Como gadgets que revelam local do usuário são usados na investigação de crimes
Em junho, falamos por aqui sobre o caso de um depoimento à polícia que foi desmentido por causa de um gadget: uma mulher alegou ter sido atacada enquanto dormia, mas a pulseira Fitbit dela mostrava que ela estava andando pela casa.
Gadgets como celulares, terminais GPS e dispositivos vestíveis podem ajudar na investigação de incidentes e crimes, com diferentes graus de sucesso. Analisamos cada um deles a seguir.
Torres de celular
Um tipo de evidência criminal vem silenciosamente sendo cada vez mais usado. Trata-se dos dados de localização baseados em qual antena seu celular se conecta: agências como o FBI dizem que isto tem a exatidão necessária para ser usado como prova nos tribunais.
Mas, no último ano, especialistas vem se manifestando contra essa prática, dizendo que as torres de celular revelam menos do que se acreditava – e seu celular pode “dedurar” algo falso.
Segundo o Washington Post, a polícia americana e o FBI defendem o uso desses dados porque, ao fazer ou receber uma ligação, o celular geralmente escolhe a torre mais próxima com o sinal mais forte, e a maioria das torres fica a até 3 km de distância.
Milhares de casos jurídicos se baseiam nisso. Em 2012, a operadora AT&T informou ter recebido 77.800 pedidos de dados de localização; enquanto a Sprint atendeu a 67.000 pedidos.
No entanto, diversos especialistas dizem que isso não está correto: o celular é encaminhado por um centro informatizado até uma torre com base em diversos fatores – condição meteorológica, hora do dia, tipo de equipamento, entre outros.
Ou seja, o celular nem sempre se conecta à torre mais próxima. Durante um caso envolvendo a localização por torres de celular, o especialista forense Jeff Fischbach disse:
… dois aparelhos celulares parados um ao lado do outro, fazendo ligações no mesmo momento, ainda podem se conectar a torres diferentes… Eu vi prova de que dois indivíduos, assinantes da mesma operadora celular, em pé um ao lado do outro – sob vigilância – ainda podem se conectar a torres diferentes.
Isso tem um impacto em casos reais. Em 2004, Lisa Roberts foi acusada de matar a ex-amante em Portland (EUA), mas garantia que era inocente e queria ir ao tribunal. Pouco antes do julgamento, o promotor de justiça recomendou que ela fizesse um acordo.
Sem analisar as provas, ele disse que o celular dela se conectou a uma torre próxima ao local do assassinato, e que isso seria o bastante para condená-la. Roberts relutou, mas aceitou ser presa por 15 anos, em vez da pena máxima de 25 anos que poderia vir com o julgamento.
No ano passado, um juiz retomou o caso e rejeitou a confissão de culpa, dizendo que os dados das torres de celular não seriam precisos o bastante para uma condenação. A promotoria decidiu não reabrir o caso, e Roberts saiu da cadeia após doze anos.
Em outro caso, em 2012, uma juíza rejeitou dados de torres celulares oferecidos pelo FBI para provar que o acusado Antonio Evans havia sequestrado um rapaz de 15 anos em Chicago. A American Bar Association explica:
A juíza disse que o depoimento do [agente especial Joseph] Raschke foi baseado na suposição errônea de que um celular sempre se conecta à torre com o sinal mais forte, geralmente a mais próxima quando a chamada é feita. No entanto, há uma variedade de fatores que determinam isso, incluindo condição meteorológica, topografia, obstáculos físicos, manutenção da torre e se o telefone está sendo usado dentro ou fora de casa.
Lefkow também disse que Raschke não ofereceu nenhuma prova de que a técnica de monitoramento funciona, além de sua garantia de que ele e outros agentes do FBI a usaram com sucesso para encontrar pessoas…
O júri decidiu que Evans não era culpado.
GPS e triangulação
A análise de dados históricos sobre torres de celular pode ser pouco precisa, mas seu smartphone pode indicar com exatidão onde você está agora mesmo.
O GPS do seu smartphone, por exemplo, pode ser usado contra você. Em 2012, ao investigar um caso sobre atropelamento, a polícia levou em conta o GPS integrado ao smartphone da pessoa acusada – além das torres de celular às quais o aparelho se conectou. Dados de GPS vem sendo usados há anos nos tribunais, especialmente no caso de dispositivos de navegação para carros.
