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EUA devem aprovar droga contra alergia a amendoim, mas eficácia é controversa

Um painel de especialistas reunidos pela FDA (órgão americano equivalente a Anvisa) votou uma recomendação para que a agência aprovasse uma droga chamada Palforzia, criada para ajudar as pessoas a controlarem alergia a amendoim. O veredito, no entanto, não foi unânime e destacou o debate sobre esse tratamento, que consiste em uma pílula que contém […]

Imagem: Wikimedia Commons

Um painel de especialistas reunidos pela FDA (órgão americano equivalente a Anvisa) votou uma recomendação para que a agência aprovasse uma droga chamada Palforzia, criada para ajudar as pessoas a controlarem alergia a amendoim. O veredito, no entanto, não foi unânime e destacou o debate sobre esse tratamento, que consiste em uma pílula que contém proteína de amendoim.

O tratamento é conhecido como imunoterapia oral, e funciona ao expor as pessoas a uma pequena quantidade do alergênio, na tentativa de fazer com que pequenas doses administradas por um longo período de tempo possa dessensibilizar o sistema imunológico hiper-reativo de alguém.

Praticamente qualquer coisa que contém amendoim poderia ser utilizado para essa imunoterapia, incluindo manteiga de amendoim. Porém, durante anos, empresas farmacêuticas têm tentado colocar produtos específicos no mercado que seriam formalmente aprovados pela FDA. O Palforzia, desenvolvido pela companhia Aimmune Therapeutics, está chegando perto desse objetivo. A droga basicamente contém uma pequena dose de farinha de amendoim.

Antes de a FDA aprovar uma nova droga, é comum que montem um comitê consultivo com especialistas independentes para analisar um resultados dos testes clínicos e votar se o remédio deveria ser aprovado de acordo com os dados gerais. Essas recomendações não são invioláveis, mas a agência dificilmente decide de forma contrária.

Dados promissores, mas enviesados

Numa primeira olhada, os resultados dos testes clínicos enviados pela Aimmune são impressionantes. No teste mais amplo, envolvendo mais de 550 pessoas com idades entre 4 e 55 anos, dois terços dos pacientes que tomaram Palforzia durante um ano – o que incluía um período de manutenção de seis meses nos quais as pessoas tomavam uma dose menor – conseguiram suportar 600 miligramas de proteína de amendoim sem passarem por grandes efeitos colaterais, enquanto que apenas 4% do grupo que tomou placebo obteve o mesmo resultado.

Muitas dessas pessoas continuaram tomando Palforzia como parte de um outro teste mostraram conseguir tolerar doses ainda mais altas de amendoim, de até 2.000 miligramas. Em alguns estudos, até um terço das pessoas podiam ser expostas ao amendoim sem experimentar quaisquer sintomas.

Os números impressionam, mas 600 miligramas representam aproximadamente dois ou três amendoins. Ou seja: embora o tratamento seja capaz de evitar que pessoas tenham reações alérgicas ao ingerir acidentalmente algum alimento que possua amendoim, está longe de ser uma cura.

Os riscos

Além disso, há alguns riscos de segurança percebidos durante esses estudos. Mais de 10% das pessoas que tomaram Palforzia pararam o tratamento, geralmente porque não conseguiam suportar os efeitos colaterais experimentados. Esses efeitos colaterais incluíam anafilaxia, uma reação alérgica que pode ser fatal se não for tratada imediatamente com uma dose de epinefrina. Comparado com o grupo de controle, as pessoas que tomaram a droga experimentaram mais descontinuações, anafilaxias e condições inflamatórias crônicas que machucam o esôfago, chamada esofagite eosinofílica, muito embora ambos os grupos foram instruídos a evitar de comer amendoins.

Pesquisas realizadas de forma independente documentaram esses riscos, vistos em muitos dos testes clínicos da imunoterapia oral com amendoins. E dado que as pessoas estão fazendo um tratamento para evitar reações alérgicas severas, algumas pessoas argumentaram que os riscos são mais significativos do que os benefícios. Foi essa racionalidade que fez com que dois dos nove especialistas do quadro da FDA recomendarem o veto da droga.

“Acho que poucas pessoas pensam que anafilaxia é uma condição benigna”, disse John Kelso, especialista em alergias da Scripps Clinic na Califórnia e um dos dissidentes, durante o painel de discussão dos dados dos estudos. Posteriormente, seguindo com seu voto, ele disse que “essa não é a resposta certa [para o tratamento”.

Cautela na aprovação

A FDA disse que se acabar aprovando a Palforzia, somente o fará ao regular com muito cuidado o seu uso – uma ressalva colocada a algumas drogas conhecidas como REMS, ou de Estratégia de Mitigação e Avaliação de Riscos.

Para Palforzia, isso faria com que existissem exigências para que todos que fossem tomar esse remédio tenham também um estoque de epinefrina, e que qualquer aumento na dose, incluindo a primeira, seja oferecida apenas por uma clínica médica aprovada. Oito dos especialistas votaram “sim” para aprovar a droga caso o REMS for implementado com ela, enquanto Kelso permaneceu sendo o único “não” da mesa.

O presidente da Academia Americana de Alergia, Asma e Imunologia (AAAAI) apoiou a decisão do painel, de acordo com um comunicado de imprensa. “Depois do encontro de hoje, estamos um passo mais próximo de ter o primeiro tratamento para alergia a amendoim aprovado pela FDA; isso realmente é um desenvolvimento revolucionário. Pacientes e suas famílias têm esperado por isso há muitos anos e estarão esperando ansiosamente pela decisão final da agência”, disse o presidente da AAAAI David M. Lang.

Caso a FDA concorde com a decisão do painel, a droga seria aprovada até o começo do ano que vem. Mesmo deixando de lado o debate sobre a efetividade do tratamento, algumas pessoas podem reprovar o potencial preço do remédio – uma análise feita pela organização sem fins lucrativos ICER publicada em junho revelava que o tratamento pode custar US$ 4.200 por ano (cerca de R$ 17.200, na cotação atual). O painel de especialistas dessa organização concluiu que o Palforzia não trazia mais benefícios, pelo menos de acordo com as evidências atuais, do que simplesmente evitar comer amendoins.

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