperatura, umidade, nível de gases, entre outros, serão posicionadas em regiões de mata. “Esses dados serão transmitidos para o satélite em cada passagem dele sobre o Brasil e serão descarregados na estação terrena. Um sistema irá averiguar as informações recebidas e buscará indicadores de queimadas usando inteligência artificial”, esclarece Silva. Ao detectar padrões de queimadas, um alerta será encaminhado ao serviço de combate a incêndios. “Nossa proposta é usar componentes de baixo custo para que possamos colocar mais plataformas por quilômetro quadrado.”
Além da AEB, são parceiros da UFMA no projeto do Aldebaran a unidade do Inpe no Rio Grande do Norte, que fará a telemetria e o acompanhamento do satélite na sua passagem sobre o Brasil, a UFSC e empresas nacionais. A startup catarinense Innalogics fabricou os módulos de potência e energia, de comunicação e o computador de bordo. Também intermediou a compra das antenas do satélite da empresa holandesa Isispace, o único sistema adquirido no exterior. A UFSC, por meio de seu laboratório SpaceLab, colaborou com ajustes de programação de módulos do Aldebaran-I, enquanto a startup paulista Cron Sistemas participou do projeto dos painéis solares, fabricados pela Orbital Engenharia. O transporte do satélite para a Índia será feito pela All2Space, empresa do setor aeroespacial de São Paulo.
Caso o Aldebaran-I se mostre bem-sucedido, será preciso construir uma constelação de nanossatélites para que os serviços de salvamento de náufragos e prevenção de queimadas sejam colocados em prática. “Apenas com uma constelação teremos sempre um satélite sobrevoando o Brasil, captando dados e enviando-os para estações em terra”, explica Leonardi. “Estamos prospectando constelações de satélites nacionais de pequeno porte. Se essa prova de conceito se mostrar adequada, poderá dar origem a uma constelação desse tipo.”
Artigo científico
NAGEL, G. W. et al. Nanosatellites applied to optical Earth observation: A review. Revista Ambiente & Água. 19 jun. 2020.