Voo histórico da Virgin Galactic nos lembra que “espaço” é só um conceito

Na quinta-feira (13), a Virgin Galactic enviou sua aeronave comercial SpaceShipTwo para o espaço, um feito inédito e histórico para a empresa privada. Mas, a uma altitude máxima de 82,68 quilômetros, o avião espacial caiu 17,32 quilômetros abaixo da linha de Karman — a fronteira internacionalmente reconhecida que separa a atmosfera do espaço, nos levando […]
Virgin Galactic

Na quinta-feira (13), a Virgin Galactic enviou sua aeronave comercial SpaceShipTwo para o espaço, um feito inédito e histórico para a empresa privada. Mas, a uma altitude máxima de 82,68 quilômetros, o avião espacial caiu 17,32 quilômetros abaixo da linha de Karman — a fronteira internacionalmente reconhecida que separa a atmosfera do espaço, nos levando à inevitável pergunta: O que diabos é o espaço, afinal?

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Antes de esmiuçarmos o feito da Virgin Galactic, vamos dar o devido crédito.

Depois de 14 anos de desenvolvimento e um trágico contratempo que resultou na morte de um piloto de testes em 2014, a Virgin Galactic finalmente chegou ao espaço, ou, pelo menos, à sua definição preferida de espaço.

Nesta quinta-feira, acima do deserto de Mojave, na Califórnia, a SpaceShipTwo, da Virgin Galactic, a VSS Unity, atingiu um pico de 82,68 quilômetros, de acordo com um comunicado da companhia. Esse foi o primeiro voo espacial de um veículo construído pela Virgin Galactic e, surpreendentemente, o primeiro voo espacial humano lançado em solo americano desde a última missão do Space Shuttle, em 2011. Além disso, como o Flight Opportunities Program, da NASA, esteve envolvido (quatro experimentos de ciência e tecnologia espaciais estavam a bordo do Unity), esse foi o primeiro voo da Virgin Galactic a gerar receita.

A aeronave WhiteKnightTwo lançou a Unity a uma altitude de cerca de 13,1 quilômetros às 12:11 da manhã (horário de Brasília). Livre de sua nave-mãe, o veículo suborbital engatou seus motores de foguete por um total de 60 segundos, atingindo uma velocidade máxima de 3,9 Mach. Os controladores da missão na Terra parabenizaram os pilotos, dizendo: “Unity, bem-vindos ao espaço”. Fotos tiradas a partir do Unity mostram a escuridão do espaço e a curvatura distinta do planeta Terra.

O veículo atingiu 2,5 Mach durante a reentrada na atmosfera, usando sua configuração avançada de “plumas”, em que suas asas traseiras são inclinadas para criar resistência, semelhante a uma peteca de badminton. Por volta das 13:11 da manhã, horário de Brasília, a missão havia terminado, com o veículo fazendo uma aterrissagem segura na pista do Mojave Air and Space Port, da Virgin Galactic.

Como resultado da conquista desta quinta, os pilotos do Unity, Mark “Forger” Stucky e Frederick “CJ” Sturckow, são agora oficialmente astronautas, baseados em padrões reconhecidos pela NASA e pelos militares dos EUA.

Para o fundador da Virgin Galactic, Richard Branson, esse foi um momento pelo qual ele esperava há muito tempo.

“Hoje (quinta-feira), enquanto eu estava entre um grupo de pessoas verdadeiramente notáveis, com os olhos nas estrelas, vimos o nosso maior sonho e o nosso maior desafio até agora ser realizado”, disse Branson em um comunicado. “Foi um sentimento indescritível: alegria, alívio, euforia e ansiedade pelo que está por vir.”

Mas será que o Unity VSS chegou mesmo ao espaço? Depende de para quem você pergunta.

