Uma expedição científica para estudar o já ameaçado boto-do-araguaia

Informações físicas, fisiológicas e hormonais coletadas contribuem na conservação da espécie descoberta recentemente e já em perigo de extinção

Em uma expedição pela bacia hidrográfica Tocantins-Araguaia, pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) da USP realizaram trabalho de campo para estudar as características do boto-do-araguaia, espécie endêmica da região e que está sob ameaça de extinção. Um artigo publicado em parceria com pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) descreve as condições físicas e de saúde dos animais estudados, comparando os dados entre indivíduos de áreas com diferentes índices de atividade humana.

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O boto-do-araguaia (Inia araguaiaensis) é um golfinho de água doce que, apesar de parecido, não é da mesma espécie que o boto vermelho (Inia geoffrensis), popularmente conhecido como boto cor-de-rosa. Por se tratar de uma espécie recentemente descoberta e pouco estudada, as informações sobre parâmetros físicos do boto-do-araguaia ainda são escassas. Isso foi o que sensibilizou Daniela M. D. de Mello, pós-doutoranda em Fisiologia no IB, a investigar as populações desse tipo de golfinho e entender quais ameaças elas sofrem.

Presente entre os biomas do Cerrado e da Amazônia, a espécie habita áreas com intensas atividades agrícolas que, combinadas à sazonalidade de enchentes e secas da bacia Tocantins-Araguaia, são responsáveis por diminuir drasticamente os níveis dos rios.

Mulher adulta de cabelos médios e escuros. Veste uma camiseta vermelha e está sorrindo para a câmera.

Daniela M. D. de Mello – Foto: ResearchGate

“É uma mudança muito rápida, então, muitas vezes, os botos ficam presos em corpos d’água pequenos, ficam encalhados. O rio começa a secar e o animal não tem para onde ir”, diz a pesquisadora ao Jornal da USP. Ela também menciona casos de violência e assassinato de botos, motivados pela ideia do cetáceo ter o hábito de caçar peixes e, assim, atrapalhar o trabalho de pescadores.

Trabalho de campo no Araguaia

Os pesquisadores estudaram parâmetros morfológicos, fisiológicos e hormonais de 24 botos habitantes de duas regiões no rio Araguaia. Uma foi a área protegida do Parque Estadual do Cantão, no Tocantins, enquanto a outra foi o distrito goiano de Luiz Alves, classificado como uma área de pesca esportiva. Utilizando como referência de dados sobre o boto vermelho – uma espécie evolutivamente próxima e bem mais estudada –, o trabalho trouxe resultados preliminares a respeito das condições dos animais.

Mapa da bacia do Tocantins-Araguaia indicando os locais de captura e soltura dos botos estudados.

Localização das áreas de captura e soltura de botos realizadas ao longo do rio Araguaia – Foto: Retirada do artigo

“Além da biometria corporal, coletamos informações de parâmetros fisiológicos, temperatura, frequência cardíaca e tudo mais. O que não podíamos analisar no campo, coletamos amostras para laboratório”, descreve Daniela de Mello. A pesquisadora explica que a técnica de captura e soltura de golfinhos utilizada no estudo – que envolvia o rápido manejo de redes em locais rasos do rio – permitiu que o trabalho fosse realizado com segurança.

“Ali é como se fosse um ‘pit stop’: cada pesquisador faz alguma tarefa. Têm aqueles que vão fazer as medidas, coletar o sangue. Outros vão fazer swab [coleta de amostras de tecidos ou fluídos], fotografia. (…) Tudo para fazer uma avaliação da saúde”, diz.

No caminho da conservação

Resultados preliminares obtidos no estudo foram capazes de indicar diferenças e semelhanças entre as duas espécies de botos colocadas em comparação. A começar pela coloração dos animais: enquanto o boto-do-araguaia tende a apresentar regiões mais cinzas escuras em várias partes do corpo, o boto vermelho costuma adquirir uma coloração rosa ao longo da vida. Por outro lado, medidas como frequência cardíaca, frequência respiratória e temperatura corporal não variaram significativamente entre os indivíduos.

O grande destaque vai para as variações encontradas nos exames hematológicos e bioquímicos séricos – análise do soro do sangue –, as quais Daniela de Mello trabalhou dentro da pesquisa. A pesquisadora afirma ao Jornal da USP que a razão para essas mudanças entre animais de diferentes espécies e áreas está relacionada aos variados ambientes em que os botos se encontram.

“Diferentes tipos de presas e peixes que eles consomem, a própria profundidade da água é diferente. No rio Araguaia a profundidade é bem menor, fazendo com que eles mergulhem menos. Isso também se reflete em alguns parâmetros sanguíneos.”

Compreender as condições físicas e de saúde são um passo crucial no manejo de esforços para a conservação do boto-do-araguaia. Sendo um animal de topo de cadeia, ele se classifica como um sentinela do meio ambiente, já que sua sensibilidade a fatores ambientais pode ser usada como um ferramenta de monitoramento da saúde de ecossistemas.

“Agora sabemos que esses animais estão saudáveis, com condições corporais boas e apresentando parâmetros dentro de certa faixa. Se, futuramente, houver qualquer tipo de alteração ambiental que se reflita na alteração de saúde desses animais, vamos conseguir detectar”, declara Daniela de Mello.

O artigo Comprehensive assessment of the physical and health features of the threatened Araguaian River dolphin Inia araguaiaensis pode ser lido aqui.

Mais informações: [email protected], com Daniela M. D. de Mello.

*Estagiária sob orientação de Luiza Caires

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

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