Tecnologia e representatividade fazem de Watch Dogs 2 um dos jogos mais importantes do ano
por Bruno Izidro
“Seu rosto está escuro demais para os meus sensores”, fala o carro inteligente Cyberdrive.
“Quê? Eu sou negro e com muito orgulho! Manda seus sensores calibrarem isso”, responde Marcus retr0 Holloway enquanto dirigia.
Com esse diálogo, que aparece logo nas primeiras horas de Watch Dogs 2, dá para notar que a escolha por um protagonista negro não foi gratuita. No decorrer do novo jogo da Ubisoft, não só preconceito racial é abordado como outras formas de representatividade e questões LGBT também aparecem. São temas que você não espera encontrar em um jogo de mundo aberto sobre hackers.
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Mesmo que esses assuntos não cheguem a dar o tom da aventura, a forma como são apresentados dentro da temática central de cultura de internet e hackativismo, fazem de Watch Dogs 2 um dos uns jogos mais importantes do ano por representar tanto os dias atuais.
A tecnologia veio para ficar
Vamos começar pelo que faz Watch Dogs 2 ser um ótimo jogo, porque aqui já é possível perceber a importância que ele traz. A continuação é tudo que o primeiro jogo deveria ter sido, principalmente por fazer melhor uso de aparatos tecnológicos na jogabilidade. Isso vai desde poder controlar um drone para invadir sorrateiramente um lugar até criar armas e itens em uma impressora 3D.
Watch Dogs 2 também usa conceitos de mídias sociais como mecânicas de progressão no jogo. Um exemplo é o nível de experiência para evoluir o personagem ser medido pela quantidade de seguidores que baixam o aplicativo do DedSec (o grupo hacker que o jogador faz parte). Inclusive, uma das atividades que rende seguidores é tirar selfies em pontos turísticos de San Francisco e postar no equivalente ao Instagram daquele mundo.
O mais legal é que esse é um jeito bem interessante de explorar o mapa do jogo e ver toda a beleza da representação de San Francisco, com suas ruas cheias de grafites, murais e pontos históricos. Além de ver os transeuntes nas ruas fazendo photobombing nas fotos. Mais 2016 impossível.
Por situações assim é que não é exagero dizer que Watch Dogs 2 pode muito bem ser visto como um retrato do impacto da tecnologia na sociedade de hoje. Isso não quer dizer que o jogo é algum tipo de Black Mirror dos videogames. Não, nada disso. A tecnologia é vista aqui como algo que faz parte da vida das pessoas e está tudo bem nisso.
O clima também é leve e descontraído, muito por causa dos personagens, que conseguem ganhar a simpatia de quem joga com as várias referências geeks e nerds que soltam. De Matrix a Star Wars, passando pelo filme Hackers. De debates entre Alien vs. Predador até piadas com pintos. Afinal, estamos na internet ¯\_(ツ)_/¯.
A Ubisoft aprendeu a lição depois que se levou a sério demais no primeiro Watch Dogs e toda a história de vingança pela família de Aiden Pearce. Na continuação, a empresa abraça a zoeira e consegue rir de si mesma quando inclui uma missão com o objetivo de invadir os escritórios da Ubisoft San Francisco para vazar um futuro jogo.
Ao mesmo tempo, Watch Dogs 2 ainda consegue fazer comentários assustadoramente atuais, como quando uma atividade paralela ser sobre o jogador usar um aplicativo no celular chamado Driver: San Francisco (uma referência ao jogo de corrida de mesmo nome feito pela Ubisoft). Nele, motoristas particulares pegam clientes para fazerem corridas. Soa familiar? Então deem uma olhada no que acontece em uma das missões.
Esses exemplos mostram até como Watch Dogs 2 pode ter uma importância histórica no futuro, porque mesmo que não usemos mais Instagram, Uber e outras modernidades em 10 ou 15 anos (o que acho difícil), ele vai continuar sendo uma representação desse tempo em que estamos. Muitas vezes essa representação pode ser um pouco exagerada no jogo, é verdade, mas não tira a importância dela.
O Amor de Julieta e Romeu
Se a tecnologia faz Watch Dogs 2 divertido e interessante de jogar, onde ele acerta em cheio mesmo é na abordagem de assuntos considerados tabus, mas que são mostrados de forma natural e que acabam sendo uma poderosa ferramenta de representatividade. Isso vem não só pela questão racial do protagonista, mas do papel da figura feminina.
Além da personagem Sitara, que faz parte do seu grupo de DedSec, fugir dos padrões por ter descendência indiana, me surpreendeu o fato de que muitos policiais que aparecem pela cidade são mulheres. Elas também são vistas como seguranças particulares e entre membros de facções inimigas. Quando há policiais em perseguição, a voz no alto falante dando voz de prisão também é feminina.
São detalhes que podem passar despercebidos por muitos, mas que têm uma importância tremenda por quebrar o paradigma de como mulheres são tratadas em jogos, principalmente por estar em um título grande como Watch Dogs. Apesar da atitude também ser vista como um ‘mea culpa’ da Ubisoft, que no passado se envolveu em polêmicas com personagens femininos em Assassin’s Creed.
Outro exemplo de representatividade está na personagem Miranda, uma transexual que não é definida por essa característica e sim por ser uma política americana, uma mulher de poder que ajuda os hackers a combater a corrupção das corporações. Muito da naturalidade em abordar temas LGBT também tem a ver com o jogo se passar em San Francisco, que tem um movimento de liberdade sexual bem forte. Isso é sentido principalmente quando há partes da cidade com bandeiras de arco-íris e até faixas coloridas nas ruas.
Até a inclusão da música de Daniela Mercury no jogo pode ter a ver com o assunto, já que há algum tempo a cantora assumiu ser homossexual. No final, não é à toa que o amor de Julieta e Romeu é igualzinho não só ao meu e o seu, como também de todos. Hackers, mulheres, negros ou homossexuais. Não dá para jogar Watch Dogs 2 e não perceber a importância que ele representa.
Watch Dogs 2 está disponível para PS4 e Xbox One e será lançado para PC dia 29 de novembro. A cópia do jogo foi cedida pela Ubisoft.