Nos Estados Unidos, a Administração Federal de Aviação (FAA) reconhece o limite de 80 quilômetros acima da Terra. Como observado no comunicado de imprensa da Virgin Galactic desta quinta, a FAA vai agora premiar os pilotos Stucky e Sturckow com distintivos de astronautas, com os quais eles serão apresentados em uma cerimônia em Washington, D.C. Essa linha de demarcação de 80 quilômetros também é reconhecida pelas agências governamentais dos EUA, como a NASA e o exército dos EUA. Essa fronteira é um pouco arbitrária, mas está localizada entre a mesosfera e a termosfera — uma espécie de fim da linha para a atmosfera.

Mas existe também a Linha de Karman, que reconhece o espaço como começando a 100 quilômetros acima da Terra. Essa linha de demarcação é reconhecida pela Fédération Aéronautique Internationale (FAI), um grupo de padrões internacionais envolvido em aeronáutica e astronáutica. Curiosamente, a Linha de Karman foi a fronteira reconhecida pela competição Ansari X Prize, que foi vencida pela SpaceShipOne, da Scaled Composites, em 2004. Nessa fronteira, perto do fundo da termosfera, a atmosfera é tão fina que os princípios do voo aeronáutico já não se aplicam, e um veículo a essa altitude deve se mover mais rápido do que a velocidade orbital para alcançar a sustentação. A Comissão de Registros Astronáuticos (ICARE) da FAI a descreve desta forma:

Na aeronáutica, voar mais alto significava lidar com uma atmosfera cada vez menos densa, portanto, precisando de velocidades cada vez maiores para fazer com que a aeronave fosse controlável por forças aerodinâmicas. Uma velocidade tão grande, que, na verdade, acima de uma certa altitude, podia ser próxima à ou mesmo maior que a velocidade orbital circular àquela altitude ( ou seja, a sustentação já não era necessária, uma vez que a força centrífuga tomava conta; e, consequentemente, o voo aerodinâmico era desprovido de sentido). Inversamente, na astronáutica, os voos orbitais cada vez mais baixos levaram a uma atmosfera cada vez mais densa, ao ponto de que seria impossível manter a órbita para uma série de voltas em torno da Terra sem um empurrão significativo (tornando, assim, o conceito de queda livre, ou orbitação, sem sentido).

Essa fronteira foi calculada como sendo extremamente próxima da marca dos 100 quilômetros, então é aqui que a Linha de Karman foi estabelecida.

Para complicar ainda mais as coisas, recálculos recentes feitos por Jonathan McDowell, astrofísico do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, sugerem que a Linha de Karman está realmente mais próxima da Terra em cerca de 20 quilômetros. Se os cálculos de McDowell forem aceitos, o limite estaria mais próximo de cerca de 80 quilômetros, o que é satisfatoriamente próximo do limite reconhecido pela FAA.

As expectativas humanas também precisam ser consideradas. Para os potenciais turistas espaciais, esses limites podem não fazer sentido se os seus desejos não forem satisfeitos. Esses vôos são suborbitais, por exemplo, com a nave passando pouco tempo no espaço e sem a oportunidade de um passageiro flutuar livremente em microgravidade. Os futuros passageiros da SpaceShipTwo terão que se contentar com a visão extraordinária e as definições técnicas de “espaço”.

Independentemente disso, a Virgin Galactic está indo com o limite de 80 quilômetros.

“Vamos agora avançar com a parte restante do nosso programa de testes de voo, que verá o motor do foguete queimar por mais tempo e a Unity VSS voar ainda mais rápido e mais alto para dar a milhares de astronautas privados uma experiência que proporciona uma nova perspectiva planetária à nossa relação com a Terra e o cosmos”, disse Branson. “Este é um dia memorável, e eu não poderia estar mais orgulhoso das nossas equipas, que, juntas, abriram um novo capítulo da exploração espacial.”

A Virgin Galactic não anunciou uma data para os voos comerciais da SpaceShipTwo, mas o lançamento desta quinta-feira representa um grande passo nessa direção. Até o momento, mais de 600 pessoas já se inscreveram, gastando até US$ 250.000 por uma passagem para ter a chance de ir ao espaço. Ou, pelo menos, uma versão dele.

[Virgin Galactic, SpaceNews]

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