O parente de crocodilos que aterrorizou dinossauros na Madagascar pré-histórica
Cerca de 165 milhões de anos atrás, no meio do período Jurássico, Madagascar era um lugar estranho. A ilha famosa por seu tamanho ainda se separava tectonicamente da Índia e da África, abarrotada com o resto do supercontinente sul de Gondwana. Os primatas ainda não haviam evoluído, e as flores sequer existiam. Essa Madagascar, em vez disso, existia com uma espetacular diversidade de dinossauros e répteis, correndo pela poeira e subindo florestas acima. Mas tudo o que escapa furtivamente, salta e se move lentamente sob o forte sol desse teatro malgaxe está unido em uma cautela inabalável com o predador mais temido da região: o Razanandrongobe sakalavae, um enorme e terrestre parente dos crocodilos.
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Os restos fossilizados e fragmentados desse crocodilo terrível foram descritos em um novo estudo no periódico PeerJ por uma equipe de paleontólogos italianos e franceses. A espécie foi documentada pela primeira vez há mais de uma década, mas devido a limitações dos fósseis, sua classificação específica era desconhecida. Até agora, não estava claro se o Razana (apelido dado à criatura) era um dinossauro terópoda carnívoro enorme ou algum outro tipo de réptil. Novos fósseis de mandíbulas e dentes, coletados da mesma região do noroeste de Madagascar onde os primeiros fósseis foram encontrados, revelam que o Razanandrongobe sakalavae — o “ancestral de lagarto gigante da região de Sakalava” — era na verdade um parente dos crocodilos e jacarés de hoje em dia.
Reconstrução das mandíbulas dos Razanandrongobe sakalavae, incluindo a hemi-arcada esquerda, a pré-maxila direita (cortesia do Museu de História Natural de Toulouse) e suas cópias contra-laterais (em cinza), impressas em 3D a partir de dados de tomografia computadorizada do FabLab Milan, montadas depois no Museu de História Natural de Milão. Crédito: Giovanni Bindellini.
Considerando que o Razana tinha dentes tão aterrorizantes que faria até um T.Rex ruborescer, é talvez um pouco surpreendente que o rosto malvado apresentado pelos fósseis não pertença a um dinossauro predador. Mas o Razana vem de uma época em que a linhagem familiar do crocodilo estava cheia de criaturas que não estavam contentes em esperar à beira d’água pela “entrega” de sua presa.
O Razana era um “notosuchia”, um grupo de de crocodilianos que se distinguia de seus primos próximos de algumas maneiras importantes. Por exemplo, o Razana e outros notosuchias eram especializados para a vida terrestre. Suas pernas ficavam retas e eretas sob seus corpos, permitindo-lhes galopar e correr atrás da presa de maneira firme, atlética, bem diferente de um crocodilo. Notosuchias como o Razana também tinham crânios elevados, fazendo-os parecer mais com um Velociraptor e menos como um monstro do pântano. Os notosuchias eram ferozes predadores que ocupavam todo o supercontinente da Gondwana durante a última metade da Era Mesozoica, mas novas descobertas mostram que nenhum desses crocodilos eram tão formidáveis quanto o monstro de Madagascar.
O Razanandrongobe era enorme, talvez maior do que qualquer outro notosuchia conhecido. Embora seja difícil determinar o tamanho exato de um animal baseado em restos incompletos, as porções recuperadas da cabeça do Razana ajudam a desenhar a imagem de um carnívoro que devia ser uma adição aterrorizante à fauna da antiga Madagascar, um conjunto que incluía predadores de primeira classe como os abelissauros e ceratossauros do tamanho de picapes. O Razanandrongobe tinha uma cabeça do tamanho de uma máquina de lavar, que a evolução havia equipado com dentes serrados do tamanho de bananas. Esses mastigadores eram resilientes e rudes o bastante, defendem os pesquisadores, a ponto de o antigo Razana ter sido capaz de pulverizar e engolir ossos e tendões, além de pedaços da carne de suas presas. Essa máquina temível, uma vez ligada ao chassi padrão e ágil de um notosuchia, provavelmente tornou o Razana o maior e mais terrível predador de seu ecossistema.
Restauração paleoartística do Razanandrongobe sakalavae varrendo uma carcaça de saurópode no período Jurássico de Madagascar. Diferentemente dos crocodilianos existentes, esse predador terrestre tinha um crânio profundo e andava sobre membros eretos. Crédito: Fabio Manucci.
“O ‘Razana’ conseguia superar mesmo os dinossauros terópodas, no topo da cadeia alimentar”, disse Cristiano Dal Sasso, paleontólogo do Museu de História Natural de Milão e primeiro autor no novo estudo, em comunicado à imprensa.
Um não-dinossauro caçando e comendo dinossauros não encaixa bem com a ideia tradicional de que os dinossauros reinaram na ecologia terrestre por 135 milhões de anos. Mas, como a ciência rapidamente está descobrindo, a realidade das relações entre grupos animais durante esse período foi um pouco mais complicada do que o que se pensava. Embora os dinossauros fossem especialmente proeminentes e diversos nos períodos Jurássico e Cretáceo, ainda havia muita mobilidade dentro da cadeia alimentar para os que corriam por fora. O Razanandrongobe é apenas um exemplo de rejeição ao regime ‘dinossauriano’, um exemplo que faz companhia a outros crocodilianos antigas que deram trabalho para os dinossauros. Sebecosuchias (parentes próximos dos notosuchias) como o baurusuchus caçavam dinossauros menores no fim do Cretáceo no Brasil, patrulhando a paisagem como lobos blindados. Esses primos crocodilianos terrestres se saíram tão bem que alguns sobreviveram na América do Sul milhões de anos depois da extinção dos dinossauros. O “SuperCroc” da África, o sarcosuchus, tinha o tamanho de um ônibus escolar e matava e comia dinossauros.
Mesmo mamíferos, supostamente os azarões da Era Mesozoica, ocasionalmente tinham seu dia ao sol: o repenomamus, um vombate assassino de cerca de 130 milhões de anos, foi descoberto com os restos de um bebê dinossauro fossilizado em sua barriga. O beelzebufo, maior espécie conhecida de sapo, viveu em Madagascar em um período pouco após o Razana; era grande, carnívoro e quase certamente comia filhotes de dinossauro. O “Razana” se encaixa perfeitamente na visão emergente de uma Era dos Dinossauros em que a cadeia alimentar não era tão desigual.
Jake Buehler é um jornalista científico de Seattle com uma obsessão pelas histórias mais estranhas e pouco reconhecidas da biologia.