Um dos métodos usados pela polícia, no entanto, é a triangulação em tempo real. Basicamente, a operadora precisa obedecer uma ordem judicial e enviar sinais a um celular, permitindo localizá-lo com precisão.
Este método utiliza várias torres para apontar o local exato do aparelho, e ainda pode acompanhá-lo à medida que ele se move. Isto é bastante eficaz para encontrar pessoas desaparecidas, possíveis testemunhas e itens roubados.
Há uma técnica ainda mais avançada, que os EUA evitam mencionar, alegando acordos de confidencialidade. Ela foi criada para espionagem e fins militares, mas é usada pela polícia.
Segundo a Associated Press, o Hailstorm é um dispositivo que finge ser uma torre de celular, fazendo com que outros dispositivos se conectem a ele: “esses dados são então transmitidos à polícia, o que lhes permite localizar um celular sem que o usuário sequer faça uma chamada ou envie uma mensagem”.
Este é o sucessor do StingRay, que funciona basicamente da mesma forma. Do Baltimore Sun:
Desenvolvido para as forças militares, o StingRay simula uma torre de celular para detectar a localização de um celular dentro de poucos centímetros. Como ele é móvel, os policiais podem dirigir por aí até obterem um sinal do celular-alvo.
O dispositivo – conhecido genericamente como um coletor IMSI ou um estimulador de célula – revelou-se eficaz na busca de suspeitos. Mas os defensores de privacidade e de liberdades civis dizem que o segredo envolvendo a sua utilização torna impossível determinar se os policiais obtiveram a aprovação necessária…
O grupo de ativismo NYCLU descobriu que a cidade de Buffalo, NY, comprou o dispositivo por US$ 264.000 e o usou 47 vezes nos últimos cinco anos – no entanto, apenas uma das ocorrências foi permitida por ordem judicial.
Este ano, um policial da cidade de Baltimore testemunhou que o Hailstorm foi usado 4.300 vezes desde 2007.
Wearables
Ainda são raros os casos jurídicos que envolvem wearables, mas esse tipo de dispositivo está ganhando popularidade, e deve aparecer com mais frequência nos tribunais.
Afinal, há alguns casos em que eles poderiam ser úteis: por exemplo, eles podem determinar seu local por GPS e corroborar um álibi. Ou ele poderia ser usado em casos de divórcio. Tyler Newby, do escritório de advocacia Fenwick & West, explica à Wired:
Se, por exemplo, dados de GPS mostram um cônjuge visitando repetidamente o mesmo local por aproximadamente a mesma quantidade de tempo, enquanto os dados de monitoramento de coração registram um pico de pulso, isso poderia sugerir um caso extraconjugal. Sim, isso também pode sugerir visitas regulares à academia, mas tomado com outros dados – registros telefônicos, por exemplo, ou mensagens de texto – isso poderia provar um caso de infidelidade.
Isso é algo importante: o gadget pode “dedurar” seu dono, mas isso não pode ser tomado como prova conclusiva.
É essencial que os dados sejam legítimos, precisos e relacionados à pessoa em questão. E as pulseiras fitness, por exemplo, nem sempre se encaixam nesses quesitos: você pode enganá-la balançando o braço para cima e para baixo – ela vai achar que você está correndo – ou outra pessoa pode usá-la.
A maioria das fabricantes de wearables avisam em suas políticas de privacidade que podem enviar dados do usuário às autoridades. Por exemplo, a Fitbit diz que pode divulgar dados “necessários para comprir uma lei, regulação ou processo jurídico válido”. Assim, é possível que esses gadgets sejam usados em conjunto com outras provas para provar a inocência (ou culpa) de seu usuário.
Esse é um aspecto pouco discutido sobre nossa relação com os gadgets. Além de guardarem mensagens e fotos potencialmente confidenciais, eles ainda acompanham onde estamos e para onde fomos – e podem nos dedurar.
Fotos por Associated Press, Michael Dorausch/Flickr, U.S. Patent and Trademark Office/AP e Richard Drew/AP