YouTube diz que vídeos extremistas não têm bom engajamento no site — então o que é isso?

A empresa parece ter um novo argumento favorito, mas ele é tão descolado da realidade que fica difícil comprar o discurso
YouTube

Diante das críticas por causa dos vídeos que recomenda a seus usuários, o YouTube parece ter um novo argumento favorito, que pode surpreender qualquer um que passa algum tempo online na plataforma: segundo a companhia, conteúdos extremos não se saem bem no site.

A estranha afirmação surgiu na terça-feira (2), quando a Bloomberg publicou uma reportagem alegando que o YouTube ignorou os avisos de seus funcionários sobre como a plataforma estava promovendo vídeos tóxicos, com os executivos priorizando engajamento em detrimento de outros objetivos. Um porta-voz desafiou essa caracterização e disse à Bloomberg que, “geralmente, conteúdos extremos não se saem bem na plataforma”.

Isso reforça uma afirmação feita pelo diretor de produtos do YouTube, Neal Mohan, em uma entrevista recente ao New York Times sobre a radicalização online. Perguntado se as recomendações do YouTube empurrava os usuários a uma “toca do coelho” de extremismo, Mohan disse que o sistema da plataforma não é projetado para fazer isso. “Não é o caso que conteúdo ‘extremo’ impulsiona uma versão mais alta de engajamento ou de tempo de visualização do que conteúdo de outro tipos”, afirmou Mohan.

Isso nos leva a crer que Mohan não passou muito tempo no YouTube ou então tem uma definição bem diferente do que significa “conteúdo extremo”. Porque mesmo uma análise superficial do site mostra que os vídeos mais chocantes e inflamados estão normalmente entre os conteúdos mais vistos de veículos de imprensa.

Pegue, por exemplo, o canal da rede americana Fox News no YouTube. Alguns dos vídeos mais assistidos são: ‘Homem armado com facas de cozinha ataca policiais’; ‘Tiros disparados! Vídeo de bodycam captura ataque a deputado’; ‘Vídeo chocante mostra soldados americanos abatidos na base militar Jordan’; ‘Aviso de vídeo explícito: Tiroteio fato no meio da rua; e o bem racista ‘Watters’ World: Edição Chinatown’.

Mas não se trata apenas de meios de comunicação conservadores. Os vídeos mais assistidos da CNN no YouTube incluem: ‘Supostas execuções do Estado Islâmico no Iraque’; ‘Vídeo mostra estudantes se escondendo enquanto tiros são disparados’; ‘Vídeo brutal de terrorista pega emprestadas técnicas de Hollywood’; ‘Novo vídeo de batalha do Estado Islâmico divulgado; ‘Militante do Estado Islâmico publica novo vídeo de execução’; e ‘Os perturbadores posts de rede social do atirador da escola na Flórida’.

Faça a mesma pesquisa em um canal de extrema-direita como o Breitbart ou em um canal de esquerda como o The Young Turks e você verá que vídeos extremos estão entre os mais assistidos por lá também. E depois tem o Daily Mail, que existe na sua própria categoria de sensacionalismo flagrante de tabloide.

Outras plataformas admitem mais facilmente que o conteúdo mais sujo e extremo é regularmente o mais popular nas redes sociais. Em um post publicado em novembro, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, escreveu (grifo nosso):

Um dos maiores problemas que as redes sociais enfrentam é que, quando deixadas sem controle, as pessoas se envolverão desproporcionalmente com conteúdo mais sensacionalista e provocador. Este não é um fenômeno novo. Ele está difundido nas notícias a cabo hoje em dia e tem sido um elemento básico de tabloides há mais de um século. Em escala, isso pode minar a qualidade do discurso público e levar à polarização.

O post então continuou explicando que a pesquisa do Facebook mostrou que, “independentemente de onde tracemos as linhas para o que é permitido, à medida que um pedaço de conteúdo se aproxima dessa linha, as pessoas se envolverão mais com ele em média — mesmo quando nos disserem depois que não gostam do conteúdo”. Zuckerberg ilustrou isso com um gráfico:

Gráfico com padrão de engajamento conforme o tipo de conteúdo

Padrão de engajamento natural. Gráfico: Facebook

Não temos certeza de qual é a definição de “conteúdo extremo” do YouTube. A empresa não respondeu a um pedido de comentários do Gizmodo. É possível que as recentes declarações da empresa sobre conteúdo extremo se referissem apenas ao extremismo político. Mas se praticamente todo outro tipo de conteúdo extremo se sair bem em praticamente todas as outras plataformas, é difícil acreditar que o conteúdo politicamente extremo no YouTube seria a exceção.

A matéria da Bloomberg inclui uma anedota perturbadora do início de 2018. De acordo com o veículo, um funcionário do YouTube criou uma categoria de vídeo interna para demonstrar como o conteúdo da alt-right, nova extrema direita, era popular no site. “Com base no engajamento, a categoria hipotética de alt-right ficou com música, esportes e jogos como os canais mais populares no YouTube”, relata a Bloomberg.

O YouTube terá mais sucesso ao tratar as questões de desinformação, conteúdo tóxico e radicalização em sua plataforma se parar de ignorar as realidades do sensacionalismo na mídia.

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