Uma explicação sensata para a “prova” da existência de universos paralelos

Um cientista afirma que encontrou sinais de que o nosso universo colidiu com outro universo no início de nossa história cósmica.

Talvez você tenha visto a notícia esta semana sobre novas evidências de que nós vivemos em um multiverso. Um cientista afirma que encontrou sinais na radiação cósmica de fundo – o brilho, por assim dizer, deixado pelo Big Bang – de que nosso universo colidiu com outro universo no início de nossa história cósmica.

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Sinto informar, mas essa não é a prova definitiva de que vivemos em um multiverso. Não me interpretem mal: a caça por sinais de um multiverso (ou outros fenômenos exóticos) em mapas da radiação cósmica de fundo é uma área perfeitamente legítima de pesquisa, embora esteja nos limiares da ciência.

No entanto, é bem difícil detectar possíveis sinais do multiverso, e é muito fácil ser enganado por um falso positivo. A maioria das conclusões preliminares – e este é definitivamente preliminar – não se sustentam sob um exame mais minucioso. Lembra quando astrônomos descobriram a “primeira prova direta da expansão do Big Bang“? No fim, era só poeira galáctica.

Muitos multiversos

Há muitas noções diferentes de um multiverso. Podem ser bolhas que se formam e fisgam parte do nosso espaço-tempo para se tornarem seus próprios mundos paralelos. Também existe a hipótese de “muitos mundos”, que remonta à década de 1950: essa teoria sustenta que os diferentes resultados possíveis contidos na função de onda quântica não desaparecem depois que ela entra em colapso – em vez disso, eles se realizam em universos separados.

No caso em questão, estamos falando sobre o tipo de multiverso previsto pela teoria da inflação eterna. Trata-se da noção de que o nosso universo passou por um breve período intenso de expansão após o Big Bang.

A teoria foi introduzida por Alan Guth, cosmólogo do MIT – acompanhado por Andrei Linde, de Stanford, e Paul Steinhardt, Princeton – na década de 1980. “Eu diria que a maioria das versões de inflação na verdade levam a uma inflação eterna, produzindo uma série de pequenos universos”, Guth disse à New Scientist. Como escrevi na revista Quanta no ano passado:

A inflação quer dizer que o nosso universo passou por um estouro súbito de rápida expansão um instante após o Big Bang, explodindo a partir de uma partícula infinitamente pequena a uma área abrangendo 250 milhões de anos-luz em meras frações de segundo.

No entanto, a inflação, uma vez iniciada, tende a nunca parar completamente. Segundo a teoria, uma vez que o universo começa a se expandir, a inflação cessa em alguns lugares – como no nosso universo. Mas em outros lugares, a inflação vai simplesmente continuar de forma eterna no futuro.

Isso levou cosmólogos a contemplar um cenário chamado de inflação eterna. Certas regiões individuais do espaço param de inflar e se tornam “universos-bolha”, como este em que vivemos. Mas em escalas maiores, a expansão exponencial continua para sempre, e novos universos-bolha estão continuamente sendo criados.

Cada bolha é considerada um universo em si mesmo, apesar de ser parte do mesmo espaço-tempo, porque um observador não poderia viajar de uma bolha para outra sem se mover mais rápido que a velocidade da luz. E cada bolha pode ter suas próprias leis distintas da física.

Provas?

Uma teoria que prevê o multiverso é uma coisa; prová-la experimentalmente é outra questão.

Há alguns físicos – como Matthew Johnson, da Universidade de Waterloo (Canadá) – que procuraram sinais de uma colisão entre um universo bolha e nossa própria radiação cósmica de fundo, baseando-se em dados da sonda WMAP da NASA, cuja missão é estudar o espaço profundo. Eles não encontraram nada, mas esperam avançar suas análises quando os dados do satélite Planck se tornarem públicos.

O que o astrônomo e astrofísico Ranga-Ram Chary, do U.S. Planck Data Center, diz ter encontrado é algo diferente. (Chary não respondeu ao contato do Gizmodo para comentar o assunto.) “Eles estão à caça de leões, e estamos à caça de ursos polares”, Johnson disse à New Scientist.

A revista explica:

… Chary subtraiu a radiação cósmica de fundo do retrato que o satélite Planck tirou de todo o céu. Então ele tirou todo o resto: as estrelas, gás e poeira. Após remover nosso universo, nada deveria restar além de ruído. Mas em um determinado intervalo de frequência, manchas espalhadas no céu parecem muito mais brilhantes do que deveriam. Se forem reais, esses aglomerados anômalos podem ser causados ​​por colisões cósmicas: nosso universo colidindo com outras partes do multiverso.

Essas manchas parecem vir de algumas centenas de milhares de anos após o Big Bang, quando elétrons e prótons uniram forças para criar o hidrogênio, que emite luz em uma gama limitada de cores. Podemos ver sinais dessa era, chamada recombinação, na luz desse hidrogênio antigo. Estudar a luz da recombinação poderia ser uma assinatura única da matéria em nosso universo – e, talvez, caracterizar sinais do além.

Essa luz é difícil de detectar, uma vez que tende a se misturar com a radiação cósmica de fundo. Chary encontrou algumas manchas que eram muito mais brilhantes do que o esperado. Uma possível explicação é que uma colisão com outro universo levou a prótons e elétrons extras nesses lugares. Mas também pode ser apenas um ruído que parece um sinal.

Críticas

Não é a análise de Chary que está levantando questões, e sim sua interpretação dos dados. David Spergel (Universidade de Princeton) disse à New Scientist que a poeira cósmica pode mais uma vez ser a culpada, e sugeriu que os físicos procurem explicações alternativas: “as propriedades da poeira são mais complicadas do que nós assumimos, e eu acho que isso é uma explicação mais plausível”.

Joseph Silk, da Universidade Johns Hopkins, foi mais duro: ele diz que a análise de Chary é “completamente implausível”. Matthew Johnson, por sua vez, disse ao Gizmodo que ele permanecerá cético até que uma análise independente confirme os dados.

Até mesmo Chary avisa que sua conclusão ainda é provisória: “reivindicações incomuns, como evidências de universos alternativos, requerem um ônus de prova muito elevado”.

No entanto, todo mundo fora do mundo da física está pensando assim:


“Então você está me dizendo que há uma chance…”

Olha, eu amo a ideia de um multiverso: é uma área de pesquisa fascinante, com potencial de descoberta de uma nova física muito emocionante. Mas, francamente, o estudo não merece a quantidade de atenção que recebeu.

Este ainda é o primeiro rascunho de um artigo, que não passou por qualquer revisão por pares. Ele foi submetido a um periódico científico respeitável (o Astrophysical Journal), mas Johnson acredita que pode ser difícil que ele seja aceito para publicação.

Então por que estamos falando sobre isso? Ora, porque as pessoas acham que a ideia de um multiverso é legal. E é mesmo. Mas é um desserviço para Chary e para o processo científico alardear uma descoberta tão preliminar.

[arXiv e New Scientist]

Referências:

Chary, R. (2015) “Spectral variations of the sky: constraints on alternate universes,” arXiv.

Wainwright, Carroll et al. (2014) “Simulating the universe(s): from cosmic bubble collisions to cosmological observables with numerical relativity,”Journal of Cosmology and Astroparticle Physics 03: 030.

Wainwright, Carroll et al. (2014) “Simulating the universe(s) II: phenomenology of cosmic bubble collisions in full general relativity,”Journal of Cosmology and Astroparticle Physics 10: 024.

Imagem por ESA e Planck Collaboration.

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