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Os astrônomos estão cada vez mais preocupados em como as megaconstelações de satélite afetarão a ciência

Conferência de astrônomos foi motivada por desenvolvimentos recentes relacionados à construção da megaconstelação Starlink da SpaceX.

Um SpaceX Falcon 9 decola de Cabo Canaveral, na Flórida, transportando 60 satélites Starlink, em 6 de janeiro de 2020. Imagem: SpaceX

Os organizadores de uma conferência da American Astronomical Society no Havaí realizaram uma sessão especial para discutir as maneiras pelas quais as megaconstelações de satélite, como a que está sendo construída pela SpaceX, estão prontas para interromper as observações telescópicas. Os astrônomos também propuseram possíveis soluções para esse problema emergente.

A sessão especial, intitulada “Desafios à Astronomia dos Satélites”, foi realizada ontem no 235º Encontro da Sociedade Astronômica Americana (AAS), que está acontecendo atualmente em Honolulu, no Havaí. Presidida por Connie Walker, do Laboratório de Pesquisa em Astronomia Ótica e Infravermelho da National Science Foundation, em Tucson, Arizona, a reunião foi motivada por desenvolvimentos recentes relacionados à construção da megaconstelação Starlink, da SpaceX, mas o objetivo da reunião era discutir a perspectiva em geral, já que várias outras empresas planejam construir suas próprias constelações de satélites.

A Starlink foi um ponto focal da reunião, o que não é uma surpresa. A SpaceX lançou agora três lotes de seus pequenos satélites, o que eleva o número total a cerca de 180. Cada lançamento foi acompanhado por um show de luzes, no qual uma procissão ordenada de satélites Starlink foi vista passando pelo céu noturno. Esse efeito que parece um trem dura uma semana ou mais, até que os satélites se dispersem em suas órbitas de serviço mais altas, mas mesmo assim ainda são visíveis a olho nu. Talvez, como era de se imaginar, os trens Starlink já atrapalharam as observações astronômicas.

Isso é certamente um problema, mas há outro relacionado ao grande volume de satélites que se espera que entre em órbita nos próximos anos. Em última análise, a SpaceX quer que sua constelação Starlink seja composta por dezenas de milhares de satélites, enquanto outras empresas, como OneWeb, Telsat e Amazon, esperam construir suas próprias constelações de vários satélites. O setor privado deve aumentar o número de objetos no espaço em uma ordem de magnitude, e esse experimento sem precedentes – sem nenhuma consideração aparente sobre as consequências – pode atrapalhar as observações astronômicas em um grau alarmante.

Jonathan McDowell, astrônomo do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics e especialista em satélites, participou dessa sessão especial do AAS e conversou com seus colegas sobre o assunto. Ele também se encontrou com os representantes da SpaceX.

“Eu acredito que a SpaceX está fazendo um esforço de boa fé para resolver o problema”, disse McDowell ao Gizmodo em um e-mail. “Acho que eles podem deixar os satélites mais fracos do que o olho nu pode ver, o que é algo mínimo para não estragar o céu noturno para quem não é astrônomo”.

Quanto aos astrônomos profissionais, ele teme que haverá épocas do ano em que esses satélites representarão “no mínimo um grande problema”, dizendo que se preocupa com os problemas sobre os quais os astrônomos ainda nem pensaram.

Durante sessão, Patricia Cooper, vice-presidente de assuntos governamentais do satélite da SpaceX, disse que “o nível de brilho e visibilidade foi uma surpresa para nós”, relatou a SpaceNews.

Essa inesperada luminosidade, disse Cooper, é uma consequência dos satélites terem que ser depositados em uma órbita baixa, bem como a maneira pela qual suas grandes matrizes solares são inicialmente orientadas. Uma vez em suas órbitas pretendidas, a cerca de 550 quilômetros acima da Terra, seu brilho é bastante reduzido, mas ainda podem ser vistos do solo.

A SpaceX respondeu a esse problema. Para a implantação mais recente – na qual a SpaceX se tornou a maior operadora comercial de satélites do mundo -, um satélite Starlink foi tratado com um revestimento escuro especial destinado a diminuir sua refletividade. Não saberemos se essa solução funcionará até fevereiro, quando os satélites entrarão em serviço.

Além disso, a empresa espacial privada está disponibilizando as coordenadas de cada satélite Starlink para os astrônomos, que podem usar essas informações ao planejar suas observações, de acordo com o Washington Post.

“Ainda não sabemos se essas mitigações são úteis e eficazes”, disse Cooper. “Nós tendemos a trabalhar muito rapidamente. Nós tendemos a testar, aprender e refazer”.

A sessão também abordou megaconstelações em geral, discutindo as maneiras pelas quais essas matrizes de satélites podem influenciar observações científicas, se esses satélites são usados ​​para telecomunicações, como é o caso da Starlink, ou estudos abrangentes da superfície da Terra, como a constelação ICEYE proposta, que envolveria frotas de satélites equipados com radar de abertura sintética (SAR).

Durante a sessão, o astrônomo Patrick Seitzer, da Universidade de Michigan, alertou para os efeitos deletérios, como múltiplas faixas nas imagens, artefatos fantasmas, saturação dos detectores de luz e interferência em dispositivos eletrônicos, informou a BBC.

“As megaconstelações na órbita baixa da terra estão chegando e estão chegando rapidamente”, disse Seitzer à BBC. “Os novos satélites são mais brilhantes que 99% dos objetos em órbita”, acrescentando que o lote inicial de satélites Starlink é “apenas o começo”.

Seitzer recomendou que a SpaceX fizesse com que seus satélites Starlink não fossem visíveis a olho nu, mesmo quando em órbita de serviço, e que a empresa trabalhasse para reduzir o brilho desses objetos para evitar a saturação excessiva de grandes telescópios profissionais, informou a BCC. Surpreendentemente, ele disse que o Observatório Vera C. Rubin, anteriormente conhecido como Telescópio Grande de Pesquisa Sinóptica, será gravemente afetado por megaconstelações, pois esse observatório, com seu equipamento altamente sensível, mapeará todo o céu a cada três dias.

Outro problema mencionado na conferência foi a ameaça de interferência de rádio excessiva proveniente de alguns desses satélites, como o mencionado ICEYE. Em entrevista a repórteres na conferência, Harvey Liszt, do Observatório Nacional de Radioastronomia (NRAO), disse que se o SAR for apontado para um radiotelescópio que está olhando diretamente para ele, o SAR “queimará o receptor de radioastronomia”, informou a BBC.

Esperamos que essas discussões obriguem ainda mais o setor privado a adotar práticas sensatas antes de colocar seus produtos no espaço. É profundamente decepcionante que tenhamos essas conversas tão tarde. Ser capaz de prever que dezenas de milhares – ou possivelmente centenas de milhares – de satélites em baixa órbita terrestre afetarão nossa visão do cosmos não é exatamente uma coisa de outro mundo.

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