“Pílula do câncer” é autorizada por lei mesmo sem eficácia comprovada

A fosfoetanolamina está no centro de uma controvérsia: ela faz parte da pílula do câncer, que vinha sendo distribuída mesmo sem ter eficácia comprovada.

A fosfoetanolamina sintética está no centro de uma controvérsia: ela faz parte da “pílula do câncer”, que vinha sendo distribuída de graça por mais de vinte anos pelo pesquisador Gilberto Chierice, mesmo sem ter eficácia comprovada. Agora, uma lei autoriza o uso da substância por pacientes diagnosticados com tumores malignos.

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Este ano, vários deputados resolveram criar um projeto de lei para liberar o uso da fosfoetanolamina, que não tem registro da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O projeto foi aprovado pela Câmara e pelo Senado em março, e sancionado esta semana pela presidente Dilma Rousseff.

A Anvisa recomendou que Dilma vetasse o projeto, e entidades médicas – incluindo a Sociedade Brasileira de Cancerologia (SBC) e a Associação Médica Brasileira (AMB) – também se manifestaram contra. No entanto, para evitar desgaste e não perder votos próximo à votação do impeachment, ela sancionou a lei.

A lei 13.269 autoriza o uso da fosfoetanolamina por pacientes com neoplasia maligna caso eles tenham laudo médico que comprove o diagnóstico, e caso eles assinem um termo de consentimento e responsabilidade.

A substância poderá ser prescrita “em caráter excepcional, enquanto estiverem em curso estudos clínicos acerca dessa substância”, mas só poderá ser fabricada por “agentes regularmente autorizados e licenciados pela autoridade sanitária competente”.

A pílula do câncer já foi produzida de forma improvisada. De 2008 a 2015, o representante comercial Carlos Kennedy Witthoeft fabricou a substância em um laboratório nos fundos da casa em Pomerode (SC). No ano passado, ele foi preso em flagrante por falsificação de medicamento, crime considerado hediondo pela Justiça. Ele foi solto, mas responde ao processo e pode ser condenado a até 15 anos de prisão.

Polêmica

A fosfoetanolamina virou assunto nacional porque, em 2014, a USP (Universidade de São Paulo) em São Carlos interrompeu a distribuição da substância: ela teria que obter aprovação do Ministério da Saúde ou da Anvisa. Os pacientes recorreram da decisão na Justiça.

Em 2015, o STF (Supremo Tribunal Federal) liberou o acesso à pílula, e centenas de pessoas conseguiram liminares obrigando a USP a produzir e a distribuir a fosfoetanolamina. As liminares em São Paulo foram cassadas. Além disso, o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, decidiu este mês que a USP poderá interromper o fornecimento da fosfoetanolamina. O laboratório que produzia a substância já foi fechado.

A lei é polêmica porque abre um precedente para que remédios sejam produzidos e consumidos sem os testes necessários, e sem autorização da Anvisa. Grandes empresas farmacêuticas poderiam cobrar o mesmo de remédios experimentais, mesmo que seja de forma provisória.

E sem controle da Anvisa, não haverá “quem fiscalize para saber se é mesmo a substância ou alguma pessoa inescrupulosa está falsificando; vai criar uma área de sombra onde seguramente a saúde de quem consome o produto não vai estar garantida”, disse o presidente da agência, Jarbas Barbosa, ao G1.

Inclusive, testes iniciais da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) mostram que as pílulas de fosfoetanolamina possuem apenas cerca de 30% da substância, e que pesam cerca de 300 mg – a embalagem informa que as pílulas têm 500 mg.

Pesquisas científicas

O caso da fosfoetanolamina é delicado. É algo que ultrapassa a ciência e desemboca na esperança de continuar vivo. O apelo emocional é forte, mas a fosfoetanolamina não foi testada cientificamente em humanos. E se ela for o equivalente a uma pílula de farinha, dando falsas esperanças a quem sofre com câncer, e desviando essas pessoas de tratamentos comprovados?

Para isso existe o método científico, só que ele é demorado. Pesquisadores têm que passar por uma série de etapas para confirmar se um remédio realmente funciona, mas os pacientes – especialmente com uma doença grave – não estão dispostos a esperar.

O MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) está coordenando junto ao Ministério da Saúde uma iniciativa federal para pesquisar a substância, com financiamento de R$ 10 milhões. Os primeiros testes, feitos em células humanas de câncer de pâncreas e melanoma, mostram que a fosfoetanolamina não é tóxica para as células, mas também não impede sua proliferação.

O pesquisador Gilberto Chierice diz que a eficácia só será realmente testada quando forem feitos estudos em animais vivos. Segundo ele, a substância funciona como um marcador de células cancerosas, tornando-as mais visíveis ao sistema imunológico para que sejam combatidas pelo organismo com mais facilidade.

A lei tem caráter excepcional, valendo enquanto as pesquisas não forem finalizadas, mas elas devem demorar. O Instituto do Câncer de São Paulo (Icesp) vai administrar a substância para dez pessoas: se nenhum paciente tiver efeitos colaterais graves, o estudo vai continuar.

Depois, serão separados dez grupos de cada tipo de câncer, com 21 pacientes cada. Se pelo menos dois pacientes responderem bem, a pesquisa será ampliada. A inclusão de novos pacientes vai continuar aos poucos, até atingir o máximo de mil pessoas. O laboratório PDT Pharma vai produzir 370 mil cápsulas para os testes clínicos, que ainda não têm data para começar.

[G1 e Estadão]

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