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A física por trás daquele absurdo engarrafamento na China

Os cientistas vêm estudando os padrões de trânsito há anos, tentando construir modelos matemáticos para conceber algum tipo de solução a engarrafamentos.

Há alguns dias, um drone capturou um vídeo impressionante do pior engarrafamento do mundo na estrada G4 entre Pequim, Hong Kong e Macau. Culpe o tempo nublado se quiser, mas a física diz que tudo se resume a uma questão de densidade – ou seja, um número absurdamente elevado de pessoas retornando a Pequim depois de um festival que durou uma semana.

Eu nunca vi nada parecido com isso, e eu moro em Los Angeles, que frequentemente aparece no topo da lista de lugares com o pior trânsito nos EUA.

O fluxo de tráfego é um grande problema na maioria dos grandes centros urbanos. O motorista médio americano gasta 36 horas por ano em atrasos no trânsito. Mas a China leva a coroa quando se trata de tráfego insanamente congestionado. Um estudo no ano passado descobriu que, em média, um motorista na China gasta o equivalente a nove dias do ano (ou mais de 200 horas) preso no trânsito.

Os cientistas vêm estudando os padrões de trânsito há anos, tentando construir modelos matemáticos para conceber algum tipo de solução a engarrafamentos.

Um deles é o físico Boris Kerner, do Instituto de Pesquisa Daimler Benz, em Stuttgart (Alemanha), que publicou um estudo seminal na Physical Review Letters em 1998. Ele analisou dados coletados de vários anos de tráfego ao longo das estradas alemãs e descobriu que o tráfego segue a física da auto-organização.

O modelo de Kerner separa o trânsito em três categorias: fluindo livremente, engarrafado (estado sólido), e um estado intermediário chamado fluxo sincronizado, em que “moléculas-carro” densamente reunidas se movem em uníssono. Como eu escrevi em 2011:

Quando isso acontece – quando todos os veículos estão viajando à mesma velocidade média por causa da densidade de veículos na estrada – eles se tornam altamente dependentes um do outro. Um físico pode comparar essa relação com o movimento de elétrons correlacionados em metais, que dá origem a fenômenos estranhos como a supercondutividade.

O tráfego altamente correlacionado significa que uma pequena perturbação – uma borboleta batendo suas asas, ou um único motorista freando de forma inesperada – irá enviar pequenas ondulações de lentidão através de toda a cadeia de carros que estiverem atrás. Esse é um motivo pelo qual a lentidão e engarrafamentos ocorrem mais comumente quando duas pistas se fundem em uma só, especialmente rampas de saída e de entrada, ou quando pistas estão fechadas devido a obras.

Isso também pode acontecer em pedágios de mega-estradas quando não há cabines o suficiente abertas, forçando 50 pistas com carros lotados – como assim, China? – a se mesclarem em apenas 20.


Engarrafamento em Pequim em 2008. Ian Holton/Flickr

Também existem os chamados “engarrafamentos-fantasma”, que não têm motivo aparente: eles não são causados por nenhum acidente, nem veículo parado, nem pistas fechadas. Eles acontecem quando há um grande volume de carros na estrada, e pequenas perturbações (um motorista freia bruscamente, ou fica muito perto de outro carro) podem rapidamente se amplificar.

Em um estudo de 2009, pesquisadores do MIT fizeram um modelo baseado na mecânica dos fluidos para descrever o surgimento desses engarrafamentos-fantasma. Eles concluíram que, infelizmente, esse tipo de congestionamento é quase impossível de se quebrar – os motoristas precisam apenas esperar que ele acabe.

No entanto, o modelo pode ajudar engenheiros a criar estradas com capacidade suficiente para manter a densidade do tráfego baixa o suficiente e minimizar a ocorrência de tais engarrafamentos.

Trata-se de um equilíbrio delicado: há um limite crítico para o trânsito, e quando ele é atingido, mesmo pequenas flutuações podem causar uma reação em cadeia que resultam em congestionamento. É algo para se pensar na próxima vez que você estiver xingando o trânsito.

Referências:

Kerner, Boris. (1998) “Experimental features of self-organization in traffic flow”, Physical Review Letters 81: 3797.

Flynn, M.R. et al. (2009) “Self-sustained nonlinear waves in traffic flow”, Physical Review E 79(5): 056113.

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