A visita do cometa Borisov ao nosso Sol foi seu primeiro encontro com uma estrela

Isso torna Borisov um dos mais “puros” cometas já observado por astrônomos, se não o mais puro
Cometa interestelar Borisov, conforme imageado pelo VLT. Crédito: ESO/VLT

Uma nova pesquisa sugere que Borisov — o segundo visitante interestelar conhecido de nosso sistema solar — nunca tinha visitado uma estrela, nem mesmo a do seu próprio sistema, antes de passar por nosso Sol em 2019. Isso torna Borisov um dos mais “puros” — se não o mais “puro” — cometas já observado por astrônomos, no que é uma descoberta científica significativa.

Para cada potencial cometa, há sempre uma primeira vez. No caso do cometa interestelar Borisov, sua primeira vez ao redor de uma estrela foi o sobrevoo de nosso Sol em 2019, de acordo com uma nova pesquisa publicada na terça-feira (30) na Nature Communications.

Isso é significativo, não apenas porque foi a primeira vez que tivemos a chance de observar um cometa “puro” (seja interestelar ou local), mas também porque sua aparição permitiu que os astrônomos estudassem um cometa não nativo e sua química associada. Foi um caso raro de um mundo estranho, ou pelo menos um pequeno pedaço dele, vindo nos fazer uma visita.

De fato, e conforme um segundo artigo sobre o Borisov publicado na terça-feira aponta, uma quantidade surpreendente de informações sobre o sistema doméstico de um cometa pode ser obtida a partir da poeira que cai de sua superfície primitiva.

“Bolas de neve sujas” com histórias antigas

O fato de os cometas terem muitas histórias para contar não é surpreendente, já que essas “bolas de neve sujas”, nas palavras do astrônomo americano Fred Whipple, nascem nos confins de um sistema planetário. Localizados nos cinturões de Kuiper, esses objetos são antigos, mas também intocados pelo vento solar e pela radiação, permitindo que armazenem as assinaturas originais do gás e da poeira a partir dos quais se formaram.

Cometa Halley como foi observado em 1986. Imagem: Halley Multicolor Camera Team, Giotto Project, ESA

De vez em quando, essas bolas de neve de gases congelados, rochas e poeira são empurradas de suas posições no cinturão de Kuiper e enviadas para o interior do sistema solar. Vemos esses eventos como cometas, à medida que suas superfícies, expostas ao calor do Sol, tornam-se ativas. É provável que muitos cometas não sobrevivam à viagem, mas aqueles que conseguem às vezes voltam para visitas (o cometa Halley, previsto para 2061, é provavelmente o exemplo mais famoso).

No caso de Borisov, entretanto, ele também foi empurrado enquanto flutuava em seu equivalente ao nosso cinturão de Kuiper, mas em vez de ir em direção à sua estrela hospedeira, ele recebeu um poderoso empurrão gravitacional que o transformou em um viajante interestelar.

O segundo viajante conhecido de longe

Descoberto pelo astrônomo amador Gennady Borisov, 2I/Borisov é o segundo objeto interestelar já detectado — o primeiro foi o ‘Oumuamua, em 2017. Mas enquanto o ‘Oumuamua exibiu características consistentes com um asteroide (além de algumas emissões menores de superfície), Borisov era certamente um cometa, apresentando uma coma (atmosfera) proeminente em torno de seu núcleo e uma cauda definida. Ele até perdeu um pedaço durante o sobrevoo, um resultado provável do gelo rapidamente se transformando em gás.

Viajando ao longo de sua órbita hiperbólica, Borisov nunca chegou mais perto do Sol do que a metade do caminho entre Marte e Júpiter, e então retomou sua jornada em direção ao espaço interestelar.

Isso não deu aos astrônomos muito tempo para estudar o objeto, mas os dois novos artigos estão fornecendo alguns insights sobre o objeto exótico.

Intocado por qualquer sol

O primeiro estudo, liderado pelo astrônomo Stefano Bagnulo do Observatório e Planetário Armagh, na Irlanda do Norte, mediu a polarização da luz sendo dispersa pelos grãos de poeira de Borisov. A luz se polariza quando viaja por diferentes meios, portanto, ao estudar a maneira como a luz do Sol é polarizada pela poeira de um cometa, os cientistas podem fazer inferências sobre a física e a química de tais objetos.

Em um e-mail, Bagnulo disse que sua equipe aplica a polarimetria rotineiramente para “estudar a estrutura e composição da superfície dos asteroides e outros pequenos corpos do sistema solar” e, como Borisov representou o primeiro cometa interestelar conhecido a visitar nosso sistema solar, parecia “natural verificar se ele exibia propriedades polarimétricas diferentes de outros cometas do sistema solar”. Além do mais, o cometa também pode revelar características importantes de outros sistemas estelares, acrescentou.

