Brasil reage às suspeitas de espionagem americana; senadores defendem asilo a Snowden
Documentos vazados por Edward Snowden, ex-funcionário da CIA, revelam que o Brasil é um dos alvos prioritários de espionagem americana, tanto por telefones como pela internet.
O governo, que já havia se manifestado, continuou a reagir: a presidente Dilma Rousseff esclareceu o objetivo de criar um sistema nacional para armazenamento de dados; a Câmara dos Deputados se apressa para votar o Marco Civil da Internet; e senadores defendem que o Brasil conceda asilo a Snowden.
Para Dilma, se a espionagem for mesmo confirmada, “seguramente é violação de soberania e de direitos humanos”. No entanto, ela foi cuidadosa ao se manifestar, dizendo: “temos que ver sem precipitação, sem pré-julgamento”.
Em reunião com ministros no domingo, a presidente sugeriu criar um grande sistema nacional para armazenar dados. Nesta segunda-feira, ela explicou o motivo: garantir a privacidade dos dados guardando-os obrigatoriamente no Brasil. Segundo o G1, isto é o que ela disse:
…uma das questões que devemos observar é onde se armazenam os dados. Porque muitas vezes os dados são armazenados fora do Brasil, principalmente os do Google. Queremos obrigatoriedade de armazenamentos de dados de brasileiros no Brasil.
Dessa forma, o país viraria uma central de data centers, concentrando o tráfego internacional de internet – em vez de deixá-lo ir aos EUA. A presidente diz que isto será incluso no Marco Civil da Internet, projeto de lei que aguarda votação no Congresso. Segundo o Estadão, o governo vai pressionar para que o projeto seja votado – tanto na Câmara quanto no Senado – antes de 18 de julho, início do recesso parlamentar.
O Marco Civil tem como objetivo garantir os direitos e deveres na internet brasileira. Isso significa regras mais claras para as empresas, como provedores de acesso e grandes sites. O projeto é discutido no país desde 2009, mas deputados não conseguiram chegar a um consenso até então. O presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), disse que conversará com o relator do marco civil para definir um projeto “que a Casa possa aprovar” em breve.
A Anatel, por sua vez, abriu processo administrativo para investigar se empresas de telecomunicações no Brasil violaram sigilo de seus usuários. A agência também vai verificar se houve monitoramento de informações via satélite. Eles contarão com ajuda da Polícia Federal; terminado o processo, tudo será enviado ao Ministério Público. A investigação não tem prazo para acabar.
EUA e teles negam espionagem
O embaixador dos EUA no Brasil, Thomas Shannon, nega que o governo norte-americano espione telefonemas ou e-mails de brasileiros. O diplomata disse ao ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que o programa de monitoramento não foi apresentado de forma correta.
Shannon admitiu que o governo dos EUA monitora ligações e dados, porém “a partir de fluxos internacionais, não em território brasileiro”. Além disso, eles não saberiam o conteúdo das ligações – só os metadados, como número de telefone de origem e destino, hora e duração da chamada, entre outros.
O embaixador ainda negou que os EUA tenham convênio de espionagem com empresas brasileiras de telefonia, e nega que tenha existido uma central de coleta de dados para tanto.
Eduardo Levy, presidente do Sinditelebrasil, órgão que representa as empresas de telecomunicações, também negou que elas tenham colaborado com a espionagem dos EUA. Ele diz: “Empresas brasileiras não podem fornecer dados de seus clientes a não ser por solicitação de juízes”. (Isso lembra o que disseram, nos EUA, as empresas de tecnologia acusadas de envolvimento no Prism, como Google, Apple e Facebook.)
Snowden
Senadores da base e da oposição agora defendem que o governo brasileiro conceda asilo a Edward Snowden. Na semana passada, o ex-funcionário da CIA fez exatamente esse pedido (através do Wikileaks), mas o Ministério das Relações Exteriores recusou-se a abrigar o informante, dizendo que “não há intenção de responder”.
O senador Roberto Requião (PMDB-PR) afirma que “a reação mais lógica e mais séria em relação a essa história da espionagem americana seria imediatamente conceder asilo ao Snowden”.
Álvaro Dias (PSDB-PR), da oposição, foi mais duro: “Essa denúncia é tão grave que… o presidente Obama tem que ser questionado, de presidente para presidente. Se as explicações não forem satisfatórias, Dilma tem que cancelar seu compromisso oficial em outubro.” Enquanto isso, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) acredita que “o governo brasileiro tem que se posicionar”.
Uma nova reportagem d’O Globo com co-autoria de Glenn Greenwald – que ajudou Snowden a revelar o PRISM – diz que, segundo documentos vazados, os EUA têm programas de espionagem em vários países da América Latina. Os alvos prioritários são México, Brasil e Colômbia.
O monitoramento não acontece apenas por motivos militares: os EUA também têm interesses econômicos. Uma lista da NSA (Agência de Segurança Nacional) diz procurar segredos comerciais em “petróleo” na Venezuela e “energia” no México. E claro, há motivações políticas: em março deste ano, a Colômbia se tornou prioritária para a NSA – foi quando morreu Hugo Chávez.
Os presidentes da Bolívia, Venezuela e Nicarágua já ofereceram asilo a Snowden, que aparentemente continua preso num aeroporto em Moscou.
Fotos por opensourceway e berlincat/Flickr