Por que a Campus Party é hoje um evento de empreendedorismo, e não de tecnologia
Ao entrar na Arena Anhembi, na área ampla e abafada com um gigantesco pé direito e espaço de sobra, a primeira coisa que você vê são os pequenos estandes, com uma mesa típica de colégios, duas cadeiras e, normalmente uma ou duas pessoas com aparência convidativa. Cada bloco representa uma pequena empresa, cada pessoa representa uma ideia, e é essa é a principal transformação da Campus Party nos últimos anos: agora as pessoas querem saber como empreender.
A cultura do empreendedorismo é antiga, você já deve ter visto diversos filmes e lido livros sobre histórias de sucesso em diversos países (principalmente nos EUA) mas, convenhamos, este espírito nunca foi tão forte como é hoje no Brasil. A dificuldade em fazer vingar um negócio criado do zero, a burocracia e os altos custos sempre fizeram com que boas ideias sequer saíssem das mentes que as geraram. Com a revolução digital, apps e a facilidade em criar muito com pouco, o mundo das startups e aceleradoras invadiu o país nos últimos anos. Se uma equipe de três pessoas pode vender um app de fotos por US$1 bilhão para o Facebook, por que nós não podemos seguir o mesmo caminho?
Agora todo mundo quer correr atrás dessa mina de ouro e a Campus Party entendeu isso. Não é só o lado de fora que entope sua visão com empreendedorismo. A própria escolha dos palestrantes magistrais indica o caminho. Dos oito nomes, apenas metade é diretamente ligado à tecnologia. Não custa lembrar que o evento já teve nomes como Steve Wozniak e grandes evangelistas de Linux como principais nomes. Neste ano, o nome mais aclamado é o vocalista de uma gigantesca banda de metal e empreendedor no ramo da aviação. Curioso, não?
Para onde vai o empreendedorismo
Bruce Dickinson, vocalista do Iron Maiden, subiu ao palco ontem para a palestra mais cheia da Campus Party (o número de camisetas pretas indica que muitos estavam ali mais para ver o ídolo do metal do que para ouvir sobre o lado empreendedor de aviões). Como quase toda palestra que envolva a ideia de fazer com que seus projetos se realizem, Dickinson falou pouco de tecnologia e muito sobre autoajuda, a necessidade de pensar fora da caixa, não se contentar com pouco e por aí vai. É o que muitos querem ouvir.
O que os empreendedores não gostam muito de ouvir é que, apesar de a democratização das ferramentas digitais ter criado a possibilidade apps e produtos globais, essa facilidade também causou uma notável queda de qualidade e execução das ideias. Há muita gente produzindo muito conteúdo semelhante, na correria, com receio de que seja tarde demais. Há muitos números bonitos, o mercado parece gigantesco, mas só faz sentido se houver cuidado. E ainda há um mistério: existe tanto dinheiro para bancar tantas ideias? As aceleradoras de startups estão aos montes na Campus Party, mas não é fácil convencê-las a investir.
Se o caso do Instagram virou exemplo (apesar de parecer mais uma exceção do que regra), o Snapchat merece ser analisado da mesma forma. O aplicativo ficou famoso por fazer sucesso com um público que o Facebook não consegue mais atingir, e de repente recusou uma oferta de US$ 3 bilhões vinda de Mark Zuckerberg. Mas, apesar do hype, nem os próprios criadores do Snapchat sabem o que farão com seu aplicativo. Ele sofreu problemas de segurança no fim do ano, foi avaliado abaixo da oferta do Facebook e ainda não sabe como irá, de fato, ganhar dinheiro com um sistema de troca rápidas de foto (algo extremamente pessoal e privado).
Tudo isso para mostrar que, na verdade, o mundo do empreendedorismo é muito mais complexo do que parece. Ideias precisam ser bem pensadas, e bons planos precisam ser construídos. Mais do que abrir espaço para uma relação mais próxima entre criadores e investidores, a Campus Party tem o dever de mostrar soluções de longo prazo, ensinar planos de negócios inteligentes e preparar esse novo mercado. Ou seja, é preciso misturar a autoajuda e o “vamos nessa” com a tecnologia inteligente, aquela que joga a favor do criador.
E a tecnologia?
Há outro motivo para essa mudança de foco por parte da organização da Campus Party: o mundo da internet no Brasil é muito diferente do que era sete anos atrás. A internet ultra-rápida ainda é um dos chamarizes do evento, mas em um país em que a base da banda larga cresceu quase 40% em um ano, esse tipo de diferencial já está perdendo a força.
Além disso, a conexão monstruosa chamava a atenção porque, de forma nada velada, a Campus Party era o evento para aqueles que queriam encher o HD de filmes, seriados e músicas. Mas não foi só a velocidade das conexões em casa que mudaram no Brasil: ter acesso a filmes e músicas legalizadas é cada vez mais fácil e com um preço digno, a nuvem já é mais do que uma realidade e a cultura do HD de 2TB cheio de arquivos tende a diminuir cada vez mais.
Apesar desse distanciamento, o evento ainda traz algumas palestras e workshops interessantes ligados a tecnologia (como os workshops de vídeo, foto, design e games e a área Arquimedes, que trata sobre segurança na rede, assunto que é pauta obrigatória neste ano por causa dos acontecimentos recentes). Mas, acompanhando de perto as cadeiras vazias espalhadas pelas palestras e a quantidade de monitores ligados em jogos, a Campus Party é cada vez mais uma mistura de reunião de empreendedores com encontro da galera.