Para coletar esses dados, Bagnulo e seus colegas usaram o Very Large Telescope no Chile, que está equipado com o instrumento FORS2 para fazer polarimetria. Gerenciado pelo Observatório Europeu do Sul, o VLT foi usado anteriormente para estudar cometas locais, permitindo que a equipe fizesse uma análise comparativa.

Os resultados revelaram propriedades polarimétricas não vistas antes em cometas locais, com exceção de C/1995 (Hale-Bopp). Avistado pela primeira vez em 1995, o cometa Hale-Bopp ficou visível a olho nu por 18 meses. Até agora, era o cometa mais “puro” já registrado, com astrônomos acreditando que o Hale-Bopp estava fazendo sua segunda passagem ao redor do Sol na época.

“Como a polarimetria é sensível ao tamanho e à composição da poeira, sugerimos que os dois cometas compartilhavam algumas semelhanças físicas, em particular em relação à natureza primitiva do material que estava sendo ejetado quando eles se aproximaram do Sol”, explicou Bagnulo. “Achamos que o cometa Hale-Bopp se aproximou do Sol apenas uma vez antes de sua aparição em 1997 e, por isso, seu material não foi muito processado pelo vento solar e pela radiação.”

Cometa Hale-Bopp, conforme visto em 29 de março de 1997. Imagem: Philipp Salzgeber

Os materiais observados em Hale-Bopp são “representativos do sistema solar inicial”, disse ele, levando sua equipe a sugerir que o ambiente em que Borisov se formou não é muito diferente do nosso próprio sistema solar inicial. Essas observações também significam que Borisov provavelmente nunca encontrou nosso Sol — ou qualquer outra estrela — antes e, como consequência, pode representar o cometa mais puro já detectado.

“O resultado principal — que 2I/Borisov não é parecido com nenhum outro cometa, exceto Hale-Bopp — é muito forte”, explicou Olivier Hainaut, astrônomo do ESO na Alemanha, em um comunicado à imprensa. Hainaut não estava envolvido no novo estudo. “É muito plausível que tenham se formado em condições muito semelhantes.”

De forma empolgante, a Agência Espacial Europeia está desenvolvendo um “Interceptador de Cometas” — uma espaçonave que será lançada antes de um alvo ser identificado. A sonda irá “esperar no espaço pela descoberta da chegada iminente de um desses objetos intocados — e talvez até mesmo de outro cometa interestelar — e então interceptá-lo”, disse Bagnulo.

Um estranho, porém familiar, mundo doméstico

O segundo artigo, publicado na Nature Astronomy, descreve a presença de grandes partículas de poeira ao redor de Borisov durante seu período ativo. Bin Yang, autora principal e astrônoma do ESO em Santiago, no Chile, estudou esses grãos largos com o VLT e com o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array, também no Chile.

“A excelente sensibilidade de ondas milimétricas do ALMA oferece a única maneira de detectar diretamente as grandes partículas na coma de Borisov”, explicou ela por e-mail.

Essas observações revelaram a presença de rochas compactas, todas maiores que 1 milímetro de largura e exibindo características diferentes daquelas vistas nos materiais soltos dos cometas locais. Além disso, as quantidades de monóxido de carbono e água no cometa mudaram drasticamente durante seu sobrevoo, sugerindo que ele se formou dentro de uma nuvem de rochas em colapso e de materiais que se originaram em diferentes partes de seu sistema doméstico.

“Esta descoberta sugere que o sistema de origem de Borisov trocou materiais entre as regiões internas e externas que estão longe da estrela central, talvez devido à agitação gravitacional de planetas gigantes, bem como em nosso próprio sistema solar”, disse Yang.

Portanto, embora não tenhamos ideia de onde essa coisa veio, podemos presumir que seu sistema doméstico é um pouco semelhante ao nosso e contém planetas gigantes como Júpiter e Saturno.

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Yang espera que os astrônomos encontrem mais objetos interestelares no futuro, e “alguns deles podem ser notavelmente diferentes dos objetos do sistema solar”. No futuro, e conforme a próxima geração de telescópios estiver funcionando, devemos esperar encontrar um objeto interestelar por ano, ela prevê.

“Um conjunto de novos grandes telescópios”, como o James Webb Space Telescope , o Extremely Large Telescope e o Thirty Meter Telescope, “estará disponível em alguns anos”, disse Yang. “Nessa altura, seremos capazes de estudar mais detalhadamente os futuros visitantes interestelares.”

Incrível. E tudo o que temos a fazer é apontar nossos telescópios para o céu e esperar.

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